Em sessão, desembargador insinua que magistrado com filho autista não deveria prestar concurso

Imagem: YouTube/Reprodução

Uma fala feita pelo desembargador Raimundo Bogea nesta quarta-feira (17), durante uma sessão realizada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Maranhão, causou revolta. Os magistrados analisavam o pedido de Home office feito por um juiz para cuidar do filho diagnosticado com autismo, quando Bogea insinuou que juiz com filho autista não deveria prestar concurso. 

O desembargador, que se posicionou contra o pedido, sugeriu que durante um concurso fosse avaliado se o candidato possui algum filho com deficiência. “Eu acho até que nesse concurso já se devia avaliar se o juiz, quando faz o concurso, tem um filho com problema”, comentou o magistrado.

VEJA O VÍDEO:

Reprodução/Metrópoles

Após a fala do desembargador, um grupo de magistrados de tribunais judiciários do país divulgou uma nota de repúdio ao comentário. 

“Para além de discriminador, o conteúdo das declarações revela uma violação a direitos humanos, iguais e inalienáveis(…)Cabe esclarecer que deficiência não é doença e, muito menos, um ‘problema’, mas sim uma característica” destacou o início da nota.

Os magistrados também pontuaram que o teletrabalho exercido por pessoas com cônjuge ou filhos com deficiência não é um privilégio, e sim um direito. “o regime especial de teletrabalho, exercido por pessoas que possuem filhos e/ou cônjuge e/ou dependente com deficiência, não se trata de um privilégio, mas de um direito de qualquer trabalhador que se encontre nestas condições(…) conforme assegurado pelo artigo 17 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, subscrita e ratificada pela República federativa do Brasil através do Decreto 6.949/2009″. Veja a íntegra ao final da matéria.

BOGEA DIZ QUE A FALA FOI TIRADA DE CONTEXTO

Mesmo pedindo desculpas, o desembargador disse que a fala foi retirada do contexto original. Segundo o magistrado, ele sugeriu a criação de mecanismos para que futuros juízes nesta situação sejam alocados em grandes centros urbanos. Bogea ainda afirmou que “não compactuo e jamais irei compactar com práticas discriminatórias”.

“O trecho destacado do meu voto, infelizmente, foi tirado de contexto. Não retratando, assim, a minha compreensão sobre o tema, como, aliás, o revela o meu histórico na concretização de direitos humanos e, especialmente, do direito à saúde. Em momento algum pretendi ou sugeri impedir a participação em concurso e/ou admissão de candidatos com filhos e/ou cônjuges deficientes ou com necessidades especiais, mas criar mecanismos para permitir ao tribunal efetuar lotações de futuros magistrados, nessa situação, em comarcas próximas a grandes centros urbanos. Minimizando, dessa forma, a necessidade de teletrabalho e garantindo ao usuário do serviço público jurisdicional, a presença do juiz em sua comarca, conforme estabelecido na Lei Orgânica da Magistratura Nacional”, afirmou.

“Por fim, nada obstante o presente esclarecimento, peço desculpas às colegas e aos colegas da magistratura, e à sociedade em geral, que, eventualmente, tenham se sentido ofendidos pela minha manifestação”, finalizou a nota.

ÍNTEGRA DA NOTA DE MAGISTRADOS

Nós, magistrados e magistradas brasileiros, pais de filhos com ou sem deficiência, sem prejuízo das demais providências cabíveis, vimos a público repudiar as declarações prestadas pelo Exmo. Sr. Desembargador Raimundo Bogea, durante sessão realizada pelo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Maranhão, no dia 17/05/2023, ao proferir voto no julgamento de teletrabalho de magistrado local, em virtude deste último possuir filho com deficiência, sobretudo, ao afirmar “eu acho até que nesse concurso já se devia avaliar se o juiz quando faz o concurso ele já tem um filho com problema”.

Para além de discriminador, o conteúdo das declarações revela uma violação a direitos humanos, iguais e inalienáveis.

Cabe esclarecer que deficiência não é doença e, muito menos, um “problema”, mas sim uma característica.

Ademais, ter um filho com deficiência não é e nunca poderá ser causa que impeça a participação e/ou admissão de um indivíduo em qualquer cargo ou função, seja de natureza pública ou privada.

Ainda, o regime especial de teletrabalho, exercido por pessoas que possuem filhos e/ou cônjuge e/ou dependente com deficiência, não se trata de um privilégio, mas de um direito de qualquer trabalhador que se encontre nestas condições, visando o bem estar, principalmente, emocional, da pessoa com deficiente, conforme assegurado pelo artigo 17 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, subscrita e ratificada pela República federativa do Brasil através do Decreto 6.949/2009, a qual, por força da cláusula de abertura material prevista no parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição Federal e, por esta razão, possui status constitucional.

Não se trata de um direito a ser reconhecido em virtude da condição econômica e/ou social do trabalhador público ou privado, mas em razão das necessidades diferenciadas da pessoa com deficiência que esta sob a sua guarda e, por isso, demanda a sua presença, tanto que já regulamentado pelo Conselho da Justiça Federal e por muitos Tribunais de Justiça.

Por fim, o exercício do múnus público através de teletrabalho, quando realizado de forma responsável e comprometida não desonra o exercício da magistratura e, muito menos, o uso da toga. Ao contrário, a produtividade dos magistrados não diminuiu por conta do teletrabalho daqueles que necessitam dar mais assistência aos seus dependentes com deficiência.

Aliás, muitos magistrados, mesmo sofrendo com as agruras das circunstâncias decorrentes de alguns tipos de deficiência, são tão ou MAIS produtivos do que outros que não necessitam de regime excepcional. Basta que sejam verificados os índices de produtividade, logicamente, respeitando-se as proporções e níveis de trabalho em cada instância ou esfera jurisdicional.

Rio de Janeiro, 18 de maio de 2023.

Desembargadora Regina Lucia Passos (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)

Juíza Federal Claudia Valéria Bastos Fernandes (Justiça Federal do Rio de Janeiro)

Juiz Rodrigo Rocha de Jesus (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro)

Juiz Rafael Rodrigues Carneiro TJRJ

Luciana Fiala de Siqueira Carvalho
Juíza de Direito do TJRJ

Juíza Érika Bastos de Oliveira Carneiro – TJRJ

Macario R J Neto – TRF2

Larissa Camargo -TJRO”.

Raphael Lacerda: Raphael Lacerda é estudante de jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Atualmente, escreve sobre esportes, política e participa da cobertura do carnaval carioca.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.