A hora do xeque

Bolsonaro canta parabéns para o ministro Marcos Pontes: cada vez menos motivos para comemorar. Foto: Leonardo Marques - ASCOM/MCTI

“Bicha”, “representante do mal”, “viciados”, “sodomitas”. Roberto Jefferson, presidente do PTB, usou essas palavras, dentre outras (como comunistas, é claro), para se referir aos tucanos João Doria e Eduardo Leite, governadores respectivamente de São Paulo e do Rio Grande do Sul, em um áudio de Whatsapp vazado (ouça aqui, com o perdão pela fonte). Roberto Jefferson é um dos principais aliados e articuladores de Jair Bolsonaro hoje, a ponto do PTB ser uma das siglas com maiores chances de receber Bolsonaro para a disputa eleitoral de 2022.

Em outra conversa recente, esta pública (veja aqui), Jefferson diz, exaltado, que “é hora da força armada agir”, chama Doria de “bicha louca”, diz que “tá na hora, presidente Bolsonaro”, seguido de um “excesso de democracia dá nisso, é anarquia” e sugere o fechamento do Congresso, “aquela lata de lixo”. E completa, falando dos ministros do STF:

Pau neles, presidente. O senhor tem apoio do povo. Pau neles, ponha pra voar aqueles onze urubus. Tire aqueles malandros comunistas de lá. (…) Corruptos, lobistas, comunistas, satanistas.

Esse discurso nazista-delirante está na boca do presidente do partido que deve abrigar Bolsonaro para uma eventual disputa em 2022.

Em sua live da semana passada Bolsonaro também insinuou medidas de exceção, e seus apoiadores urraram pelas ruas de algumas cidades do país no último fim de semana, em pleno colapso nacional da saúde. Para completar, o vereador Carlos Bolsonaro fez uma denúncia contra Felipe Neto e o youtuber recebeu a visita da polícia, que o intimou para depor por suposto crime contra a segurança nacional. Felipe Neto acredita que foi denunciado por ter chamado o presidente de genocida.

Cito esses fatos porque eles apontam para uma radicalização de personagens importantes do bolsonarismo no sentido de um autoritarismo mais explícito.

É, tudo indica, uma ofensiva de quem sabe estar encurralado.

Bolsonaro passar a usar máscara, seu filho Eduardo escrever que “nossa arma agora é a vacina”, a troca do ministro da saúde, tudo isso é uma tentativa mambembe de autoblindagem, pois o governo federal certamente estava muito bem informado sobre o que estava para acontecer (e tende a piorar drasticamente): 3 mil mortos diários e subindo, enfermarias de hospitais fechando, UTIs sem vagas, gente morrendo em casa. O caos.

Era evidente que os gritos (ao menos os virtuais) de genocida iriam ressurgir com força e o impeachment voltaria à pauta. Como o bolsonarismo sobrevive do confronto e da radicalização, numa situação como essa, quando se tona inviável afastar a culpa do governo federal pelo morticínio, a reação só pode ser violenta, autoritária. Ainda mais fascista do que já estamos acostumados.

A tendência é o quadro degringolar. Bolsonaro esboçou nomear uma pessoa razoável para o ministério da saúde, mas sua horda de fanáticos não permitiria uma ousadia dessas. O presidente sabe disso e acabou nomeando algém menos hostil ao negacionismo, alguém capaz de elogiar e dizer que vai continuar o trabalho do “”especialista em logística”” que o precedeu.

Marcelo Queiroga, o novo ministro, defendeu ontem (17) o distanciamento social, mas antes disso afirmou que a política de combate à pandemia é do governo Bolsonaro, e não do ministério da saúde. Esses sinais trocados são emblemáticos da estratégia do presidente, que precisa manter o discurso psicopata junto à sua base mas também pretende afastar de si o carimbo de genocida com medidas minimamente respaldadas pela ciência.

Só que há um outro aspecto nessa afirmação do ministro (a de que a política de saúde é de responsabilidade do presidente). Vejamos o que o vice, Hamilton Mourão, falou sobre o assunto:

A função do ministro quem define é o decisor, é o presidente da República. O ministro é um executor das decisões do presidente da República. Até por isso, então, o presidente é o responsável por tudo o que aconteça ou deixe de acontecer, essa é a realidade.

Não sei vocês, mas para mim este “o presidente é o responsável por tudo o que aconteça ou deixe de acontecer” soou como um tirar o corpo fora. Mourão está, assim como Bolsonaro, muito bem informado sobre o que vem pela frente. Ele sabe o tamanho do crime continuado que o governo federal está cometendo e, por isso, tenta empurrar de antemão toda a responsabilidade para o presidente. A frase de Queiroga, que também está bem informado sobre a situação, parece obedecer à mesma lógica: vou assumir o ministério no meio do caos, mas o responsável pela tragédia em curso é Jair Bolsonaro.

Obviamente ambos, ministro e vice-presidente, assim como todos os que dão suporte a este governo, têm sua parcela de responsabilidade. Mas o genocida-mor é, de fato, o presidente, e quem tem algum bom senso sabe que a chance do genocídio ficar impune é cada vez menor.

Abundam, portanto, os motivos para que Bolsonaro se sinta acuado. O presidente não teve uma revelação, nenhum anjo apareceu em seu sonho e disse “Você tá fazendo merda, cara, troca o ministro da saúde e muda essa política negacionista aí”. Bolsonaro entregou o peão Pazuello para dar uma sobrevida ao rei (ele próprio), à rainha (Micheque? Queiroz? Seus filhos tresloucados?) e aos bispos falastrões que formam sua base de apoio mais fiel.

O centrão – essa entidade quase sobrenatural da política brasileira que é uma exímia jogadora de xadrez – já percebeu que a família real está exposta. O descontentamento com a escolha de Bolsonaro para a Saúde (o presidente ignorou as indicações do centrão) foi bem divulgado para a imprensa. Centrão arisco cobra mais caro pelo seu apoio e é (mais um) indicativo de que o governo está enfraquecendo.

E isso é uma boa notícia. É urgente derrubar Bolsonaro. Todo o resto é supérfluo diante do massacre diário a que estamos sendo submetidos. As palavras genocida e impeachment não devem sair das bocas e dos teclados oposicionistas até que o presidente caia. É hora de deixar Bolsonaro em xeque permanente.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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