Adeus, terceira via?

A jornalista Daniela Lima, da CNN Brasil, postou alguns tweets e, em seguida, trecho de vídeo, em que fala sobre pesquisas qualitativas de “partidos de centro”, segundo as quais a polarização entre Lula e Bolsonaro estaria cristalizada.

Isso significaria, segundo ela, o estrangulamento da “terceira via”.

É preciso tomar cuidado, naturalmente, com “pesquisas” que existem apenas na boca de políticos e jornalistas. Frequentemente elas são divulgadas tendo em vista uma agenda política, sobretudo considerando que políticos de centro podem ser, em tese, aliados de qualquer um. Ou seja, podem ser adeptos de Bolsonaro, de Lula ou da terceira via. Ou dos três ao mesmo tempo, ao sabor dos ventos. 

O valor da informação oferecida pela CNN, no entanto, reside no fato de que ela faz sentido, e tem sido confirmada por diversas pesquisas registradas e abertas ao público.

O Brasil vive hoje um momento de intensa polarização entre Lula e Bolsonaro.

Segundo a jornalista da CNN, os partidos de centro discutem hoje sobretudo três nomes: Mandetta, ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Eduardo Leite, ex-governador de Bolsonaro, e Ciro Gomes, vice-presidente do PDT. Ela faz uma pausa dramática antes de falar o nome de Ciro, e depois explica, com um sorriso enigmático, que o pedetista é o nome mais difícil, por causa da dificuldade de conciliar o seu programa econômico com partidos como o DEM.

Luciano Huck, diz a colunista, já seria carta fora do baralho, por conta de seus interesses profissionais, e também talvez por não enxergar mais lugar para si em 2022.

A falta de espaço para uma terceira via não é consenso entre analistas, sobretudo porque as pesquisas também apontam um percentual em torno de 40% de eleitores que não querem votar nem em Lula nem em Bolsonaro. Caso este percentual se consolide ou se amplie em outras pesquisas, talvez se abra algum espaço para uma alternativa.

O Paraná Pesquisas publicou pesquisa, em março último, sobre o tema. Segundo a pesquisa, 46% não se consideram nem bolsonarista nem lulista. O mais preocupante aqui é que 27,6% se consideravam mais bolsonaristas, contra 22% de lulistas. A pesquisa foi feita entre os dias 15 e 19 de março, mais de uma semana após a decisão do STF que anulou os processos do ex-presidente Lula, restituindo seus direitos políticos. 

A pesquisa da Exame/Ideia, mais recente, também traz uma questão semelhante, onde 41% dos entrevistados responderam que prefeririam que o próximo presidente não fosse Lula nem Bolsonaro:

 

As eleições presidenciais estão marcadas para outubro de 2022, de maneira que, hoje, faltam aproximadamente 17 meses para os eleitores depositarem seu voto nas urnas. 

O cenário hoje, segundo pesquisa Exame/Ideia divulgada há alguns dias, é assim:

A polarização é gigante: 65% dos eleitores votam em Lula ou Bolsonaro. É evidente que uma eventual terceira via apenas se poderá se viabilizar se “roubar” uma parte dos votos de um dos dois pólos que lideram a disputa. 

Em abril de 2017, ou seja, a 17 meses das eleições de 2018, o cenário eleitoral era assim, segundo o Datafolha:

A eleição de 2018 foi sui generis porque, como se pode ver, não havia propriamente uma polarização, mas um líder e dois ou três candidatos disputando o segundo lugar.

Bolsonaro, a esta altura do campeonato (estamos em abril de 2017), tinha 15% das intenções de voto e seu principal adversário era Lula, que seria posto para fora do páreo mais tarde, deixando o caminho livre para sua vitória. 

Repare, por outro lado, que os 15% de Bolsonaro era um fenômeno recente. Poucos meses antes, em agosto de 2016, ele tinha 9% das votos, e ainda um pouco antes, em julho de 2016, 7%.

Conclusão

Há, de fato, uma polarização cristalizada entre Lula X Bolsonaro, muito mais do que vimos em eleições anteriores. Além do mais, os 15% de Bolsonaro em abril de 2017 enganam um pouco, porque ele já tinha 20% entre homens, por exemplo, e superava Lula entre eleitores com ensino superior (entre os quais tinha 21%, contra 17% de Lula) e entre eleitores com renda familiar superior a 5 salários (entre os quais tinha quase 30%).

Ou seja, a 17 meses das eleições de 2018, Bolsonaro já era um fenômeno na classe média.

 

Daniela Lima, a âncora da CNN citada no início do post, diz que as pesquisas dos tais “partidos de centro” indicam que Bolsonaro dificilmente cairia abaixo dos 25%. 

Em suma, embora os números apontem para a existência de um campo “nem-nem” razoavelmente grande para se avançar, os caminhos para se furar a polarização ainda parecem extremamente estreitos.  

Entretanto, como dizia o governador Magalhães Pinto, política é como nuvem, e, paradoxalmente, o próprio bloqueio a uma alternativa tem sido um dos principais motivos para um movimento, ainda incipiente, mas bastante ativo, de rearranjo de forças. 

Se haverá tempo para que esse rearranjo faça alguma diferença até 2022, apenas o tempo dirá!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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