Gilberto Maringoni: O preocupante artigo de Mantega sobre a campanha de Lula

Foto: Ricardo Stuckert

Por Gilberto Maringoni

Sou um entusiasta da candidatura Lula. Ela é a única chance real de derrotarmos a extrema-direita. Por isso, li com muita preocupação o artigo do ex-ministro Guido Mantega na Folha de S. Paulo sobre as diretrizes que devem balizar a campanha presidencial petista. Aliás, o artigo é anos luz mais preocupante do que, por exemplo, a possibilidade do ex-governador Geraldo Alckmin vir a compor a chapa petista.

Já escrevi diversas vezes que Alckmin não é um problema significativo. Vices não apitaram nada sobre a condução dos governos petistas e não influenciaram a condução de suas políticas econômicas. É possível que Alckmin agregue um setor da direita que se descola do bolsonarismo e facilite uma vitória em primeiro turno.

O artigo de hoje expressa o que o PT puro sangue pensa sobre a condução da economia. Daí minha apreensão.

GUIDO MANTEGA FOI O MELHOR MINISTRO da Economia dos anos petistas. Aplicou uma política que tinha o desenvolvimento como uma de suas metas – apesar da decisão de Lula em manter o Banco Central nas mãos do sistema financeiro – e foi responsável por aproveitar o dinamismo do setor externo entre 2006-10. Entrou no governo graças à saída da dupla Dirceu-Palocci, que, em alguns momento,s radicalizou medidas ultraliberais dos anos FHC. Foi demitido de forma desleal por Dilma Rousseff, no final de 2014. Entre os economistas do PT, é sem dúvida o que mais se pauta pelo desenvolvimento.

A presidenta eleita para um segundo mandato decidiu planejar uma recessão – que denominou de “o maior ajuste fiscal de nossa História” –, com o propósito de recuperar a margem de lucro das empresas através da compressão salarial.

A fórmula definida era velhíssima: aumentar rapidamente o desemprego – como nos ensinou Michal Kalecki (1899-1970) – para “disciplinar” os trabalhadores, que ficariam com receio de protestar para não serem demitidos.

No lugar desse genovês de fala tranquila, Dilma colocou a dupla Joaquim Levy-Nelson Barbosa, com sólidas ligações com o mercado financeiro. Deu no que deu.

NÃO QUERO SER INDELICADO, MAS O ARTIGO DE MANTEGA É PÍFIO. Salta aos olhos os temas que não são mencionados, como A. Teto de gastos (que impede qualquer política de investimentos e de ação do Estado), B. Política de paridade de preços da Petrobrás (responsável pelos valores abusivos cobrados por gasolina e gás) e C. O governo Dilma II (2015-16), que foi apagado da História. Puf!, sumiu, nunca existiu.

O curioso é que em entrevista à Folha de S. Paulo em 16.01.2021, o mesmo Mantega afirmou o seguinte sobre aquela administração:

“Agora, em 2015 houve um tombo na economia que causou um déficit e aumentou a dívida. Mas aí mudou a política econômica e voltou o neoliberalismo [em 2015, Dilma troca Mantega por Joaquim Levy, então diretor-superintendente da gestora do Bradesco]”.

SOBRE TETO DE GASTOS, vale sempre lembrar que o ex-ministro Nelson Barbosa foi o primeiro a lançar a ideia, no início de 2016. Não à toa, Barbosa nunca se refere à PEC 95 como a do “teto de gastos”, mas a do “teto do Temer”. Há pressão desmedida da Faria Lima, da mídia e até de setores progressistas por sua manutenção (o mesmo acontece com a PPI da Petrobrás).

Se isso acontecer, podemos ter, num hipotético governo Lula (a eleição ainda não está ganha) uma frustração popular maior que a desencadeada pela ex-presidenta Dilma Rousseff em seu segundo mandato. Com a manutenção do teto, não existe a menor possibilidade de acontecer “um ambicioso plano de investimentos públicos e privados, de modo a ampliar a infraestrutura e aumentar a produtividade, gerando muitos empregos”, como escreve Guido Mantega.

O ARTIGO FALA CORRETAMENTE DO ALTÍSSIMO DESEMPREGO. Mas se o PT continuar “esquecendo” que a absurda marca de dois dígitos foi decisão de um governo seu, teremos um flanco aberto ao longo da campanha. Como o partido nunca explicou a contento as razões da decisão, a vulnerabilidade é preocupante. O mesmo vale para a frase “A economia brasileira terminou 2021 estagnada e vai continuar assim por todo o ano de 2022”. Não nos esqueçamos que o tombo no PIB 2015-16 foi de quase 8% negativos!

Em meio a isso tudo, há a inevitável piscadela para o mercado, ao exaltar que o PT no governo “compatibilizou aumento de verbas sociais com os maiores superávits primários da economia brasileira”. “Maiores superávits primários” – cortes orçamentários em favor do pagamento da dívida financeira – agora tornaram-se mantras do desenvolvimento?

NÃO QUERO CANSAR os que eventualmente me leem, mas o ex-ministro chega ao fim do artigo dizendo: “Para enfrentar essa situação desafiadora, as forças democráticas deverão elaborar um programa de desenvolvimento econômico e social para a reconstrução do país”. Sim! Isso é necessário. Estamos em janeiro. Quais serão as bases desse programa? Se forem os tópicos arrolados por Guido Mantega, teremos dificuldades sérias.

O Brasil precisa de um choque roosevoltiano na economia, ou um choque varguista, para ficarmos com o produto nacional. É Estado no posto de comando, quebra dos constrangimentos atuais (teto de gastos e Lei de Responsabilidade Fiscal), desmonte das reformas pós-golpe (em especial a trabalhista), recuperação dos bancos públicos e da Petrobrás e doses cavalares de investimento estatal.

Isso para começar a conversa.

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