Qualidades e defeitos no discurso de Dilma Rousseff

Permitam-me analisar o discurso da presidenta com senso crítico. 

E tenham piedade de mim, pelo amor de Deus. Não posso apenas elogiar nem apenas criticar. No primeiro caso seria chamado de governista acrítico, com razão. No segundo, me acusariam de querer derrubar a Secom e tomar o emprego deles, ou pior, de chantagear o governo para descolar um anúncio estatal.

Sou criticado de qualquer jeito, enfim, fazendo isto ou aquilo. Vida de blogueiro não é mole. Antes de entrar nas críticas, algumas explicações. Sei que não adianta nada, mas enfim:

– defendo o governo quando eu quiser e como eu quiser, porque o blog é meu; a lei é a mesma para quando eu quiser criticá-lo, como aliás faço regularmente, e de maneira pesada, quando o assunto é comunicação e apatia política.

– estou muito feliz como blogueiro, com assinaturas em ascensão acelerada, e perspectiva iminente de publicidade – do setor privado. Não tenho interesse nenhum em derrubar ninguém da Secom, nem trabalhar no governo. Como blogueiro, posso ajudar ou criar confusão, a depender do contexto, e acho que minha função é esta.

Ler aqui a íntegra do discurso.

Agora vamos lá. Por favor, não sou dono da razão e sou leigo em marketing, graças a Deus. Minhas opiniões são pitacos de um sujeito atento, só isso. A razão de dá-los, sem que ninguém me tenha pedido, é que eu preciso produzir conteúdo atraente para o blog e acho que os leitores irão se interessar em debater este assunto.

Primeiro, as críticas:

1) Focou demais na questão financeira da Copa. O tecnicismo frio, do qual acusam tanto a presidenta, prevaleceu mais uma vez. A Copa é muito mais que isso. É um encontro de civilizações, como lembrou Lula. Tinha que usar linguagem mais poética. Tocar o coração das pessoas. Falar em paz, guerra, da importância simbólica do esporte para unir uma humanidade que já sofreu tanto.

2) O discurso da redução da desigualdade se tornou repetitivo.  “Tirou 30 – 40 milhões da miséria, levou tantos para a classe média”. Virou blábláblá político. Não acho que tenha efeito, sobretudo entre jovens e classe média, que é onde Dilma está perdendo popularidade.  As pessoas já sabem que houve redução da desigualdade, mas o efeito estético e político já se desgastou . Bola pra frente. Há muito do que falar. E agora, o que faremos? O que as obras de infra-estrutura podem nos proporcionar em termos de vantagens futuras?

3) A moldura do pronunciamento. Dilma poderia falar de um lugar com transparência, onde se pudesse ver uma paisagem do Brasil por trás. Brasília, Rio, São Paulo, Sudeste de preferência. De repente, o Itaquerão, ou o Maracanã. Mostrar que não está fechada, isolada, que está no Brasil. Dilma podia estar de pé e usar acintosamente uma camisa da seleção brasileira. Daria mais leveza à personagem.

4) No início, ela fala em “Copa pela paz”, “Copa pela inclusão”. O certo seria “Copa da paz”, “Copa da inclusão”. Nas frases seguintes, ela diz: “Copa da tolerância, da diversidade, do diálogo e do entendimento”. Tinha que escolher. Ou fala Copa “pela” ou Copa “da”. Como está ficou confuso.

5) Na parte em que cita os números, poderia aparecer gráficos. Dilma poderia estar em pé, com vidro transparente mostrando um fundo de paisagem. E nesse vidro, poderiam aparecer os infográficos.

6) Quando fala no custo dos estádios, poderia mostrar uma foto de cada estádio e citar nominalmente cada um deles. A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão, balé. Os estádios são a diversão e o balé para o povo.

7) Ao citar os pessimistas, poderia ter dado uma indireta e falar em democracia e da importância da liberdade de expressão, mas alertando que as pessoas precisam obter informações de fontes plurais. A citação aos pessimistas foi um recado claro à oposição e à imprensa. Mas se vai bater, tem que bater pesado, no ponto-fraco do inimigo, que é a sua concentração, um realidade que tem nos prejudicado. Dilma precisa usar a TV para falar em democracia da mídia. Era o momento. Sempre é o momento.

8) Copa da paz, da tolerância, etc. Dispersou muito. Mais interessante era focar numa coisa só ou duas. Copa da paz e contra o racismo, por exemplo. Daí poderia falar uma frase ou duas sobre paz e sobre racismo. Ficaria mais sucinto e mais forte.

9) Logo no início: ” motivo de satisfação, de alegria e de orgulho”. Redundâncias. Podia ficar apenas em “alegria”.

Agora, os elogios (não resisti a mais uma críticas…):

1) Gostei bastante do efeito da comparação entre os gastos com estádios e o que se gastou em saúde e educação desde o início da construção desses. Golaço. Aquilo foi nota 10. Gastou-se 212 vezes mais em saúde e educação mais que com estádios. Cheque mate. Por que essa comparação não foi feita anos atrás? Ops, essa é a parte de elogios…

2) Bom foco na geração de oportunidades, na injeção de bilhões na economia e geração de empregos. Mas podia dar estimativas mais precisas. E falar também nos impostos, lembrando que gerarão orçamento para ser investido em saúde e educação.

3) A alfinetada na imprensa urubu foi ótima: “Os pessimistas diziam que não teríamos Copa porque não teríamos estádios. Os estádios estão aí, prontos.”

4) Bem dada a informação de que a capacidade dos aeroportos dobrou e que o número de passageiros passou de 33 milhões dem 2003 para 113 milhões em 2014, podendo chegar a 200 milhões em 2020. Mas seria legal lembrar que o governo pretende continuar modernizando os aeroportos, e o acesso a eles.

5) O final do discurso, mencionando as demandas por um futebol mais democrático, também caíram bem. Mas Dilma poderia ser mais assertiva se anunciasse um debate, após a Copa, para discutir com a sociedade aprimoramentos democráticos em prol do futebol, na formação dos atletas, em suas relações profissionais, nos horários de TV, nos sistemas de exclusividade, etc. O povo tem direito de ver seus jogos na tv aberta, gratuitamente, em horário compatível com sua rotina de trabalho.

Enfim, são meus pitacos. Desculpem se falei besteira. Sintam-se livres para dar sua opinião.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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