New Yorker: A Ungida – Parte 9

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A Ungida – Parte 9/13

 

Por Nicholas Lemann, da New Yorker. Tradução: Miguel do Rosário.

 

Dilma Rousseff, agora com sessenta e três, é a segunda criança do segundo casamento (com uma brasileira bem mais jovem) do ex-comunista bulgariano chamado Petar Russev. Ele fugiu da Europa para o Brasil nos anos 30, mudou seu nome para Pedro Rousseff, tornou-se um empresário de sucesso, e criou seus três filhos numa atmosfera de riqueza, cultura e boa educação. (O irmão mais velho de Dilma, Igor, é um advogado; sua irmão mais nova, Zana, morreu há mais de trinta anos.) Dilma era uma estudante universitária durante o golpe de 1964 que impôs uma ditadura militar no Brasil, e rapidamente se radicalizou. Ao final dos anos 60, ela era casada com outro militante, Cláudio Galeno Linhares. Eles viviam escondidos, guardando e transportando armas, bombas e dinheiro roubado, planejando e executando “ações”.
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Dilma jamais negou seu passado, mas ela raramente o discutiu em detalhes e hoje não toca no assunto. Em 2003, ela deu um depoimento a uma repórter da Folha de São Paulo, maior jornal do país, sobre um incidente no qual ela e uma colega chamada Maria Celeste Martins (então colegas de militância, depois colegas de governo) tiveram que esconder armas com urgência: “Celeste e eu entramos com um balde; eu me lembro bem deste balde porque ele tinha munição. As armas a gente enrolara num edredon. A gente levou tudo para uma pensão e colocamos embaixo da cama. Havia tanta coisa que levantava a cama do chão. Foi difícil para a gente dormir ali, muito desconfortável. Os rifles automáticos leves, dos quais tínhamos tantos, estavam todos ali. Tínhamos uma metralhadora automática, e explosivos plásticos. Falando disso hoje, eu pareço não ser a mesma pessoa”. (Rousseff insiste que ela nunca participou pessoalmente de ações violentas durante seus anos de militância.)

Ao final dos anos 60, Rousseff deixou Galeno por Carlos Araújo, outro proeminente militante. Ele ficaram juntos por vinte e cinco anos; sua filha, agora com mais de trinta, é uma promotora pública. Em 1994, quando Rousseff descobriu que Araújo tivera um filho com outra mulher, o casamento se rompeu, mas hoje eles mantêm uma relação cordial. Ela e Araújo são conhecidos por terem (supostamente) planejado a operação mais bem sucedida, financeiramente, da resistência ao regime: o roubo, em 1969, de dois milhões e meio de dólares de um cofre na casa da amante do ex-governador de São Paulo. No início dos anos 70, os militares finalmente a capturaram. Ela passou três anos na prisão, onde foi sujeita a toda espécie de torturas.

Depois que foi libertad, e já recuperada psicologicamente, Rousseff graduou-se em Economia e depois trabalhou numa consultoria. Ela juntou-se ao principal partido do Rio Grande do Sul, o Partido Democrático Trabalhista, o PDT, e logo começou a assumir posições no governo em Porto Alegre, onde sua filha vive hoje. Nos anos 80, estava claro que ela havia encontrado sua vocação como burocrata. Ela ascendeu à posição de secretaria de Energia no governo estadual do Rio Grande do Sul, onde ela conheceu Lula e o impressionou tão fortemente que ele decidiu nomeá-la Ministra de Energia em sua administração.

Perto do final da presidência de FHC, havia frequentes “apagões” no país, uma das razões pelas quais ele jamais seria tão popular como Lula seria. Quando Dilma Rousseff foi Ministra de Energia no governo Lula, não houve mais apagões. Ela fez uma série de ousadas intervenções na logística do setor, com resultados impressionantes. Rousseff é uma ávida consumidora de alta cultura – ópera, literatura (ela fez uma visita certa feita a casa de Marcel Proust, no interior da França), artes, filosofia, teatro – mas ela ascendeu no poder porque era inteligente e durona e podia fazer as coisas acontecerem no Brasil.

Dilma é tão diferente de Lula quanto Lula era de FHC. Lula não prestava atenção aos detalhes; Dilma conhece os detalhes de tudo. Ele era mais político, ela é mais diplomática. Como Paulo Sotero, que dirige o Instituto Brazil do Centro de Estudos Woodrow Wilson, em Washington DC, define: “Dilma compreende tudo em que Lula acredita”. David Rothkopf, um consultor americano de política externa, que participou de encontros com Dilma, me disse que “ela comanda a sala. As pessoas a obedecem. Ela está acostumada a isso. Ela sempre vem preparada. Você sabe para onde as coisas vão. E tem uma reputação algo intimidante.” Glauco Arbix, que dirige uma agência governamental chamada Finep (a principal ferramenta de financiamento para pesquisas em inovação científica e tecnológica, uma tarefa que os americanos nunca confiariam a uma agência governamental), e que trabalhou com Lula e com Dilma, observa: “Ela tem um estilo diferente, totalmente diferente. Ela é uma economista por prática. Ela tem uma metodologia; ela procura coerência, razão. Eu não sei se essas qualidades são de grande valia para um presidente. Elas reduzem a sua flexibilidade. ” Ele acrescentou, sobre Lula, “se ele gostasse de voce, e você lhe apresentasse um projeto, ele diria: vai em frente, meu filho. Ela quer saber como você vai organizar as coisas, quais as suas expectativas, como você medirá os resultados.”

Lula tinha uma poderosa e natural conexão com os brasileiros pobres que formam três quartos da população. Como um ex-membro do governo me disse, “eles olham para ele e pensam: esse cara podia ser eu”. Dilma, que as pessoas frequentemente descrevem como alguém sem muito carisma, teve que ser treinada para falar em público e socialização política. Ela é uma mulher educada de classe média. Lula pode falar com total convicção sobre como foi emocionante comprar sua primeira televisão e seu primeiro ar-condicionado. Ele lutou contra a ditadura, e sua administração propôs a criação de uma comissão da verdade para investigar os abusos cometidos no passado. Mas foi Dilma quem assinou oficialmente a sua criação.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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