A carta americana que lamenta mortes no Alemão revela um gesto diplomático com cheiro de interferência e cálculo político
A recente carta do governo dos Estados Unidos, lamentando as mortes de policiais em operação no Rio de Janeiro e oferecendo “apoio na guerra ao tráfico”, não é apenas um gesto diplomático de condolências. É um movimento político calculado — e, mais preocupante, um novo capítulo na tentativa de internacionalizar um problema que é, antes de tudo, brasileiro.
O governador Cláudio Castro, ao buscar o reconhecimento do Comando Vermelho como “organização terrorista” pelos Estados Unidos, dá um passo perigoso rumo à entrega da soberania nacional em nome de uma política de segurança pública espetacularizada e ineficaz. Em vez de fortalecer as instituições do Estado brasileiro e investir em políticas sociais e de inteligência, Castro aposta em uma narrativa de guerra que só interessa a quem lucra com o caos e o medo — dentro e fora do país.
Leia também: EUA lamentam mortes e acendem alerta sobre o Rio
Não se trata de negar a gravidade da violência no Rio, tampouco de desrespeitar os agentes que arriscam a vida. O problema é a instrumentalização desse luto para abrir as portas à ingerência estrangeira em assuntos internos. Quando Washington “se coloca à disposição” para ajudar no combate ao tráfico, é preciso lembrar o que isso historicamente significou para a América Latina: ocupação simbólica, vigilância, imposição de métodos, e, no limite, a subordinação das políticas nacionais aos interesses dos Estados Unidos.
A “guerra às drogas” americana é um fracasso notório, responsável por militarizar sociedades e alimentar as próprias estruturas do narcotráfico que dizia combater. Exportar esse modelo para o Brasil — como parece querer Cláudio Castro — é repetir um erro trágico e perigoso.
O governo Lula está correto ao resistir à ideia de rotular facções criminosas como “terroristas”. Essa classificação, além de juridicamente questionável, abre brechas para a criminalização indiscriminada de territórios e populações inteiras, especialmente as comunidades periféricas, onde o Estado aparece apenas com o fuzil em punho. É uma armadilha legal e moral, que transforma um problema social e econômico em uma cruzada militar sem fim.
Defender a soberania nacional não é um gesto de isolamento — é uma afirmação de independência e de responsabilidade. O Brasil deve cooperar internacionalmente, sim, mas sempre a partir de seus próprios princípios, de sua Constituição e de sua realidade. A segurança pública precisa de inteligência, presença do Estado e inclusão social — não de alinhamentos automáticos com potências estrangeiras que historicamente trataram a América Latina como quintal estratégico.
A política de Cláudio Castro, ao buscar legitimação nos Estados Unidos, revela mais submissão do que coragem. Já o governo Lula, ao recusar a imposição de rótulos e a ingerência externa, reafirma um valor essencial: o Brasil deve ser dono de seu destino — inclusive de seus erros e de suas soluções.
O verdadeiro patriotismo não está em pedir ajuda a Washington, mas em reconstruir o Estado brasileiro para que ele não precise de tutores.


Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!