Imprensa bipolar

(Ilustração: Basquiat, auto-retrato).

Raramente este analista viu a mídia tão abalada psicologicamente. Aliás, ao longo da minha trajetória como blogueiro e comentarista de mídia, nunca subestimei o fator psicológico. As crises políticas invariavelmente produzem nervosismo, que por sua vez leva seus principais alvos a cometerem erros. O sujeito pode até ser inocente, mas não tem resistência psicológica para enfrentar um processo de acusação midiática. Outros demonstram uma força incrível. José Dirceu é o caso mais excepcional de uma boa musculatura emocional. Manteve o sangue frio até o fim. Renan Calheiros é um forte também, mas ficou nervoso, perdendo pontos. Até Sarney passou a gaguejar, embora tenhamos que dar um desconto pela idade avançada. Reparem que não estou fazendo nenhum prejulgamento moral. Força psicológica é uma qualidade tanto para um bom homem quanto para um mau caráter. Neste quesito, admito, sou um fraco: por isso sou blogueiro e não um empresário do ramo da construção civil, nem liderança política. Não resistiria muito a um processo de fritura midiática, mesmo que fosse o mais inocente dos cristãos.

Digo isto porque o caso Demóstenes produziu, desta vez, um tensionamento curioso na mídia. Por exemplo, um dos editoriais de hoje do Estadão parece ter saído diretamente da lavra do professor Hariovaldo, mitológico personagem da blogosfera progressista. Intitulado “Iguais, porém diferentes“, o texto arrisca-se numa intrépida operação alquímica para converter o crime hediondo de Demóstenes em sinal de vigor ético dos Democratas. Afinal, o DEM não passou a mão em sua cabeça! Ora, segundo esse raciocínio, o DEM poderia expurgar um a um seus membros, à medida que seus malfeitos viessem à baila, até a extinção completa por WO: e seria o partido mais ético do Brasil!

É um raciocínio tortuoso, primitivo e enganador. O Dem não é melhor que ninguém por expulsar ou pretender expulsar Demóstenes ou o ex-governador Arruda. O negócio é que a força dos vídeos ou gravações que mostraram ambos se lambuzando tem um impacto terrivelmente devastador. Porque não deixam margem de dúvida. A base legal para se não condenar um réu é sempre essa: o benefício da dúvida. Se o júri não tem certeza de que fulano realmente cometeu aquele crime, então o correto é inocentá-lo.

Já comentei aqui os delírios de Merval e Dora, também notoriamente abalados emocionalmente. O primeiro volta hoje a dar mostras de desequilíbrio. Em coluna intitulada “Hora de Julgar“, Merval repete a estratégia da Dora ontem: faz um rodeio esquizóide para falar do caso Demóstenes, culpando o PT e o mensalão. Inventa um adversário imbecil e daí tenta desconstruir seus argumentos. Confira só o trecho:

Se todos são ladrões, ninguém é ladrão, parecem raciocinar. Nada mais falso.

Putz, quem “parece raciocinar” assim, Merval?

Se há corruptos no PT e no governo, e ninguém nega que há, que sejam julgados e punidos severamente! Se houvesse um vídeo ou áudio comprometendo um parlamentar petista ou governista, você sabe muito bem o que aconteceria. Dez meses de escândalo, e dezenas de cabeças decepadas rolando morro abaixo. O mensalão, mesmo sem áudio ou vídeo, produziu uma carnificina no governo e no PT, com demissões, abandono de partido, expulsões, e o caso está sendo julgado no STF, com cada um tendo direito à defesa. Vamos repetir: todos são inocentes, até prova em contrário. Essa é talvez a máxima mais importante do Estado de Direito. Um vídeo ou áudio constituem, todavia, justamente a “prova em contrário”…

Agora vamos às notícias do dia: a barra pesou hoje. Cumprimento o jornal o Globo por não poupar o tucano Marconi Perillo, como fizeram os jornalões paulistas. O Estadão, o mais abalado emocionalmente, sequer comenta a ligação entre Cachoeira e o governador tucano. A reportagem do Globo, dividida em duas matérias, pode ser lida nestes links: aqui e aqui.

O Globo dedica capa, página 3 inteira e infográficos com denúncias contra Marconi Perillo. Comento mais em seguida.

 

 

Repare que estamos falando da chefe de gabinete do governador. Para quem não sabe, é a função mais importante no governo, depois do governador em pessoa. É o responsável pela agenda, pelos compromissos, pelos discursos, enfim, é uma espécie de primeiro-ministro de um governador. Observe também que Cachoeira, em dialógo com ela, se refere mais de uma vez ao chefe ou superior dela. Ora, quem seria senão o governador?

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Em relação ao pacotão lançado pelo governo no programa Brasil Maior, eu destaco o item que trata da expansão do programa de Banda Larga. A crítica mais justa ao governo, a meu ver, tem sido a pouca atenção à qualidade da internet brasileira.  Aliás, vale a crítica à falta de destaque a este item durante o lançamento. Diz a imprensa que é um item prioritário para a presidente. Pois bem, então deveria ter protagonizado um lançamento exclusivo, apenas para este item. Podia aproveitar e incluir nesse programa, de maneira oficial, o lançamento do tal satélite que, em tese, está destinado à complementar o PNBL.

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O CNI Ibope acaba de divulgar pesquisa que mostra forte aumento da popularidade da presidente Dilma. Vou fazer um post hoje dedicado somente a isso.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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