Análise: Bolsonaro perde o favoritismo para 2022

Bolsonaro participou de partida beneficente de futebol na Vila Belmiro, em Santos, nesta segunda (28) Foto: Edilson Dantas / O Globo

A crise em Manaus parece ter sido a gota d`água.

A primeira pesquisa do ano, do XP/Ipespe, feita entre os dias 11 e 14 de janeiro, com avaliação do governo e intenções de voto para 2022, pega apenas de raspão o problema na capital do Amazonas, mas sinaliza um cenário negativo para Bolsonaro.

Todos os números convergem para a mesma direção: esvaziamento político do presidente e do governo.

A avaliação do governo se deteriorou substancialmente, com as notas ruim/péssimo subindo para 40%, após um movimento de recuperação visto nas pesquisas anteriores. 

A razão parece simples: fim do auxílio emergencial de R$ 600.

O que vinha sustentando Bolsonaro eram os eleitores do interior, onde o Auxílio representou uma pequena revolução na renda de algumas milhões de famílias pobres. 

Nas capitais e periferias, o apoio ao governo já vinha sofrendo uma queda dramática em 2020, em especial após a chega da pandemia. Nas capitais, a rejeição ao governo chegou a 62% em abril, na esteira da indignação popular contra a irresponsabilidade de Bolsonaro no combate a Covid. Depois melhorou. Hoje Bolsonaro é rejeitado por 42% dos moradores de capitais, e apoiado por 29%. 

A novidade dessa pesquisa é que Bolsonaro agora passou a perder também apoio no interior; a aprovação do governo entre residentes em municípios do interior do país sofreu uma queda dramática: as notas bom e ótimo junto a residentes do interior, que chegaram a 43% em setembro, auge do Auxílio, caíram para 33%, ao passo que as notas ruim e péssimo, nas mesmas regiões, que tinham oscilado para 30% em outubro, melhor nota desde início da administração, voltaram a subir e agora estão em 39%.

Entre os eleitores de renda familiar até 2 salários, onde o governo chegou a ter 39% de ótimo e bom em outubro, e ainda 37% em dezembro, esses percentuais caíram para 33% em janeiro. Entre os eleitores com renda superior a 5 salários, a aprovação positiva do governo tem oscilado para baixo e para cima com grande intensidade, nos últimos meses.

No início do ano, ainda antes do início da pandemia, Bolsonaro chegou a ter 47% de aprovação junto a essas camadas médias; após a chegada do vírus ao Brasil, e o negacionismo do presidente, a aprovação do governo cai para 26%; e volta a subir para 46% em setembro, no auge do Auxílio; em janeiro, todavia, cai mais uma vez, para 33%. No quesito rejeição, Bolsonaro tem hoje 44% de ruim e péssimo junto as famílias de renda média; esse número tinha chegado a 55% em maio, oscilou para baixo nos meses seguintes, e agora voltou a piorar.  

 

A deterioração do prestígio de Bolsonaro parece estar associada diretamente ao crescimento do mau estar com a pandemia. O percentual de entrevistados que respondeu que está com “muito medo” da doença vem crescendo nos últimos meses, e agora chegou a 42%, próximo ao pico de 48% registrado ao final de abril, e bem distante do momento de distração vistoem outubro, quando apenas 28% disseram ter “muito medo” e 34% responderam que não estavam com medo.

 

A avaliação da atuação de Bolsonaro no enfrentamento do coronavírus, por sua vez, piorou em janeiro, com 52% dos entrevistados respondendo que é “ruim e péssima”, igualmente se aproximando do momento de maior animosidade contra o presidente, que foi em maio de 2020, quando 58% rejeitavam o desempenho do presidente. 

Um outro dado da pesquisa XP que merece atenção é o relativo sucesso de Bolsonaro em lançar suspeitas sobre as urnas eletrônicas. Entre os eleitores de Bolsonaro, 39% disseram que não confiam nas urnas, percentual que cai para 20% entre não-eleitores. No total, 29% disseram não confiar nas urnas eletrônicas, o que é um percentual perigosamente alto. 

No total, 66% dos entrevistados disseram confiar nas urnas, percentual que cai para 55% entre eleitores de Bolsonaro e sobe para 75% entre não eleitores do presidente. 

A XP/Ipespe trouxe ainda projeções eleitorais para 2022, com números de pesquisa espontânea, estimulada, primeiro turno e cenários de segundo turno.

Em todas as projeções, chama a atenção o esvaziamento de Bolsonaro. 

Na espontânea, Jair Bolsonaro lidera isolado, com 22%, seguido de Lula, com 6%, e Ciro, com 3%. Moro, Haddad e Boulos pontuaram 2%. Doria, Huck, Dino e João Amoedo, 1%. 

 

No histórico da estimulada, percebe-se o declínio constante de Bolsonaro, após um momento relativamente positivo em outubro, no auge do Auxílio Emergencial, quando chegou a pontuar 31% das intenções de voto no primeiro turno. Agora tem 28%. 

Sergio Moro oscilou um ponto para cima, mas também caiu basttante em relação a seu auge, em abril. Hoje o ex-ministro da Justiça tem 12% das intenções de voto. 

Fernando Haddad experimenta hoje o seu pior momento, com apenas 11% das intenções, após pontuar 15% em junho. A pesquisa tem alternado o nome de Lula e Haddad. 

A última pesquisa em que o nome de Lula aparece foi a de 27 de maio de 2020, quando o ex-presidente marcou 17%. 

Cirou experimenta uma performance estável, mas experimentou uma oscilação positiva em janeiro, chegando a 11%.

Por fim, a pesquisa traz vários cenários de segundo turno. 

A principal novidade aqui é que Bolsonaro aparece bastante vulnerável. Ele perde de Sergio Moro, empata tecnicamente com Ciro e tem apenas ligeira vantagem de 5 pontos sobre Haddad. 

Conclusão: pesquisa de intenção de voto apenas tem valor se a compararmos com outras pesquisas, e se a cotejarmos com os últimos resultados das urnas e a interpretarmos com nossa intuição. Por si mesmas, valem pouco. Essa pesquisa XP, porém, oferece algumas narrativas:

  1. Bolsonaro perdeu a aura da invencibilidade que conseguiu manter até agora, primeiro por causa do apoio na classe média; depois que perdeu o apoio da classe média, em função de suas trapalhadas no combate ao coronavírus, passou a se sustentar com apoio de famílias de baixa renda, por causa do Auxílio Emergencial. Agora, perdeu tudo. É rejeitado na classe média e deve ser rejeitado cada vez mais entre os mais pobres, em função do aumento do desemprego e do fim do Auxílio Emergencial. Não há mais favoritismo para Bolsonaro em 2022, embora ainda seja um mistério que forças herdarão os eleitores decepcionados com o presidente. 
  2. O PT perdeu também a narrativa de campeão incontestável das oposições. Não conseguiu conquistar nenhuma capital nas eleições municipais, ficou atrás de outras legendas de oposição, como o PDT e do PSB, em número de prefeituras, e agora aparece declinante nas pesquisas para 2022.
  3. A pesquisa é boa para Ciro Gomes. Ele consegue se manter como o candidato de oposição com os melhores números gerais nas pesquisas. Tem 3% na espontânea, 11% na estimulada do primeiro turno, e 37% no segundo turno. Lembrando que Moro tem 36% no segundo turno.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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