As lições de Einstein, o 7 de setembro, e o curto-circuito entre Ipec e Quaest

7 de setembro em Copacabana, 2022. Foto: Ingrid Gerolimich

À medida que o processo político eleitoral se acelera, ganhando um ritmo vertiginoso, a lição de Einstein se torna mais útil.

Não me refiro à frase idiota que Ciro Gomes vem repetindo sobre definição de loucura, de que ela corresponderia a fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Einstein nunca disse tal coisa, e isso jamais definiu a insanidade.

Com um pouco de humor, essa definição poderia ser melhor aplicada ao casamento.

A propósito, usar frases aleatórias de gênios como máximas de política é apenas cretinice, pois se é inegável que Einstein realmente conhecia alguns segredos da física, não se pode inferir disso que ele também entendesse de psicologia.

Reverenciar frases apócrifas é cafona, anticientífico, e soa como bajulação. No caso de Ciro, aliás, a frase, mesmo idiota, poderia ser aplicada a si mesmo, com muito mais propriedade, visto que sua estratégia eleitoral, de igualar Lula e Bolsonaro, tem apenas aumentado sua própria rejeição. E ele insiste nela.

Até mesmo em seu próprio campo de estudo, Einstein podia falar bobagem às vezes, sem que isso o desmereça, pois ele era humano como todos nós.

É muito mais saudável fazer como Niels Bohr, em sua famosa resposta a Einstein. Em carta a um outro cientista, Einstein havia tentado desqualificar os caminhos que seguia a física quântica, sobretudo a partir dos estudos de Heisenberg sobre o princípio da incerteza, dizendo que “Deus não joga dados”.

A carta circulou nos meios científicos, e foi respondida por Bohr com um chiste muito melhor: “Einstein, pare de dizer o que Deus faz!”

A lição de Einstein que considero útil, para entender o processo político, é a teoria da relatividade geral. Não falamos aqui de frases apócrifas, mas de uma teoria já amplamente comprovada cientificamente, e que hoje inclusive é usada na tecnologia de geolocalização por satélite (o famoso GPS).

Segundo a teoria da relatividade, não apenas a força gravitacional cresce, proporcionalmente, à medida que nos aproximamos de um objeto de grande massa, como o próprio tempo se comprime. Ou seja, se você passar alguns dias dando umas voltinhas ao redor do sol, que tem massa mais de 300 mil vezes maior que a Terra, terá uma surpresa desagradável quando voltar para casa, pois reencontrará sua filha alguns meses, talvez anos, mais velha.

O mesmo vale para o 2 de outubro. Conforme nos aproximamos dessa data, o gigantesco poder gravitacional da nossa ansiedade coletiva, ampliado pela enxurrada quase diária de pesquisas eleitorais, faz com que os ponteiros do nosso relógio comecem a enlouquecer.

O tempo está passando mais rápido e isso também é efeito da gravidade psicológica.

Estamos girando com mais velocidade ao redor das eleições. Essa mudança de velocidade explica também o maior grau de instabilidade das pesquisas. O início oficial das campanhas, com a propaganda eleitoral gratuita, a realização de debates e sabatinas na TV, a organização de comícios, presença de cabos eleitorais nas ruas, tudo isso faz o eleitor acelerar o seu processo de decisão, no sentido de confirmar ou mudar suas tendências.

É isso que estamos vendo agora. As placas tectônicas estão se acomodando. Nos últimos dias, vimos algumas tendências um pouco alarmantes, para o campo progressista, ganharem corpo em São Paulo e Rio de Janeiro. Bolsonaro cresceu em ambos os estados (embora, no caso de São Paulo, em apenas uma pesquisa, é importante ressalvar), puxando seus candidatos ao governo e ao Senado.

Mas ainda há diferenças importantes entre as pesquisas, e que só poderão ser esclarecidas com novos levantamentos.

A Quaest em São Paulo divulgada hoje, com entrevistas realizadas entre os dias 2 a 5 de setembro, identifica um pequeno crescimento de Bolsonaro no estado, que passa de 35% para 37%, e uma oscilação negativa de 1 ponto de Lula, de 37% para 36%.

As variações se mantêm dentro da margem de erro. E Lula se mantém estável desde julho.

Na espontânea, Lula oscilou um ponto para cima e tem 28%, contra 31% de Bolsonaro. Não é nada preocupante, porque é um cenário de estabilidade, e será preciso aguardar novos levantamentos para confirmar ou não alguma tendência.

De qualquer forma, temos aqui um problema de contradição estatística.

A Ipec fez entrevistas em São Paulo na mesma data, entre os dias 3 a 5 de setembro (na verdade, é até ligeiramente mais recente, porque se inicia no dia 3, enquanto a Quaest começou a entrevistar no dia 2), e apresentou números muito diferentes.

Segundo a Ipec, Lula cresceu 4 pontos e chegou a 44% dos votos totais em São Paulo, ao passo que Bolsonaro perdeu 3 pontos e foi para 28%.

Ambas são pesquisas presenciais, conduzidas por institutos tradicionais e respeitados. A Quaest entrevistou 2 mil pessoas e custou R$ 131.100,00, pagos pelo banco Genial. A Ipec fez 1.504 entrevistas e custou R$ 117.059,64, pagos pela TV Globo. A margem de erro é igual nos dois casos, 2%.

Qual está correta? Teremos que aguardar novos levantamentos para saber.

Há também uma pesquisa Ipec no Rio de Janeiro que merece ser examinada. Ela fez 1.504 entrevistas entre os dias 3 a 6 de setembro, e mostra variações ligeiramente acima da margem de erro. Lula caiu de 45% para 42%, enquanto Bolsonaro subiu de 41% para 44%.

Outra pesquisa importante, igualmente realizada entre os dias 3 a 5 de setembro, mostra Lula com 46% dos votos totais em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país, um ponto acima da sondagem feita na semana anterior. Bolsonaro, por sua vez, se manteve estável em 30%.

Será prudente fazer previsões um pouco mais ousadas apenas a partir do Datafolha nacional, a ser divulgado nesta sexta-feira à noite. Aí sim poderemos ter uma ideia melhor sobre a tendência geral de mudança ou estabilidade dos principais candidatos.

O Datafolha vai pegar ainda o impacto das manifestações bolsonaristas do 7 de setembro, igualmente nos dando uma base mais científica para julgar se eles foram úteis ou não para Bolsonaro angariar novos eleitores.

Podemos, no entanto, arriscar algumas análises que independem das eventuais oscilações a serem exibidas nas próximas pesquisas.

Esse 7 de setembro foi o último tiro do bolsonarismo antes do primeiro turno. Havendo um segundo turno, Bolsonaro certamente organizará outras manifestações. Até o dia 2 de outubro, porém, não devem ocorrer outras, ou pelo menos nenhuma relevante, porque agora está claro que o bolsonarismo preza muito a organização de seus eventos.

Eles são realizados sempre em dias de feriado, e são planejados com meses de antecedência. No caso do 7 de setembro, Bolsonaro foi extremamente oportunista, e parasitou uma efeméride importante, o aniversário de duzentos anos da nossa independência, para usá-la como palanque eleitoral.

Nem em Brasília, nem no Rio, o presidente fez qualquer referência aos duzentos anos da nossa independência. Ao lado do empresário Luciano Hang, o Véio da Havan, e com a presença de uma única autoridade importante, um constrangido e desavisado presidente de Portugal, Bolsonaro puxou para si mesmo o coro de “imbroxável”.

A repercussão na imprensa e nas redes sociais foi muito negativa, e me surpreenderia se essas manifestações resultem em conquista de novos eleitores. Muitos analistas afirmam que o objetivo principal de Bolsonaro não era exatamente esse, e sim em manter sua base mobilizada, e que essa meta teria sido cumprida.

Tendo a concordar.

Bolsonaro conseguiu o que queria. No Rio de Janeiro, reuniu 62 mil pessoas, segundo uma contagem bastante precisa de alguns cientistas que usaram tecnologia de inteligência artificial para examinar as fotos aéreas. É uma grande manifestação, que prova o vigor da extrema direita brasileira. Mas tudo isso está na conta do que Bolsonaro já tem nas pesquisas eleitorais, especialmente no Rio de Janeiro, com ênfase em Copacabana, o qual, pese ser um bairro politicamente muito diverso, com presença de muitos eleitores de Lula, é um lugar onde a direita sempre teve bastante apoio.

Segundo o TSE, Bolsonaro recebeu 49 mil votos na 5a Zona Eleitoral, em Copacabana, no segundo turno de 2018, ou 61% do total, contra 30,8 mil votos para Haddad (39% do total). Na 17a Zona Eleitoral, que engloba Jardim Botânico e Ipanema, Bolsonaro recebeu mais 48 mil votos no segundo turno de 2018, ou 62% do total. Ou seja, somando eleitores de Bolsonaro apenas nessas duas zonas eleitorais, temos quase 100 mil eleitores, a maioria de classe média, e o bastante para encher a Avenida Atlântica num dia de feriado.

O bolsonarismo tornou-se um movimento de grandes proporções, e seguramente já é um dos fenômenos de extrema-direita mais relevantes no mundo. Entretanto, é essa mesma força que também produz uma grande convergência progressista no país, empurrando todo mundo que não gosta de Bolsonaro para o mesmo lado.

Por essa mesma lógica, as manifestações do 7 de setembro podem ter aumentando a rejeição de Bolsonaro, abrindo mais flancos para que a oposição o derrote em outubro. A ver como vem o Datafolha.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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