Frederico Krepe: as perspectivas do campo progressista para as eleições deste ano

Por Frederico Krepe

O Brasil caminha para o primeiro processo eleitoral depois da vitória de Jair Bolsonaro em 2018. Dessa vez, os brasileiros serão chamados a escolher seus prefeitos e vereadores até 2024. A ascensão da extrema-direita já era motivo suficiente para a importância das eleições municipais; com a pandemia, temos outro ingrediente nesse caldo, exigindo uma maior compreensão do momento político por parte das diversas forças de oposição que tentam impor uma derrota eleitoral para o governo.

Parece que a eleição de Bolsonaro provocou um curto-circuito na cabeça de uma série de lideranças de oposição. A aposta petista de uma volta ao passado em 2018 resultou em algo altamente arriscado. Lançar Lula como candidato — mesmo preso — fracassou de forma retumbante. Ciro Gomes tentou se manter no meio do caminho entre uma opção de voto para o petismo enquanto buscava fortalecer a posição enquanto um moderado de centro-esquerda que tecia críticas aos 13 anos de governo do PT. Conseguiu se posicionar de forma importante, mas não conseguiu avançar para o segundo turno, pois era “petista” demais para o eleitorado antipetista e não era petista o suficiente para ser merecedor desse voto. O PSOL teve o pior resultado de sua história, já que não conseguiu sair de uma posição de “petismo crítico”, nem avançar para um eleitorado fora da órbita da esquerda. O que nenhuma desses atores políticos percebeu é que a dinâmica política brasileira exigia outra reorganização, que não foi feita. A dinâmica política de 2020 parece ser um aprofundamento dessa exigência de reorganização, que está acontecendo.

O que faltou às lideranças progressistas foi ter o entendimento das razões que levaram ao fracasso da experiência de 13 anos de governo do PT. O avanço imperialista, a espetacularização midiática da corrupção, a Lava Jato e o golpe ajudaram nessa derrocada, mas não chegam nem perto de explicar a falta de apoio popular de massas na luta contra o golpe, nem a eleição de Bolsonaro. Todos os fatores mencionados anteriormente não apagam a péssima gestão econômica de Dilma, especialmente no segundo mandato, onde traiu o seu eleitor aplicando o programa econômico neoliberal apresentado por Aécio Neves, derrotado nas urnas. Esse estelionato jogou a base popular petista contra o próprio partido, que passou a aderir com maior intensidade ao discurso da extrema-direita. A base traída do PT encontrou refúgio no discurso golpista, e, posteriormente bolsonarista, que apelava para sentimentos conservadores já arraigados na população e conseguia vender o elemento “corrupção do PT” como culpado pelo fracasso econômico.

Essa derrocada do PT, desencadeou um processo, cada vez mais evidente, de reorganização política no campo progressista. Aos poucos, o enfraquecimento do PT, seu sectarismo com ex-aliados e sua postura hegemonista desencadearam uma nova dinâmica em curso já nas eleições de 2020. A hegemonia petista no campo progressista foi dissolvida, gerando três campos políticos delimitados: um campo de centro-esquerda moderada, um campo de esquerda mais radical e um campo lulista.

O campo de centro-esquerda é hoje ocupado pela aliança PDT-PSB. Juntos, os dois partidos têm lançado candidaturas em diversas capitais e cidades importantes no país, na tentativa de tomar para si uma postura de oposição, mas que se distancie do PT e de seu sectarismo para conquistar votos de centro e de setores mais conservadores. Esse bloco de centro-esquerda é um novo campo político emergindo, com a compreensão de que é importante discutir a necessidade de um projeto de desenvolvimento para o Brasil — expresso em um provável projeto presidencial de Ciro Gomes em 2022 — enquanto mantém uma certa distância do PT, apontando os diversos erros do partido no comando do país, e no comando do processo político progressista até 2018, para se preservarem do antipetismo. Para esse setor, não foi somente o esquema de fake news, a perseguição política ao PT e a prisão de Lula que elegeram Bolsonaro, mas os próprios erros dos progressistas que negligenciaram o antipetismo na dinâmica política brasileira.

Para além de tudo, esse campo compreende que há uma base racional no antipetismo e que esta está ancorada em três elementos: crise econômica decorrente do ajuste neoliberal de Dilma, corrupção existente nos governos do PT (por mais que a Lava Jato e a mídia tenham cometido excessos, houve casos sérios de corrupção nos governos do PT) e o aumento da violência. Na tentativa de oferecer uma alternativa de desenvolvimento, que supere esses impasses, é que esse bloco se forma. O grande desafio desse bloco (que pode vir a contar com a REDE no futuro) é uma maior unidade na compreensão estratégia do Brasil, um maior alinhamento ideológico nos partidos e a construção de uma base orgânica para além do período eleitoral.

Em outra raia, temos uma reorganização da esquerda mais radical empreendido pelo PSOL. Mesmo se aproximando do PT em 2018 e colhendo os frutos disso em uma baixa votação, o PSOL está se oferecendo como alternativa de esquerda para o eleitorado petista. Lançando candidatos na maioria das capitais brasileiras, o partido quer ser o centro gravitacional de uma reorganização da esquerda que abarque a esquerda mais radical, como PCB e outros partidos menores e uma esquerda reformista que se desiludiu com os desvios do PT e quer buscar uma alternativa mais “original”. Nesse sentido, buscam uma aproximação com o petismo, o que acaba ajudando a herdar um pouco da rejeição, mas trabalham para superar essa experiência petista oferecendo candidaturas que empolguem mais que as candidaturas petistas, como é o caso de São Paulo. Esse campo de esquerda mantém uma postura mais crítica em relação ao campo de centro-esquerda, mas uma postura mais aberta em relação ao campo lulista, na tentativa de herdar parte da base e do eleitorado lulista. O grande desafio desse campo é buscar voto para além do eleitorado progressista e lidar com a rejeição galopante que vem junto com a essa proximidade com o petismo.

Por fim, temos o lulismo, que é o que sobrou do PT. Depois de 2014, o partido entrou em uma postura defensiva e nunca mais saiu. Essa postura defensiva fez o partido optar pela via mais fácil, a via de culto ao Lula, para tentar sobreviver politicamente. Essa postura se radicalizou ainda mais de 2017 para cá, usando a perseguição judicial (que existe) a Lula para tentar construir ao redor dele uma aura divina, que em muitos momentos flerta com o culto a personalidade, o que, inclusive, dificulta a aproximação com o primeiro campo mencionado, a centro-esquerda mais crítica do lulismo. Além disso, o lulismo desenvolveu uma hostilidade raivosa a qualquer crítica aos erros do PT nos 13 anos de governo.

A tentativa de forçar um Nobel da Paz a Lula, assim como a estratégia de lançá-lo candidato mesmo preso e inelegível, explicam-se pelo culto à personalidade e por toda essa narrativa assumida pelo petismo.

Essa estratégia visa transformar Lula numa espécie de “Nelson Mandela brasileiro”. Qual o problema com essa estratégia? A imagem que os sul-africanos têm do Mandela é a de um lutador que dedicou sua vida para livrar o país do apartheid e que sofreu na pele por isso. Lula não conseguiu colar essa imagem de perseguido dentro do próprio país e o que ficou, para uma boa parte do povo, foi somente a imagem de um político corrupto. Inclusive, até no meio das classes populares que o apoiam, Lula é visto como a figura do “rouba, mas faz”. Essa estratégia mirou em Nelson Mandela e acabou acertando em Paulo Maluf. O problema do culto lulista é que ele polariza, radicaliza e impede pontes com setores mais amplos da sociedade, isolando quem opta por ele em um discurso cada vez mais sectário e religioso. Essa estratégia é boa para rachar uma parcela do eleitorado e eleger candidatos proporcionais, mas péssima para candidaturas majoritárias. A falta de renovação e o culto ao Lula podem ajudar o PT a se tornar cada vez menor na política brasileira, reduzindo a níveis muito baixos o que foi, por algum tempo, o partido mais importante do Brasil.

Essa dinâmica de reorganização já pode ser vista com bastante clareza nas eleições municipais deste ano. PDT e PSB lançam candidaturas conjuntas em várias cidades, o PSOL lança suas candidaturas de forma independente e o PT, isolado em vários lugares, lança candidaturas para “defender o legado de Lula”. Nesse processo, só o PCdoB ainda parece não ter se decidido, ora atuando com o bloco PDT-PSB, ora ainda na franja do lulismo.

No atual momento, essa fragmentação é irreversível e um tanto positiva, já que obriga os progressistas a disputarem o voto do povão e não da parcela ideológica da sociedade, o que vai levantar a necessidade de uma comunicação mais popular, um ouvido mais aberto a críticas.

As primeiras pesquisas com o cenário eleitoral completo começam a sair e teremos uma dimensão final dessa reorganização no fim do processo eleitoral, o que vai indicar os erros e acertos de cada grupo e apontar os caminhos para 2022.

* Graduado em filosofia pela UFJF e pós-graduando do Programa de Pós-graduação em Filosofia na UFJF

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