CCJ aprova texto-base de proposta sobre demarcação de terras indígenas

Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (23), por 40 votos a 21, o texto-base da proposta que muda as regras para a demarcação de terras indígenas. Os destaques para votação em separado, que ainda podem alterar o texto, devem ser analisados na próxima terça-feira (29).

O texto aprovado foi o substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), ao Projeto de Lei 490/07 e a 13 outras propostas que tramitam em conjunto.

O projeto principal submete a demarcação de terras indígenas ao Congresso Nacional. O texto apresentado pelo relator é mais amplo, não trata de demarcação por lei, porém traz outros temas polêmicos como o chamado marco temporal e mudanças no usufruto pelos povos originários, com a possibilidade, por exemplo, de instalação de bases, unidades e postos militares, expansão da malha viária, e exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico.

O substitutivo apresentado pelo relator considera terras indígenas:
– aquelas tradicionalmente ocupadas pelos índios, por eles habitadas em caráter permanente;
– as utilizadas para suas atividades produtivas;
– as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições;
– as áreas reservadas, consideradas as destinadas pela União por outras formas que não a prevista anteriormente;
– as áreas adquiridas, consideradas as havidas pelas comunidades indígenas pelos meios admissíveis pela legislação, tais como a compra e venda e a doação.

Marco temporal
O texto busca consolidar em lei a tese do marco temporal. A proposta garante como terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros apenas aquelas que, na promulgação da Constituição de 1988, eram simultaneamente: por eles habitadas em caráter permanente; utilizadas para suas atividades produtivas; imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

A comprovação desses requisitos deverá ser devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos. A ausência da comunidade indígena na área pretendida em 5 de outubro de 1988 impede o direito à terra, salvo em caso de conflito possessório, fato que deverá ser devidamente comprovado.

O substitutivo proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e considera nulas demarcações que não atendam aos preceitos estabelecidos pelo texto. Os processos administrativos de demarcação de terras indígenas ainda não concluídos deverão ser adequados às novas regras.

Se for verificada a existência de justo título de propriedade ou posse em área tida como necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena, a desocupação da área será indenizável, segundo a proposta.

Mineração e garimpo
Com relação ao uso e à gestão das terras indígenas, a proposta estabelece que o usufruto da terra pelos povos originários não abrange:
– o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
– a pesquisa e lavra das riquezas minerais, que também dependerão de autorização do Congresso, assegurando-lhes a participação nos resultados da lavra, na forma da lei;
– a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
– as áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União.

Ainda segundo o texto, o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.

Também fica assegurada a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.

O ingresso de não indígenas em áreas indígenas poderá ser feito: –
– por particulares autorizados pela comunidade indígena;
– por agentes públicos justificadamente a serviço de um dos entes federativos;
– pelos responsáveis pela prestação dos serviços públicos ou pela realização, manutenção ou instalação de obras e equipamentos públicos;
– por pesquisadores autorizados pela Funai e pela comunidade indígena;
– por pessoas em trânsito, no caso da existência de rodovias ou outros meios públicos para passagem.

Exploração econômica
O substitutivo faculta o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade, porém admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas. Os frutos da atividade devem gerar benefícios para toda a comunidade e a posse dos indígenas deve ser mantida sobre a terra, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade. Os contratos devem ser registrados na Funai.

Fica permitido o turismo em terras indígenas, organizado pela própria comunidade, sendo admitida a celebração de contratos para a captação de investimentos de terceiros. Por outro lado, fica vedada a qualquer pessoa estranha às comunidades a prática de caça, pesca, extrativismo ou coleta de frutos, salvo se relacionada ao turismo organizado pelos próprios indígenas.

Povos isolados
No caso de indígenas isolados, cabe ao Estado e à sociedade civil o absoluto respeito a suas liberdades e meios tradicionais de vida, devendo ser evitado ao máximo o contato, salvo para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública.

O texto também modifica a legislação que trata do plantio de organismos geneticamente modificados (Lei 11.460/07) para retirar a vedação ao plantio em terras indígenas.

Apoios e críticas
Segundo o deputado Túlio Gadelha (PDT-PE), mesmo ainda tendo um longo caminho pela frente, já que precisará passar pelo Plenário da Câmara e pelo Senado, o projeto já tem estimulado a violência. “Isso é muito grave porque afeta esses povos, não só quando a lei for aprovada e se for aprovada, mas estimula hoje a violência nesses territórios. Alguns caciques têm denunciado que em seus territórios já acontecem casos de agressões a esses povos, invasões, a grilagem corre solta”, afirmou o parlamentar.

O deputado Giovani Cherini (PL-RS), por outro lado, afirmou que a proposta vai ajudar a reverter uma situação de miséria na qual os índios viveriam. “Como os índios vivem hoje? Com fome, com miséria e, quando brigam com o cacique são expulsos das suas aldeias e através de uma ONG ou através da Funai eles são instigados a invadir determinadas áreas. Índio não precisa mais de terra no Brasil, precisa de dignidade, índio precisa de orientação para que ele possa explorar suas terras de forma racional, de forma sustentável”, acredita Cherini.

A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) acusou a comissão de desrespeito à convenção da Organização Internacional do Trabalho que estabelece consulta prévia aos povos indígenas sobre mudanças que os afetem. Ela também falou em “cobiça às terras indígenas”. “Nós temos ouvido aqui absurdos. Até tentativa de regularização de irregularidades, como garimpo em terras indígenas. É crime, e não é querendo dar resposta a um crime que vai se assegurar a nossa Constituição”.

Para Joenia, “os direitos dos povos indígenas foram garantidos pela nossa Constituição como cláusula pétrea e não podem ser mudados por qualquer interesse egoísta, individual, de quem tem olhar de cobiça para as terras indígenas”.

Já o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) disse que a questão é sobre liberdade. “A gente não dá a liberdade pra que eles trabalhem, a gente não dá a liberdade pra que eles prosperem, a gente não dá a liberdade pra que eles se desenvolvam, pelo contrário, a gente diz ‘olha, na Constituição tá dizendo que são terras indígenas mas no final das contas é a União, é o governo, é o Ministério da Justiça, é a Funai, é o Congresso Nacional que vai decidir o que vocês podem ou não podem fazer com as suas terras’. Isso não é liberdade, isso não é defesa de direitos dos povos indígenas, pelo contrário, isso é cerceamento do direito que eles teriam à saúde, ao saneamento básico, ao desenvolvimento econômico”, criticou o deputado.

Lideranças indígenas se manifestaram, mais uma vez, em frente ao anexo 2 da Câmara, que dá acesso às salas das comissões. Mas, ao contrário da manifestação de terça (22), nesta quarta não houve confronto entre manifestantes e policiais. Mulheres indígenas, inclusive, entregaram flores a policiais que faziam a segurança da manifestação.

Apesar disso, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) relatou ter passado por situação tensa com a Polícia Militar do Distrito Federal, ao tentar entrar na Câmara. Ao se deparar com todas as entradas da Casa fechadas, contou o parlamentar, ele retirou um dos cones que isolavam uma entrada e, ao se aproximar de policiais que faziam a segurança do local para explicar que era deputado e havia retirado o cone para prosseguir o seu trabalho, um sargento teria apontado uma arma a ele e tentado impedir sua entrada.

A presidente da CCJ, deputada Bia Kicis (PSL-DF), disse que conversará com o comando da PMDF, para esclarecer o caso.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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