A autorização chinesa para o sorgo brasileiro desafia décadas de monopólio dos EUA e abre espaço para maior autonomia comercial do Brasil
Em um mundo ainda marcado por hierarquias econômicas impostas pelo Ocidente, especialmente pelos Estados Unidos, cada passo rumo à autonomia comercial entre países do Sul Global é um ato de resistência. A recente autorização da China para importar sorgo diretamente do Brasil não é, como a imprensa hegemônica tenta reduzir, apenas uma “mudança de fornecedor”. É um marco geopolítico — um sinal claro de que as nações do Sul estão, finalmente, rompendo com décadas de subordinação econômica e construindo relações baseadas em soberania, respeito mútuo e interesse comum.
A decisão chinesa de abrir seu mercado ao sorgo brasileiro chega em um momento crítico: enquanto os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, insistem em políticas protecionistas e agressivas que sufocam o comércio justo, a China e o Brasil avançam em uma parceria estratégica que desafia o monopólio agrícola norte-americano. Os números são eloquentes: as exportações de sorgo dos EUA para a China caíram 97% em relação ao ano anterior, caindo para meras 82 mil toneladas até julho de 2025. Essa queda vertiginosa não é acidental. É o resultado direto de uma política externa norte-americana que confunde poder com direito de impor sua vontade sobre os demais.
Enquanto Washington insiste em usar tarifas, sanções e ameaças como instrumentos de dominação, Pequim e Brasília escolhem o caminho da cooperação. A autorização para a importação do sorgo brasileiro foi precedida por uma visita técnica de uma delegação chinesa ao Brasil em agosto — um gesto de transparência, diálogo e reconhecimento mútuo. Longe das imposições unilaterais típicas da política comercial estadunidense, essa nova rota comercial foi construída com base em critérios técnicos, sanitários e, acima de tudo, diplomáticos. Não se trata de substituir um imperialismo por outro, mas de criar alternativas reais a um sistema que historicamente marginalizou os países em desenvolvimento.
O Brasil, por sua vez, demonstra maturidade estratégica ao não se submeter ao jogo de alinhamento automático com os interesses norte-americanos. Ao contrário de governos anteriores que transformaram o país em quintal ideológico e econômico de Washington, a atual administração — ainda que com limitações — entende que a soberania alimentar e comercial passa pela diversificação de parceiros e pela valorização de nossas próprias capacidades produtivas. A produção de sorgo no Brasil dobrou nos últimos anos, atingindo 4,4 milhões de toneladas na safra 2023/24. Esse crescimento não é apenas agrícola; é político. É a prova de que, quando o Estado investe em ciência, tecnologia e infraestrutura logística com foco no interesse nacional — e não no lucro de corporações estrangeiras —, o campo brasileiro floresce.
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É simbólico que essa nova etapa nas relações Brasil-China tenha sido selada durante a visita de Estado do presidente Xi Jinping a Brasília em novembro de 2024. Naquele momento, ficou claro que as duas maiores economias emergentes do mundo não estavam dispostas a aceitar passivamente as regras ditadas por Washington. Agora, com o sorgo entrando nesse leque de commodities estratégicas, o Brasil não apenas amplia seu acesso a um mercado de 1,4 bilhão de consumidores, mas também fortalece sua posição como ator independente no tabuleiro global.
É compreensível, portanto, a frustração do setor agrícola norte-americano. Craig Meeker, ex-presidente do National Sorghum Producers, lamenta a perda de um “relacionamento de confiança” com a China. Mas que confiança é essa, senão a ilusão de um monopólio sustentado por décadas de assimetria de poder? A China tem todo o direito — e o dever, diante de seus cidadãos — de buscar fornecedores diversos, seguros e confiáveis. E o Brasil, por sua vez, tem o direito inalienável de vender seus produtos a quem quiser, sem precisar pedir permissão a Washington.
Aqui reside o cerne da questão: o que incomoda os EUA não é a concorrência justa, mas a perda do controle. Enquanto o agronegócio brasileiro avança com sustentabilidade (relativa, é verdade, mas com potencial de melhoria), inovação e respeito às normas fitossanitárias internacionais, o modelo norte-americano se mostra cada vez mais dependente de subsídios estatais, lobby corporativo e coerção geopolítica. O sorgo brasileiro não está “roubando” mercado — está simplesmente oferecendo uma alternativa mais equilibrada, menos submissa e mais alinhada com os princípios do multilateralismo.
Além disso, é fundamental destacar que essa parceria vai além do comércio de grãos. Ela representa uma visão de mundo alternativa: uma em que o Sul Global não é mero fornecedor de matérias-primas, mas coautor das regras do comércio internacional. Uma em que o Brasil não precisa escolher entre “China ou EUA”, mas pode — e deve — construir sua própria trajetória soberana, aliando-se a quem respeita sua autonomia.
Claro, há desafios. O Brasil ainda responde por menos de 1% do mercado internacional de sorgo. A infraestrutura logística precisa ser ampliada. A sustentabilidade ambiental do agronegócio exige vigilância constante. Mas esses são desafios internos, que devem ser enfrentados com políticas públicas progressistas, não com submissão externa.
Enquanto isso, os Estados Unidos seguem presos a uma lógica de confronto, onde todo avanço de um país não alinhado é visto como ameaça. Essa visão não só é obsoleta, como perigosa. Num mundo que clama por cooperação frente às crises climáticas, alimentares e energéticas, insistir em uma geopolítica de zero soma é um luxo que a humanidade não pode mais se dar.
A autorização chinesa para importar sorgo do Brasil é, portanto, muito mais do que uma notícia de mercado. É um símbolo de resistência. Um passo firme rumo a um comércio global mais justo, diverso e soberano. E, acima de tudo, é um lembrete de que o futuro não será escrito apenas em Washington — mas também em Pequim, Brasília, Pretória, Jacarta e tantas outras capitais que ousam sonhar com um mundo multipolar, onde o direito à autodeterminação não é privilégio de poucos, mas direito de todos.


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