Um péssimo dia para o bolsonarismo

Wajngarten suando na CPI da Covid. Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Tive a pachorra de assistir a quase todo o depoimento de Fábio Wajngarten, ex-secretário de comunicação do governo, à CPI da Covid hoje. E até que foi um programa interessante.

A começar pelo aspecto quase fascinante do bolsonarismo. Os senadores governistas precisam fazer malabarismos retóricos grotescos para defender o indefensável, e o resultado é apenas patético. Ainda assim, é interessante observar a capacidade da mente humana de arrumar um jeito de defender uma tese, por mais absurda que seja. Bolsonaro é um bufão que, assim como um adolescente rebelde faz bagunça para provocar os professores, fez exatamente o oposto dos protocos recomendados pela comunidade científica. Foi a forma que ele encontrou para manter sua imagem de outsider, sua narrativa “antissistêmica”, e assim garantir que seus apoiadores raiz continuem imersos em uma delirante realidade paralela onde Bolsonaro é, de fato, uma espécie de Messias.

Mas Bolsonaro não é um adolescente e sim o presidente do país, e seus atos provocaram a morte de, possivelmente, centenas de milhares de pessoas que podiam ter escapado. O que torna a defesa do seu governo, à esta altura, ultrajante.

A testemunha do dia incorporou o mesmo personagem dos senadores governistas, tentando isentar o presidente de qualquer responsabilidade sobre o morticínio. O resultado foi uma irritação generalizada entre os senadores, alguns dos quais requisitaram ao presidente da CPI que desse voz de prisão em flagrante a Wajngarten por falso testemunho.

A entrevista do ex-secretário à Veja, na qual ele diz que houve incompetência no Ministério da Saúde e por isso demorou tanto para termos vacinas, pareceu, a princípio, uma tentativa de direcionar a artilharia da CPI para o ex-ministro da saúde Eduardo Pazuello. Hoje o objetivo da entrevista ficou mais explícito: Wajngarten atribuiu à “burocracia” a demora, cuidando para não acusar ninguém pessoalmente.

Uma estratégia risível, tendo em vista que a maioria dos integrantes da comissão não dá sinais de que engolirá esse tipo de coisa – será que Renan Calheiros escreverá no seu relatório que “a culpa da tragédia é da burocracia”? Mas, por incrível que pareça, talvez seja o melhor que Wajngarten pudesse fazer em sua tentativa de blindar o presidente Bolsonaro.

Porque a demora em tomar qualquer atitude diante da carta da Pfizer oferecendo suas futuras vacinas está evidenciada pelo depoimento do próprio Wajngarten. O relato de que, dois meses depois do envio da carta, Wajngarten adentrou na sala de Bolsonaro com o presidente da Pfizer ao telefone e falou sobre a vacina para o presidente e o ministro Paulo Guedes, tendo obtido como resposta do presidente um inacreditável “ANVISA” escrito em um papel, não ajuda muito o governo. Wajngarten afirma que Bolsonaro quis dizer que compraria as vacinas que a Anvisa aprovasse, o que é uma postura no mínimo omissa do líder máximo do país em meio a uma pandemia mortal. A carta da farmacêutica pedia agilidade porque havia demanda de muitos países, todos querendo comprar a vacina. Depois de dois meses sem resposta do governo, um papel escrito “ANVISA” pelo dono da caneta Bic é inqualificável.

Amanhã será ouvido um representante da Pfizer, e é aguardado com ansiedade o depoimento de Pazuello (se este não der um jeito de fugir ou ficar em silêncio), dentre outras figuras que inevitavelmente deixarão escapar ainda mais evidências do que as toneladas que temos disponíveis sobre as ações e omissões de um presidente que só pode ser definido com uma palavra: genocida.

A atuação bizarra dos parlamentares bolsonaristas, que frequentemente confrontam e ofendem o relator, o presidente e os demais integrantes da CPI, contribui para a impressão de que o relatório que sairá da CPI será nada menos do que devastador para o governo. Após este momento desde já histórico, não vejo outra alternativa para os senadores que não iniciarem o processo de impeachment.

E aí entraremos no terreno do imponderável, porque Bolsonaro possui ainda um séquito de apoiadores fanáticos, uma parte deles armada, e obviamente não sairá do cargo sem resistir, com os meios que tiver à mão. A pesquisa Datafolha de hoje que captou um derretimento expressivo do presidente tende a aumentar sua agressividade – seu filho Flávio apareceu no fim da sessão na CPI e chamou o relator Renan Calheiros de vagabundo (“vagabundo é você”, respondeu Renan), com o evidente intuito de inflamar ainda mais a base bolsonarista contra os membros da CPI.

Se a crise política parece estar sempre no seu auge faz algum tempo, apertem os cintos, porque a tendência é que a coisa degringole de vez. Só que agora a hipótese de que haja o impeachment é real, e isso muda tudo. O bolsonarismo pode ter começado sua descida de volta ao esgoto.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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