Mídia na defensiva

O vento mudou de lado. Os jornalões recuaram sensivelmente em seus ataques ao governo. Desde alguns dias, passsaram a estampar quase diariamente títulos e manchetes sobre o mensalão, que se tornou uma espécie de “calhau” permanente da mídia em momentos em que parece faltar combustível para manter a atmosfera política em temperatura de “crise”. Citar o mensalão, contudo, não representa um ataque direto ao governo; é mais uma postura defensiva, como uma cobra que recua ao mesmo tempo em que exibe a língua venenosa.

A Folha desta terça-feira aproveita uma entrevista com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ricardo Lewandoswki, como pretexto para tascar um manchetão de teor lacerdista:

 

 

Eu afirmo que é de “teor lacerdista” porque Lewandowski se limita a dizer o óbvio: os réus tiveram e terão direito a defesa, e ele precisará de tempo para ler na íntegra os autos do processo; e se as penas aplicadas forem as mínimas, de dois a três anos, elas prescreverão, porque já se terá passado um prazo superior ao dobro desse tempo.

Quando eu uso o termo “lacerdista”, eu me refiro a estilos como o de Dora Kramer, que hoje em sua coluna, usa inclusive a mesma expressão popularizada por Lacerda nos anos 50: “mar de lama”.

O Globo vai pelo mesmo caminho e publica uma foto gigante de Marcos Valério na página 3, numa matéria que sequer tem ligação direta com ele.

 

A presidenta, por sua vez, resolveu comprar a briga de Pimentel. Sua declaração de ontem, de que “Pimentel não precisa ir ao Congresso”, constitui um verdadeiro desafio ao clima de prejulgamento que domina a mídia. É sintomático que a mídia não a tenha publicado com destaque na primeira página.

Mesmo assim, o fato de figurarem como título de página mostra que as palavras calaram fundo. A base aliada também passou a atuar com mais lealdade. Agora se sabe que o governo a deixou verdadeiramente à míngua este ano. Só agora, no final da maratona, está liberando as emendas parlamentares. A seca, portanto, deve ter contribuído para a atmosfera de insatisfação que vigiu no Congresso este ano, e que seguramente não contribuiu para que deputados e senadores defendessem o governo com mais ênfase durante as crises ministeriais.

O caso Pimentel, hoje, encontra-se em processo de acelerado esfriamento, mesmo com a tentativa de Elio Gaspari de insuflar-lhe um pouco de calor. Sobre Gaspari, é realmente curioso que o mesmo jornalista que durante anos abusou do termo “privataria” para fazer insinuações pesadas acerca do encardido balcão de vendas de estatais montado durante o governo FHC, não tenha ainda mencionado o livro de Amaury Ribeiro, fenômeno editorial, que traz documentos bastante eloquentes sobre esses mesmos esquemas.

Entretanto, mesmo sem constar na capa, em manchetes ou editoriais, o caso Pimentel se mantém aceso com força na fogueira global em sua seção de cartas, onde é o assunto principal, com doze manifestações. Os outros destaques da página Dos Leitores, do Globo (que virou uma página disfarçada de opinião do próprio jornal, visto que os comentários são criteriosamente selecionados) são “Marcos Valério livre” e “Triste Judiciário”, este último para receber elogios ao artigo do ultralacerdista Marco Antonio Villa, publicado ontem no Globo, que “denuncia” o gasto de dinheiro público com itens como água e vacina para funcionários do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). O artigo, embora contenha a sempre justa preocupação com o uso do dinheiro público, é um verdadeiro lixo, porque procura difamar os juízes do STF com informações desencontradas e descontextualizadas sobre seus rendimentos, confundindo o leitor acerca do salário mensal real do juíz e o pagamento, em caráter expecional, de uma determinada quantia em determinado mês a título de alguma indenização. Na entrevista com Lewandowski, ministro do STF e presidente do STE, ele diz que o rendimento líquido de um juiz das altas cortes nacionais está em torno de 16 mil reais, visto que aproximadamente 40% do salário é destinado automaticamente ao pagamento de impostos e planos de saúde corporativos, etc. Não acho que seja nenhum absurdo. O próprio Globo noticiou outro dia, que diretores comerciais no Brasil estão ganhando, no mínimo, R$ 28 mil.

Quando eu falo de “mídia na defensiva”, e que “o vento mudou de lado”, eu me refiro ao silêncio cada vez mais ensurdecedor da grande mídia em relação ao surgimento de novas provas de envolvimento da cúpula tucana em esquemas bilionários de corrupção durante o processo de privatização. Hoje, na coluna Panorama Político, do Ilimar Franco, encontrei a seguinte notinha, publicada discretamente ao pé da página.:

Além da iniciativa solitária do deputado, foi criado um grupo no Facebook, com vistas a pressionar os parlamentares a assinarem a lista do Protógenes.

O leitor, porém, não é informado do fato principal que deu origem à iniciativa de Protógenes: o livro do Amaury.

Serra e Aécio se manifestaram hoje sobre o livro. O paulista chamou de “lixo”. Aécio deu uma resposta ambígua e quase “desleal” em relação a seu companheiro de partido, ao sugerir aos interessados que “devem lê-lo”. Ao dizer, porém, que não é uma “literatura” que lhe interesse, o senador foi bastante infeliz, porque, se se trata de um grande esquema de corrupção, ele deveria, como homem público, interessar-se obrigatoriamente com tal denúncia.

Finalizando a análise de hoje, deixo registrado aqui a única reportagem exibida sobre a repercussão do livro de Amaury Ribeiro num veículo de mídia de massa:

Reportagem da Record sobre o livro Privataria Tucana:

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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