Batendo cabeça

Um comprador anônimo arrematou o Grito, de Munch, por US$ 119 milhões, em leilão realizado ontem em Nova York. Sugiro que os membros da CPI investiguem se Cachoeira não andou ligando para os States…

Seja como for, quem está prestes a dar um grito semelhante ao personagem da pintura norueguesa é o leitor de jornais que tenta se informar sobre política. A cobertura midiática da CPI continua batendo cabeça. Cada jornalão fala uma coisa, e cada dia apresenta-se uma versão totalmente diversa da feita na véspera.

No Globo, o Merval inicia sua coluna em tom paranóico:

A reunião administrativa da CPI do Cachoeira foi cheia de indícios que confirmam que o governo vai tentar manipulá-la para proteger os seus e atacar a oposição.

A paranóia escala um degrau logo em seguida:

Usar o rolo compressor da maioria para utilizar a CPI para uma tentativa de aniquilamento político da oposição, colocando até mesmo o procurador-geral da República como suspeito no banco dos réus metafórico, como vingança pelas denúncias do mensalão, pode parecer a curto prazo vantajoso para o governo, mas será pernicioso para a atividade política a longo prazo.

Estaremos trilhando um caminho autoritário muito perigoso para a democracia brasileira.

Merval delira, ou melhor, distorce. Quem denunciou o mensalão não foi o atual procurador, mas o anterior, Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. O atual foi reconduzido pelo próprio governo, e a mídia acusou-o, ano passado, de beneficiar o governo quando decidiu não denunciar o então ministro Antonio Palocci.

O debate sobre levar ou não o atual procurador a depor na CPI tem como razão o fato dele ter engavetado um inquérito da Polícia Federal que trazia fortes denúncias contra o senador Demóstenes Torres, bem antes de estourar a operação Monte Carlo.

Gurgel explica que o fez para não atrapalhar justamente a Monte Carlo, e de fato, caso encaminhasse a denúncia na época, seria muito difícil que tivéssemos o material que temos hoje. O esquema Cachoeira reveria completamente a segurança de suas comunicações.

Mas é um dilema complicado, porque, por outro lado, a passividade de Gurgel permitiu que o esquema Cachoeira continuasse agindo, e roubando, então os senadores e deputados querem entender que balança o procurador usou para decidir se era melhor agir logo ou esperar.

Gurgel não poderia saber, de antemão, os resultados da Monte Carlo. Se soubesse, valeria a pena esperar, tudo bem. Mas ele não sabia, então a sua postura tem algo de estranho sim. Ou não, tudo depende dos argumentos que ele usar.

A CPI não está acusando Gurgel de nada, e sim pedindo que ele se explique. Acusar Collor de querer se “vingar do mensalão” é absolutamente ridículo. Collor se beneficia e se beneficiou do desgaste petista causado pelo mensalão, visto que o PT não lhe dá votos. Ao contrário, a base política de Collor é o antipetismo alagoano.

No Estadão, a chamada na capa e a matéria da página A4 seguem na contramão da paranóia mervalista.

A mídia ainda está profundamente desconfiada. Um dia dá loas à CPI, no outro a detrata. Seu apoio oscila na medida em que se sente mais ou menos segura sobre sua influência nos rumos do inquérito.

É preciso notar, no entanto, que a blindagem maior quem está fazendo é justamente a mídia, ao sonegar ao público um dos aspectos mais importantes da investigação: a relação do esquema Cachoeira com a revista Veja. Não são um ou dois episódios. São dezenas, envolvendo escutas ilegais, ataques políticos, e interesses financeiros diretos da máfia Cachoeira.

Esta é a grande batalha, ainda meio surda, abafada, nos bastidores da CPI. O Panorama do Globo cita inclusive criação de uma frente parlamentar, juntando membros do governo e da oposição, apenas para evitar que a CPI ataque a imprensa. Que parlamentares são esses? Que ataques à imprensa?

Com exceção das bravatas colloridas, não tem ninguém atacando a imprensa, e sim denunciando o conluio entre o esquema Cachoeira e a Veja.

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Mais um podre: Cachoeira e Demóstenes falam sobre depósitos em paraísos fiscais. Outro: Marcelo Miranda, eleito senador por Tocantins, mas impedido de tomar posse por decisão judicial, fazia parte do esquema Cachoeira. Aliás, um dos objetivos da CPI é verificar até onde se estendiam os tentáculos de Cachoeira no governo de Tocantins, tocado por Siqueira Campos (PSDB).

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Brizola Neto nem assumiu, e já se tornou alvo de artilharia pesada da imprensa conservadora. O editorial do Estadão desta quinta-feira chega a ser engraçado. Não faz nenhuma acusação concreta, apenas balança um revólver abstrato e faz cara de mau. É um texto desequilibrado, incoerente, confuso. Numa hora fala que a presidente loteia o ministério aos partidos, no outro diz que a escolha de Brizola foi pessoal. A maior besteira, no entanto, é quando sugere que a presidente não deve prestar satisfação a nenhum partido na hora de montar sua equipe. Ou seja, o mesmo jornal que vive brandindo paranóias sobre tendências totalitárias do PT, quer que a presidente assuma uma atitude totalitária na hora de escolher seus ministros. Nem vale a pena se estender muito. O Estadão já fez ataques melhores.

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Ainda no Panorama do Globo, uma notinha que diz muito sobre as aflições políticas do PSDB.

Defender um bandidinho de terceira como Leréia, outro lacaio de bandido, que usava o cargo até para conseguir vistos para familiares de Cachoeira, é o fim da picada!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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