Argentina: Câmara aprova plano de Milei; decisão final é no Senado

Protestos e panelaços diante do congresso. Retrato da nova Argentina. Foto: Télam

A remendada Lei de Bases foi aprovada esta semana pela Câmara dos Deputados da Argentina, após mais de 24 horas de debates e votações. O governo teve que deixar inúmeras reformas pelo caminho, e o texto passou dos mais de 600 artigos da “lei omnibus” original para apenas 232.

A lei inclui grandes benefícios para o poder econômico, buscando refundar o país em favor dos poderosos com ajuste fiscal, privatizações, reforma trabalhista e previdenciária entre outros itens predatórios.

 Por Bruno Falci, de Buenos Aires, para o Portal O Cafezinho

Centenas de manifestantes ocuparam mais uma vez a Praça do Congresso, diante de forte aparato policial intimidatório, enquanto deputados debatiam a nova Lei de Bases e a reforma tributária. Ao mesmo tempo, o governo nacional tenta aplicar o protocolo anti-piquetes, com a Polícia Federal impedindo que os manifestantes se afastassem da Praça do Congresso indo para a rua.

O combate ainda não terminou. No dia 1º de maio, diversos partidos e sindicatos participarão do ato nas ruas de Buenos Aires, junto com setores do sindicalismo combativo, assembleias de bairro e movimentos estudantis. Uma segunda greve geral esta marcada para o dia 09/05.

Batalha final vai ser no Senado

A votação foi com 142 votos a favor, 106 contra  5 abstenções, após mais de 20 horas de sessão. O governo teve que deixar inúmeras reformas no caminho, e o texto passou dos mais de 600 artigos da “lei omnibus” original para apenas 232.

Apesar dessa redução, abre-se o caminho para o sucateamento do Estado, perda de direitos históricos dados da classe trabalhadora e aumento descontrolado do recesso e do desemprego. O destino da Argentina terá que ser decidido no Senado.

Foi uma jornada intensa com mobilização de setores da Confederação Geral do Trabalho (CGT), da Central de Trabalhadores Argentinos (CTA) e dos partidos peronistas e de esquerda na rejeição ao tratamento do pacote de leis. Terminada a votação particular, será obtida a meia sanção, que depois deverá ir ao Senado para se tornar lei e onde a presença da oposição peronista é muito forte.

Depois de aprová-la no geral, o governo e a oposição colaboracionista votaram todos os capítulos de uma contrarreforma que ataca os direitos históricos dos trabalhadores; recompensa aos empregadores que tenham trabalho não registrado; demissões mais fáceis, mais baratos e mais discriminatórios; mais exploração no campo; mais período experimental e a figura dos “colaboradores”. A esquerda lutou na Câmara dos Deputados e nas ruas.

Rumo à precarização

Um dos capítulos mais polêmicos da lei se refere à aprovação da denominada

Delegação de Poderes. Permitirá a Milei governar por decreto em questões administrativas, econômicas, financeiras e energéticas. Está sendo questionada loco por ser considerada inconstitucional. Vista como uma emenda à democracia, cabe agora ao Senado decidir sobre sua validade.

Foi aprovada a Reorganização Administrativa da reforma do Estado. Ela permitirá que Milei modifique ou dissolva organizações públicas a seu gosto, por exemplo a Agência Nacional de Deficiência.

Foram aprovadas privatizações de empresas públicas O capítulo inclui um pacote de empresas públicas sujeitas à privatização total (4), a concessões (5) e que devem manter a maioria estatal (2).

Aprovado o capítulo do Emprego Público. Implica um ataque aos trabalhadores estatais, perda de estabilidade no emprego, entre outras questões.

O capítulo dedicado aos Contratos e Concessões (obras públicas) confere ao poder executivo maior liberdade para alterar contratos de obras públicas.

Há ainda a Lavagem trabalhista com benefícios fiscais para empregadores que não tenham seus trabalhadores registrados

O capítulo referente à Reforma Trabalhista aprovado visa revogar as indenizações agravadas para trabalhadores não registrados.

Aumentar o período probatório (de 3 meses para 6 e até 12 meses), legalizar a terceirização trabalhista, possibilitar demissões discriminatórias.

Fundo de rescisão, para demissões “mais fáceis e baratas”.

“Colaboradores”: empresas com até 5 trabalhadores podem perder direitos e se tornarem “colaboradores” e monotributistas (sem férias nem bônus ou licenças).

Maior precariedade do trabalho agrícola.

Várias derrogações, incluindo a obtenção de dupla indemnização caso não o tenham inscrito, além de precariedade para trabalhadores em residências particulares.

Não que se trate de Energia, foi aprovada a liberalização total das exportações e importações em termos de hidrocarbonetos. As empresas podem exportar sem garantir o abastecimento interno. É um grande negócio para grandes conglomerados.

Entrega de poderes especiais ao Governo para a regulação da actividade energética. O Estado está impedido de intervir na fixação dos preços de qualquer um dos segmentos da cadeia dos hidrocarbonetos.

Por fim, entra em vigor o Regime de Incentivos aos Grandes Investimentos (RIGI), que concede enormes benefícios fiscais aos grandes investimentos. Um benefício directo para as grandes multinacionais e grupos capitalistas transnacionais e dar-lhes disponibilidade gratuita de dólares até 2038. Os sectores mineiro, petrolífero e da economia do conhecimento são especialmente beneficiados. aprofundar o extrativismo e a depredação de territórios com mineração a céu aberto e de lítio através do saque de multinacionais.

“Opositores que não se opõem”

Em alguns meios de comunicação ressoaram vozes de todo tipo, especialmente aquelas que denunciavam o plano geral de Javier Milei e seus comparsas contra a classe trabalhadora e os setores populares.

Uma dessas vozes foi a de Juan Grabois, líder do Pátria Grande (da coalizão peronista União Pela Pátria – UxP) e do Sindicato dos Trabalhadores da Economia Popular (UTEP). Convidado para o programa “Aconteça o que acontecer” da Rádio Con Vos, Grabois disse sobre a aprovação da Lei de Bases:

“É um dia muito triste. Se você ler a lei, artigo por artigo, não há um  a favor do país, a favor do povo”. E, nesse sentido, questionou os setores não governamentais, “opositores que não se opõem”, que votaram a favor, reconhecendo que esperava que tal não acontecesse.

O dirigente afirmou:

“É muito difícil conseguir vitórias neste contexto. Muito difícil. Isso significa que não devemos lutar? Não, temos que lutar e acredito que os movimentos sociais, o movimento sindical, o movimento estudantil estão lutando e, no longo prazo (…ou no curto prazo), a situação vai virar.”

Bruno Falci:
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