O presidente deixa Madagascar em aeronave francesa, mas a verdadeira força vem das ruas, onde jovens lutam contra pobreza e corrupção
imagem de Andry Rajoelina embarcando em uma aeronave militar francesa para deixar Madagascar não é a fotografia do fim de uma crise, mas o retrato amargo de uma soberania tutelada. Enquanto as ruas de Antananarivo ecoam o grito de uma geração que se recusa a herdar a miséria, a “solução” para o impasse político é costurada a portas fechadas e executada sob a asa de uma antiga potência colonial. A saída do presidente pode ser um alívio para o povo, mas a forma como ela se deu é um insulto à sua luta.
O que assistimos não foi um acordo entre malgaxes para o bem de Madagascar. Foi uma intervenção externa, um “acordo com Emmanuel Macron”, que permitiu a um líder repudiado por seu povo uma saída segura, enquanto 22 cidadãos jazem mortos, vítimas da repressão de um regime que ele comandava. A França, mais uma vez, se posiciona como árbitra do destino de uma nação africana, decidindo quem fica e quem sai, tratando um país soberano como um protetorado instável que precisa de um administrador externo.
A verdadeira força motriz desta mudança histórica não está em Paris, mas nas ruas de Madagascar. Está na coragem dos milhares de jovens, a chamada “Geração Z”, que transformaram a frustração pela falta de água e luz em um levante contra décadas de má governança. Está na voz de Adrianarivony Fanomegantsoa, o jovem de 22 anos que sobrevive com 67 dólares por mês e resume o sentimento de uma nação: “o presidente e seu governo não fizeram nada além de enriquecer enquanto o povo continua pobre”.
Esta não é uma crise fabricada por elites ou uma simples disputa de poder. É o resultado matemático de um colapso econômico e social devastador. Um país cuja renda per capita caiu 45% desde sua independência não está falhando por acaso. Está sendo sistematicamente espoliado por uma classe política corrupta, da qual Rajoelina é apenas o expoente mais recente. A juventude, com uma idade média inferior a 20 anos, percebeu que seu futuro estava sendo roubado e decidiu tomá-lo de volta.
A ruptura dentro das Forças Armadas, com a mesma unidade de elite que levou Rajoelina ao poder em 2009 agora o abandonando, é a prova final de que seu governo perdeu qualquer vestígio de legitimidade. O poder real retornou à sua fonte original: o povo. A tomada de controle da gendarmaria e a destituição do presidente do Senado não foram atos de anarquia, mas passos desesperados e necessários de uma nação para retomar as rédeas de seu próprio destino.
Enquanto Rajoelina voa para um exílio confortável, a verdadeira questão permanece em terra: poderá Madagascar finalmente construir um futuro sem a interferência de padrinhos externos e sem a ganância de suas próprias elites? A renúncia foi conquistada nas ruas, pelo suor e sangue do povo malgaxe. A soberania, para ser plena, deve ser exercida por eles e para eles, não negociada em capitais estrangeiras. O avião francês já partiu, mas a “Geração Z” e seu sonho de um país justo e próspero continuam em solo, mais vigilantes do que nunca.


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