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Gilberto Maringoni: A gasolinera Ipiranga

Por Gilberto Maringoni A saída é arriscada: em meio a uma dramática crise de financiamento do Estado, a Argentina muda, de forma ruidosa, não apenas sua orientação econômica, mas toda a lógica do governo peronista de Alberto Fernández, eleito em fins de 2019. Diante da corrosiva disputa entre o presidente e sua vice, Cristina Fernández […]

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Foto: Esteban Collazo/Argentinian-Presidency/AFP

Por Gilberto Maringoni

A saída é arriscada: em meio a uma dramática crise de financiamento do Estado, a Argentina muda, de forma ruidosa, não apenas sua orientação econômica, mas toda a lógica do governo peronista de Alberto Fernández, eleito em fins de 2019. Diante da corrosiva disputa entre o presidente e sua vice, Cristina Fernández de Kirchner (CFK), um novo ator entra em cena.

Trata-se do experiente presidente da Câmara dos Deputados, Sérgio Massa, alçado à condição de superministro da Economia. Sob seu comando estarão as pastas de Desenvolvimento Produtivo, Agricultura, Pecuária e Pesca, e Relações com os Órgãos Internacionais, Bilaterais e Multilaterais de Crédito.
Massa, ex-cartola de futebol, ex-prefeito do município de Tigre, nos arredores de Buenos Aires, e ex-secretário de CFK, já transitou da centrodireita para a centroesquerda e de aliado para desafeto da ex-presidenta. Agora, ele se torna uma espécie de primeiro-ministro, enfeixando na prática mais poderes que o chefe do Executivo. Se focarmos apenas na Economia, trata-se do terceiro titular da pasta em menos de um mês. Recordemos.

Em 2 de julho, o então ministro Martin Guzmán, negociador de um acordo para o pagamento de um financiamento de US$ 45 bilhões com o Fundo Monetário Internacional, renunciou após pesados ataques da ala esquerda da coalizão Frente para Todos. A principal acusadora era ninguém menos que a vicepresidenta da República. Cristina denunciou publicamente a negociação como recessiva e impeditiva para a realização de investimentos públicos destinados a tirar o país da crise.

A queda de Guzmán, indicado por Alberto Fernández, representou um acirramento na disputa pelo comando da administração. Embora o peronismo tenha obtido uma apertada vitória nas eleições parlamentares de novembro de 2021, o governo enfrenta forte queda de popularidade. Uma pesquisa divulgada no início de junho pela Universidade de San Andrés mostrou o tamanho do problema: 75% da população desaprova a atual gestão. E uma projeção para a disputa presidencial do segundo semestre de 2023 mostra o peronismo em terceiro lugar, num quadro em que a dianteira é ocupada pela coalizão direitista Juntos por el Cambio, do ex-presidente Maurício Macri (2015-19).

Entre as principais causas do descontentamento popular estão uma inflação anual de 64%, aferida pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), e uma desvalorização cambial de mais de 30% entre janeiro e junho. Mantidas as condições atuais, a alta dos preços pode bater os 90% até o final do ano, com mais 30% de queda do valor do peso, numa economia informalmente dolarizada. Começa a haver escassez de produtos importados nos supermercados.

Ainda no início de julho, foi nomeada a economista heterodoxa Silvina Batakis, que permaneceu apenas 24 dias como titular da Economia. Agentes do mercado e da mídia a atacaram pesadamente, logo de saída. Sua demissão ocorreu ao voltar de Washington, onde fora se reunir com a direção do FMI, para tentar a um só tempo reafirmar as bases do acordo e flexibilizar algumas cláusulas mais duras. Com pouca densidade política para além do apoio de CFK, Batakis será deslocada para a presidência do Banco de la Nación, estatal, que também fica sob o comando de Sergio Massa.

O novo ministro tem reafirmado um pragmatismo exibido em uma declaração feita em março: “O acordo com o FMI é a base para tudo o que planejamos construir”. Apesar de não ser um clássico representante dos mercados, o novo titular mantém vínculos com boa parte do empresariado argentino.

A reviravolta obedece a uma regra não escrita da administração pública: governo não toma decisões técnicas; todas as suas ações são, por definição, políticas.
Face a uma crise estrutural de financiamento que atinge um país sem moeda conversível, com a maior parte de sua dívida pública emitida em dólar, sem pleno acesso ao mercado internacional de crédito e cujas reservas cambiais caíram de cerca de US$ 43 bilhões no fim de março para pouco menos de US$ 36 bilhões, na primeira semana de agosto, o governo decidiu apostar alto.

A mudança de comando busca, em primeiro lugar, estabelecer uma trégua entre as visões de Alberto e Cristina para a Economia. O país depende quase apenas das exportações para internalizar dólares. Sem jamais ter conseguido uma recuperação econômica consistente após a crise de 2008 e a queda dos preços das commodities, entre 2013-16, e abalada por forte oscilação do PIB durante a pandemia, a gestão econômica tem como principal foco a tentativa de atrair dólares para impedir uma crise no balanço de pagamentos e estancar a onda altista de preços. A emissão monetária, saída possível para países endividados em moeda nacional, como o Brasil, se torna inócua no país vizinho.

Apesar dos índices relativamente baixos de desemprego (7% de acordo com o Idec), a informalidade e os baixos salários corroem o poder de compra da população.

Sérgio Massa recompôs os ministérios com quadros eminentemente políticos. Deixa uma sucessora no comando da Câmara, a deputada Cecília Moreau, primeira mulher a exercer o cargo, que mantém trânsito entre as principais alas do amplo espectro político do peronismo. O superministro se torna agora uma espécie de unanimidade forçada entre as principais lideranças peronistas, o que inclui o comando das centrais sindicais. Apesar das desconfianças iniciais, há uma espécie de pacificação tácita entre setores da sociedade próximos ao governo.

Se conseguir mitigar os efeitos da crise sobre as parcelas mais vulneráveis da população e aumentar a confiança de investidores, o ex-presidente da Câmara acabará por disputar não apenas a proeminência do peronismo com Cristina, mas poderá se tornar a principal alternativa da centroesquerda para a disputa do ano que vem.

Artigo publicado originalmente na Carta Capital

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Comentários

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Paulo

07/08/2022 - 23h29

O Cucaracho veio de barco. Só esqueceu de dizer que era uma canoa indígena, com possível ancestralidade bastarda, de origem bandeirante – a se tomar pelo apelido de família. E paga de “comuna”, o estúpido…

Jonathan

07/08/2022 - 19h12

O Chile elegeu uma especie de Boulos e estào fazendo uma nova constituinte…nao precisa dizer mais nada.

Argentina e Chile sempre foram duas ilhas no deserto da America do Sul.

Bandoleiro

07/08/2022 - 18h44

Marcos,

te parece errado eu nao citei nenhum governo, nem o atual, nem o anterior mas sò os argentinos.

carlos

07/08/2022 - 15h21

É o mesmo grupo de sempre a cambada de sempre a eles o choro é livre kkkklkkkkk.

carlos

07/08/2022 - 15h19

Esses milicianos acham que pode tudo com aventou da Internet, mas não o marco civil da Internet vem aí com paz e transparência para todos.

EdsonLuíz.

07/08/2022 - 13h34

Deste Gilberto Maringoni, já li artigos de que não gostei nada; deste artigo de hoje eu gostei muito!

Este artigo de Gilberto Maringoni esboça perfeitamente os movimentos que os três atores principais deste momento do peronismo estão fazendo para se salvarem e salvarem o caudilhismo peronista do desastre moral e político e do desastre econômico que a versão peronista kirchineirista provocou na Argentina em muitos anos de governo com aplicação dos equívocos de sua visão populista de economia.

Tudo nos erros que levaram ao desastre dos Kirchners — mulher e marido que foram presidentes, Nestor e Cristina — lembram o desastre na economia brasileira iniciado por Lula do segundo mandato e agravado por Dilma. jair bolsonaro, agora, para uso eleitoral adotou parte dessas medidas desastrosas na economia.

Houve, entre os governos desastrosos dos Kirschiner na Argentina, o intervalo da gestão Maurício Macri, um reformador de direita e não peronista, que para tentar consertar o desastre econômico peronista teve que, acertadamente, aplicar na Argentina diversas medidas da ferramenta econômica neoliberal; só que Maurício Macri exagerou na dose de neoliberalismo aplicada e se esqueceu de colocar um pouco de política social em sua técnica neoliberal para atender emergências sociais argentinas que o populismo peronista causou, embora com o peronismo se dizendo defensor dos pobres, e o exagero neoliberal de Maurício Macri acabou por permitir que o peronismo voltasse ao poder, em uma versão mais de centro com Alberto Fernándes, mas Fernândes, para ganhar, teve que aceitar a ex-presidenta Cristina como vice em sua chapa e ela conseguiu reforçar seu poder internamenre ao peronismo e impor ao presidente Fernándes várias das velhas medidas populistas e fundamentalistas kirchneristas, numa repetição de seus desastrosos governos, fazendo agravar o desastre que ela mesma e seu marido Nesteo Kirchner iniciaram.

Os personagens peronistas nesta movimentação na Argentina muito bem descrita por Gilberto Moringoni são:

A ex-presidenta e atual vice-presidenta Cristina Kirschiner, populista caudilhesca com discurso quase de ultra-esquerda em temas argentinos e mundiais em que essa abordagem fundamentalista lhe é eleitoralmente conveniente;

O peronista centrista e atual presidente Alberto Fernandés e;

O anterior candidato a presidente como peronista avulso e até há pouco presidente da Câmara argentina deputado Sérgio Massa, que agora está assumindo este super-ministério (na Argentina, dentro de certas regras, podem se lançar mais de um candidato de um mesmo partido; como o partido peronista, de fato, é um movimento que congrega de gente com discurso de ultra-esquerda até gente de ultra-direita, sempre nas eleições tem mais de um candidato peronista com roupagem diferente. Quando foi candidato a presidente, Sérgio Massa disputou como peronista avulso).

Se petistas e não petistas, desses que defendem o PT ou Lula de seus gravíssimos erros morais, de seus gravíssimos erros técnicos na economia e de seus inumeráveis equívocos, se esses petistas e não petistas estudassem a sério o caudilismo e mais especialmente o peronismo, creio que entenderiam ao menos um pouco o desastre que o lulismo provocou aqui no Brasil para não repetirem o desastre, como os peronistas vêm repetindo na Argentina e agora parece que querem tentar corrigir.

Só um comentário sobre o artigo do Gilberto Maringoni, sendo este meu comentário independente do que escrevi acima, embora relacionado:

Gilberto Moringoni escreveu no artigo acima “…uma regra não escrita da administração pública: governo não toma decisões técnicas; TODAS as suas ações são, por definição, políticas.”.

Sim, Maringoni, todas as ações técnicas do governo são ações políticas; todas as outras ações, não técnicas, também são políticas, igualmente. Portanto, todas as ações de um governo são políticas.

Mas, especificamente, na área de economia as decisões devem ser exclusivamente técnicas, inclusive as ações emergenciais de mitigar consequências sociais de desastres econômicos que crises provocam, enquanto corrige as crises, como as crises da economia provocadas no Brasil por Lula e pelo PT e na Argentina pelos Kirchners e o peronismo. E se forem as decisões de governo na área de economia TODAS decisões técnicas, sem concessões ao populismo, serão todas decisões políticas de boa qualidade.

No Brasil –na Argentina também — caudilhos e assimilados contaminam a técnica econômica com populismos e favores. Esse populismo dá no que deu com os erros de economia do lulismo no Brasil e os do kirchnerismo na Argentina, erros que jair bolsonaro está repetindo no Brasil, e estamos todos, brasileiros e argentinos, pagando um alto preço por causa de Lula, dos Kirchners e de jair bolsonaro!

Edson Luiz Pianca.

Efrem Ventura

07/08/2022 - 10h21

Esse bigodinho é outro que se sai pra rua tem chances de nao voltar vivo pra casa.

dudu

07/08/2022 - 10h18

O atraso mental desses comunistoides latrinoamericanos é assustador.

Bandoleiro

07/08/2022 - 10h16

A Argentina é outro pais que gritou Viva la Revolucion…tà ai o resultado.

Quando as pessoa começam a se envolver com o populismo rasteiro latrino-americano o fim da historia é certo.

O problema é que nao aprendem facil, antes precisam quebrar a cara algumas vezes e por isso ficam decadas atras.

O Brasil escapou por pouco e està tentando se salvar.

    Marcos Luiz Ribeiro de Barros

    07/08/2022 - 15h03

    A parcialidade salta aos olhos: o governo anterior de Maurício Macri fez exatamente o contrário (o que me parece que o comentarista aprovava) e o resultado foi até pior, pois a Argentina faliu e necessitou da ajuda do FMI!


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