Lula, Maduro e a exemplar democracia ocidental

Lula e Maduro. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

É um tanto quanto inacreditável, mas tivemos por esses dias mais uma rodada de debates sobre a conveniência de Lula manter relações amistosas com Nicolás Maduro. Do ponto de vista das relações exteriores estamos falando, na verdade, da relação entre Brasil e Venezuela, e a única resposta possível sobre a conveniência de termos uma boa convivência com este país vizinho é um curto e sonoro ‘sim, devemos’.

Especialmente porque os motivos aventados para que o Brasil rompa com a Venezuela são, nos melhores casos, ingênuos, e nos piores, subserviência pura e simples à narrativa dos EUA e Europa.

Em resumo, Maduro seria um ditador e a Venezuela não seria um país democrático. Logo, rompamos relações.

O modelo supremo de democracia é, por óbvio, o dos Estados Unidos. Lá só dois partidos podem, de fato, ganhar eleições, os dois umbilicalmente ligados ao poderoso establishment financeiro americano. Além disso, o candidato a presidente mais votado pode acabar o pleito derrotado, já que a eleição é indireta. Confesse, leitora, você também se emociona cada vez que lembra de tamanho grau de profundidade democrática.

Mas os americanos não se contentam em explorar as fronteiras democráticas apenas dentro do seu território. Com uma chuva de bombas, invasões e patrocínios a golpes de Estado, os EUA gloriosamente levam sua peculiar democracia a todos os cantos do globo. Se precisar bombardear um palácio governamental com o presidente eleito dentro, como fizeram com Salvador Allende no Chile, que seja. A democracia precisa prevalecer – mesmo que seja contra a vontade desses povos ignorantes terceiromundistas.

Um retrato bastante nítido do que realmente é a tal democracia ocidental está no livro O Brasil Não Cabe no Quintal de Ninguém, do economista Paulo Nogueira Batista Jr., que foi um dos diretores do FMI durante os governos Lula (I e II) e Dilma. O relato de quem lidou diretamente com os americanos e europeus durante 8 anos não deixa dúvidas: eles não são tão democráticos como querem fazer crer.

Os acordos firmados entre os presidentes dos países do G20 e os regulamentos do próprio FMI viravam pó diante da sanha dos americanos e europeus – especialmente estes últimos, segundo Nogueira – de manter intocados seus privilégios dentro da instituição. O peso de cada país nas votações do FMI não condiz com o peso atual de cada economia, mas isso é sistematicamente ignorado.

As regras e acordos avalizados pelos próprios países desenvolvidos podem ser rasgados a qualquer momento, caso seja necessário para evitar alguma perda de poder dos EUA e Europa. No momento em que escrevo essa frase cai mais uma lágrima de emoção, diante de tamanho ardor democrático.

Poderíamos continuar listando exemplos do fragoroso déficit democrático ocidental, mas o texto ficaria demasiado longo.

Agora vamos falar sério: a real é que um país só será importunado com acusações sobre falta de democracia se bater de frente com o Império. Se não bater, você pode até ser uma ditadura de fato (alô Arábia Saudita) que está tudo certo.

O duro é existirem em países em desenvolvimento (como o nosso) tantos propagadores da narrativa alucinada e calhorda dos países hegemônicos. Com o tanto de informação que temos disponível hoje, ingenuidade não é.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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