Paquistão assume papel estratégico, fortalecendo defesa conjunta e protegendo países muçulmanos frente a ameaças externas
Na noite de quarta-feira, 25 de setembro de 2025, enquanto o mundo ocidental distraía-se com eleições internas e guerras por procuração, dois países do Sul Global escreveram um novo capítulo na história da soberania coletiva: Arábia Saudita e Paquistão selaram um pacto de defesa mútua que vai muito além de uma simples aliança militar. Trata-se de um ato de afirmação estratégica, um grito silencioso de independência frente à falência moral e prática da segurança imperial norte-americana no Oriente Médio.
Esse acordo — que estabelece que “qualquer agressão contra um será considerada agressão contra ambos” — não nasce do vácuo. Nasce da dor, da desilusão e da necessidade urgente de construir arquiteturas de segurança que não dependam de Washington, cuja promessa de proteção sempre veio acompanhada de bases militares, ditaduras apoiadas, recursos saqueados e guerras intermináveis. Hoje, as monarquias do Golfo, outrora vistas como subordinadas incondicionais aos EUA, começam a trilhar um caminho distinto: o da cooperação Sul-Sul, da solidariedade islâmica e, acima de tudo, da autodeterminação.
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O colapso da promessa americana
Durante décadas, os Estados Unidos se apresentaram como o “xerife do Golfo”, garantindo a segurança das petromonarquias em troca de acesso irrestrito ao petróleo, ao espaço aéreo e à submissão política. Mas essa “proteção” revelou-se uma ilusão perigosa. Quando Israel, aliado incondicional de Washington, bombardeou Doha — capital do Catar — em 9 de setembro, atingindo civis e alvos diplomáticos sob o pretexto de combater o Hamas, nenhum porta-aviões americano interveio. Nenhuma condenação firme foi emitida. Apenas silêncio cúmplice.
Esse ataque, o segundo contra o Catar em menos de um ano — o primeiro vindo do Irã — expôs a brutal verdade: a segurança do Oriente Médio não pode mais ser delegada a potências externas cujos interesses raramente coincidem com os dos povos da região. Os EUA, há muito tempo, escolheram lado: o de Israel, o da guerra, o do controle. E, ao fazê-lo, perderam a legitimidade para se apresentar como árbitros da paz.
É nesse vácuo de confiança que surge o pacto saudita-paquistanês. Não como uma aliança ofensiva, mas como um escudo defensivo erguido por nações que decidiram que sua segurança não será mais negociada em salas fechadas em Washington ou Tel Aviv.
O Paquistão: um pilar da soberania muçulmana
O Paquistão, único país muçulmano com arsenal nuclear, assume aqui um papel histórico. Seu exército — o maior do mundo islâmico — já mantém entre 1.500 e 2.000 militares em território saudita, prestando apoio técnico, logístico e operacional há décadas. Agora, essa cooperação é formalizada em um tratado que consolida uma parceria baseada não apenas em interesses estratégicos, mas em laços civilizacionais, religiosos e de solidariedade entre povos que sofreram, cada um à sua maneira, com as intervenções ocidentais.
É crucial destacar: o Paquistão insiste que seu arsenal nuclear serve exclusivamente como dissuasão contra a Índia, com quem mantém uma rivalidade histórica. Não há intenção de exportar ameaças nucleares. Ao contrário, o que se vê é uma tentativa de equilíbrio — uma forma de garantir que, num mundo onde Israel detém centenas de ogivas nucleares sem jamais ter assinado o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), os países muçulmanos não fiquem indefesos diante de uma potência nuclear não declarada que age com impunidade.
A ideia de um “guarda-chuva nuclear” saudita, embora não confirmada oficialmente, paira como uma possibilidade estratégica. E por que não deveria? Se Israel pode manter armas atômicas em segredo, com o apoio tácito dos EUA, por que os países árabes não podem buscar garantias de dissuasão com aliados confiáveis? A hipocrisia ocidental, que condena qualquer movimento de autonomia estratégica no Sul Global enquanto protege seu próprio arsenal nuclear e o de seus aliados, é o verdadeiro perigo à estabilidade global.
Soberania econômica e interdependência justa
Este pacto não é apenas militar. É também econômico. A Arábia Saudita, em um gesto de solidariedade rara no capitalismo global, estendeu ao Paquistão um empréstimo de US$ 3 bilhões para fortalecer suas reservas cambiais — um alívio crucial para um país que enfrenta crise financeira crônica, agravada por décadas de políticas neoliberais impostas pelo FMI, braço financeiro do establishment ocidental.
Essa interdependência — onde riqueza petrolífera encontra força humana e militar — representa um modelo alternativo ao imperialismo econômico. Não é uma relação de dominação, mas de complementaridade. Enquanto o Ocidente impõe sanções, condicionalidades e dívidas eternas, o Golfo e o Sul da Ásia constroem pontes de cooperação mútua, baseadas no respeito recíproco.
Um novo equilíbrio multipolar
É claro que o acordo gera tensões. A Índia, também nuclear, reagiu com cautela, avaliando suas implicações. Mas Nova Déli sabe que não pode exigir exclusividade estratégica em uma região que busca, justamente, escapar da lógica de blocos unilaterais. A Arábia Saudita, aliás, foi clara: mantém relações “mais sólidas do que nunca” com a Índia e busca “contribuir para a paz regional”. Isso demonstra maturidade diplomática — não se trata de escolher lados, mas de construir redes de segurança plurais.
O que vemos, portanto, é o nascimento de uma nova ordem regional: menos dependente de Washington, mais conectada entre si, e profundamente consciente de que a paz só virá quando os povos do Oriente Médio e do Sul da Ásia puderem decidir seu próprio destino — sem ditames externos, sem bases militares estrangeiras, sem chantagens diplomáticas.
Conclusão: a paz não vem de cima, vem de dentro
A esquerda humanitária global deve celebrar esse movimento — não por endossar regimes, mas por defender o princípio universal da soberania. A autodeterminação dos povos não é privilégio dos ricos ou dos poderosos; é direito de todos, especialmente daqueles historicamente subjugados pelo colonialismo e pelo imperialismo.
O pacto entre Arábia Saudita e Paquistão é um sinal de que o Oriente Médio está cansado de ser palco de guerras alheias. Está cansado de ver suas cidades bombardeadas enquanto o Ocidente negocia acordos de armas. Está cansado de depender de potências que falam em “democracia” enquanto armar Israel até os dentes.
A verdadeira segurança não vem de mísseis americanos, mas de alianças construídas com dignidade, reciprocidade e respeito. E se esse novo eixo saudita-paquistanês ajudar a conter a escalada militar, a proteger civis e a abrir caminho para uma paz negociada — longe da lógica de dominação —, então será um passo não apenas para a região, mas para toda a humanidade.
Porque, no fim das contas, um mundo multipolar não é uma ameaça à paz. É a única esperança real de que a paz seja justa, duradoura e feita por quem nela vive — não por quem lucra com sua ausência.


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