Comparações rasas entre Brasil e Venezuela ignoram dados, contextos e realidades que se afastam mais do que se aproximam
Participei, dias atrás, de uma live noturna no canal Fórum TV. Aquela coisa: fim de noite… achei que polemizar seria um bom caminho. Fácil! Mas não foi bem assim. Comecei com uns tropeços, a fala não fluía. Resolvi arriscar e lancei: “Afinal, Brasil e Venezuela nem são tão diferentes assim” (ih, me compliquei — agora preciso sustentar essa). Argumentei que ambos pertencem à América do Sul (Kotter, tá acordado?), que também dependem de commodities (ufa, melhorou), e já começava a achar que me safaria (sozinho, cavando a própria cova?) quando veio o petardo de Miguel do Rosário:
– Há um tipo de simplificação perversa – e cada vez mais comum – que insiste em equiparar o Brasil à Venezuela, como se estivéssemos à beira de um colapso similar. Trata-se de uma retórica que não resiste ao mais breve contato com os fatos, mas que, repetida à exaustão, acaba gerando uma sombra de pânico artificial, útil apenas a quem lucra com o medo.
A Venezuela atravessou – e ainda atravessa – uma crise profunda. Com um mercado interno reduzido, economia fragilizada, sem classe média relevante e excessivamente dependente do petróleo, viu sua soberania econômica se esfarelar diante de sanções internacionais, do colapso produtivo e do isolamento diplomático. A monocultura energética virou armadilha: o petróleo, outrora sustento, passou a não sustentar mais nada.
O Brasil tem outro enredo. Sim, também depende da exportação de commodities – mas não de uma só. Somos um dos poucos países com um portfólio diversificado de produtos primários em larga escala: petróleo, minério de ferro, soja, milho, algodão, carne, aço, celulose, entre outros. São ao menos 15 frentes consolidadas. Em termos de diversidade e amplitude, trata-se de outro universo.
É verdade que a indústria nacional perdeu peso nas últimas décadas – caiu de cerca de 30% do PIB nos anos 1980 para 11% hoje. Mas esse número, isoladamente, ilude: o PIB mais do que triplicou no período, e a redução relativa da indústria decorre, em parte, do crescimento de outros setores. Além disso, a agroindústria brasileira atual é altamente tecnificada – com fábricas de processamento, logística integrada, biotecnologia, agricultura de precisão. Quem ainda nos imagina presos a um modelo agroexportador do século XIX desconhece o campo brasileiro do século XXI.
Outro ponto central é nossa presença internacional. O Brasil lidera ou participa ativamente de fóruns como G20, BRICS e COP30. Dialoga com potências do Ocidente e do Oriente. A Venezuela, em contraste, se isolou. Nosso soft power – embora muitas vezes subestimado – é real. O Brasil não exporta apenas commodities: exporta cultura, democracia, ciência e diplomacia.
Isso não significa que nossos problemas sejam pequenos. Seguimos como um país desigual, com infraestrutura precária, elites extrativistas e uma classe política, por vezes, irresponsável. Mas nossos fundamentos econômicos e diplomáticos são robustos. E nos oferecem espaço para construir alternativas.
A Venezuela ensaia agora um retorno ao crescimento, puxado por novos investimentos chineses. É um dado relevante. Mas esse crescimento parte de um abismo.
Está mais do que na hora de abandonarmos caricaturas. O Brasil não é a Venezuela. E é bom que continue sendo outra coisa: um país contraditório, sim – mas com potência concreta. Basta saber o que fazer com ela.
Ainda meio zonzo com a aula inesperada, resolvi degravar a fala de Miguel. Tomara que eu não a esqueça. E ainda bem que ele está absolutamente certo, que as coisas são realmente como ele diz.
Perdão por qualquer coisa.


Ugo
28/07/2025 - 18h42
Brazuela.