Rodrigo Perez: E depois do fogo na estátua? Acontece o quê?

Por Rodrigo Perez

Um grupo de pessoas sem representar nenhum movimento social organizado, nenhum partido político ou entidade de classe, decide atear fogo em um monumento localizado em espaço público. É claro que entendo perfeitamente a simbologia do ato.

Você, que está aqui me lendo, provavelmente entende também. Fazemos parte da mesma comunidade letrada e compartilhamos valores políticos semelhantes.

Mas e quem tava passando de ônibus pelo local na hora, entende? Como esse tipo de ato pode ser usado pelas forças políticas do atraso pra jogar a população contra as forças progressistas?

E se alguém tivesse se machucado? Pessoa sem nenhuma relação com o ato que estivesse ali na ocasião. Uma criança, talvez. Quem assumiria a responsabilidade?

Em qual plenária a ação foi deliberada? Quem responde pelo ato? Quais são as lideranças?

Outra questão importante:

Não raro, a força é usada como instrumento político. Particularmente, não gosto quando isso acontece. Tenho a democracia como valor em si. Uma das funções da democracia é exatamente conter os conflitos dentro da institucionalidade democrática, impedindo que descambem em violência.

Aí um grupo, sabe-se lá quem, sabe-se lá falando em nome de quem, resolve atear fogo no monumento. Tá bom, beleza! E se outro grupo, com outros interesses políticos e simbólicos, resolve fazer o mesmo?

Exemplo:

Um grupo de 30 pessoas, reunindo PMs, lutadores de MMA, tocam fogo na estátua de Zumbi. Ou se reúnem pra defender a estátua do Borba Gato.

Quem tem mais know-how de violência? Quem tem mais condições de ferir e matar? Em palavras mais diretas: quem é melhor de porrada? Quem bate mais forte?

Quando se lança mão da violência como arma política, é necessário estar pronto para o enfrentamento direto. Há de se conhecer os riscos. Aqueles que atearam fogo na estátua do bandeirante estão prontos? Treinados?

Eu ainda prefiro os trâmites da democracia: organizar a sociedade civil, mobilizar os representantes legislativos pra remover o monumento. Gosto desse papo de porradaria na rua não. Como professor universitário e historiador profissional, desestimulo esse tipo de mobilização. Não vai ser o meu corpinho que estará em risco se a situação fugir do controle.

É fácil fácil estimular a catarse da garotada protegido pela tela do celular, sem estar em campo exposto aos riscos.

Percebam! Não se trata de defender monumento, muito menos o personagem monumenalizado. Trata-se de discutir os efeitos políticos de uma ação política. O problema das consequências é que elas vêm sempre depois. Agir sem cálculo é pra ingênuos. A ingenuidade é o pior dos vícios políticos.

Cláudia Beatriz:
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