A primeira mulher a comandar o Nepal assume em meio à tensão e promete organizar eleições enquanto a juventude protesta contra corrupção e censura digital
A ex-presidente do Supremo Tribunal do Nepal, Sushila Karki, assumiu na noite de sexta-feira o cargo de primeira-ministra do governo interino do país, sucedendo KP Sharma Oli, que renunciou na última terça-feira em meio à crescente crise política e aos violentos protestos que abalaram Katmandu e outras cidades.
A posse de Karki, nomeada pelo presidente Ram Chandra Poudel, ocorreu na presença de enviados estrangeiros e autoridades locais. Com 73 anos, Karki se torna a primeira mulher a ocupar o comando do Executivo nepalesa, além de ser a única mulher a presidir o Supremo Tribunal do país. Seu governo interino terá a responsabilidade de organizar eleições gerais dentro de seis meses, mantendo sob seu controle todos os ministérios, de acordo com a carta de nomeação lida na cerimônia de posse.
A nomeação ocorre em um cenário de intensa turbulência política e social. Na última segunda-feira, pelo menos 19 pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas durante protestos massivos da chamada “Geração Z”, que saíram às ruas em resposta à decisão do governo de bloquear plataformas de mídia social, incluindo o Facebook, e à percepção generalizada de corrupção e má governança.
Os confrontos mais graves ocorreram em Katmandu, quando jovens, muitos ainda em uniformes escolares ou universitários, tentaram invadir o parlamento. A polícia respondeu com gás lacrimogêneo, balas de borracha e canhões de água, enquanto o exército foi mobilizado para reforçar a segurança. Manifestantes romperam barricadas, atearam fogo a uma ambulância e lançaram objetos contra os agentes de choque. “A polícia tem atirado indiscriminadamente”, relatou à agência ANI um manifestante. “Dispararam balas que não me atingiram, mas acertaram um amigo que estava atrás de mim. Ele foi ferido na mão.”
Segundo o policial Shekhar Khanal, mais de 100 pessoas, incluindo 28 agentes, receberam atendimento médico. Em Itahari, no leste do país, duas das mortes ocorreram durante confrontos violentos. Manifestantes improvisaram o transporte de feridos usando motocicletas.
Os protestos refletem a crescente frustração da juventude nepalesa com a corrupção enraizada, a escassez de oportunidades econômicas e, mais recentemente, a restrição do acesso às redes sociais, que afeta cerca de 90% da população, estimada em 30 milhões de pessoas. Milhares de jovens marcharam pelas ruas carregando cartazes com slogans como “Acabem com a corrupção e não com as mídias sociais”, “Desbanem as mídias sociais” e “Jovens contra a corrupção”.
O ministro do Interior, Ramesh Lekhak, renunciou, assumindo “responsabilidade moral” pelos acontecimentos, enquanto o primeiro-ministro renunciante Oli havia convocado uma reunião de emergência do gabinete para lidar com a situação.
A Human Rights Watch alertou que o governo nepalesa deve tratar os protestos com cautela, evitando enxergá-los apenas sob a perspectiva da aplicação da lei. “Meios não violentos devem ser utilizados antes de recorrer à força. O uso da força só é apropriado se outras medidas para lidar com uma ameaça genuína se mostrarem ineficazes”, disse a organização em comunicado.
O país enfrenta uma instabilidade política crônica desde a abolição da monarquia em 2008, com 14 governos diferentes e nenhum completando o mandato completo de cinco anos. Oli, de 73 anos, assumiu seu quarto mandato no ano passado. Especialistas apontam que, embora a criação de empregos seja uma preocupação real, a indignação popular está enraizada principalmente na insatisfação com nomeações governamentais e na incapacidade do Executivo em combater a corrupção de forma efetiva.
O bloqueio das redes sociais ocorre em um contexto global de crescente supervisão sobre plataformas digitais e grandes empresas de tecnologia, motivada por preocupações com desinformação, segurança dos dados e ordem pública. Reguladores defendem controles mais rigorosos, mas críticos alertam que tais medidas podem ameaçar a liberdade de expressão, especialmente em países com democracias jovens e frágeis, como o Nepal.
Com a posse de Sushila Karki, o país busca estabilizar o cenário político e preparar o terreno para eleições gerais, enquanto lida com a pressão da população jovem e com o desafio de restaurar a confiança na governança e no sistema judicial.


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