O fim patético da Lava Jato

No dia 13 de novembro de 2014, uma reportagem de Julia Dualibi, no Estadão, informava que os delegados da Lava Jato faziam festinha pró-Aécio nas redes sociais. Incluindo o principal responsável pela operação Lava Jato na Polícia Federal, o delegado Igor Romário de Paula.

Igor Romário de Paula aparecia nas redes sociais louvando Aécio Neves, do PSDB, um dos candidatos com a ficha mais suja de que temos notícia em nossa história recente: acusações de corrupção, de nepotismo sem vergonha (nepotismo que ele herdou de sua própria história, pois ele, Aécio, viveu toda sua vida de empregos públicos obtidos através de indicações familiares), ataques à liberdade de imprensa, violência contra mulher, dirigir embrigado, uso de drogas, uso do dinheiro público para construir aeroportos em terras da família, nomeação de juiz acusado de vender sentenças de soltura para traficantes, amizades com donos de helicópteros apreendidos com meia tonelada de pasta de cocaína, etc.

Um candidato, e isso é quase irônico, acusado diretamente pelo principal delator da Lava Jato, a investigação conduzida por Igor Romário de Paula, de receber 120 mil dólares por mês de propinas, o que daria, em valores de hoje, quase meio milhão de reais/mês.

Desde então, a Lava Jato começou a se transformar-se rapidamente. De uma operação de combate à lavagem de dinheiro converteu-se numa investigação política, visando asfixiar a indústria de construção civil, por um lado, e criminalizar o PT, de outro.

Daí tivemos uma série de prisões ilegais. O tesoureiro do PT, por exemplo, foi preso sem que houvesse absolutamente nenhuma prova contra ele.

A acusação: as doações legais, registradas no TSE, de empresas ao PT.

As mesmas empresas doaram valores da mesma magnitude, ou até mais, à oposição. Mas apenas as doações ao PT foram criminalizadas.

Numa tática que cheira aos momentos mais arbitrários da nossa história, o juiz mandou prender não apenas João Vaccari Neto, mas sua família: mulher e cunhada.

A cunhada foi presa “por engano”. O desespero de prender era tão grande que a confundiram com sua própria irmã.

A Lava Jato entrou em parafuso, distribuindo acusações a políticos sem relação alguma com a investigação principal. Um político do PP foi acusado de incorporar a empregada doméstica à folha de pagamento de seu gabinete. Uma coisa antiética, mas sem nenhuma vinculação, obviamente, com lavagem de dinheiro, Petrobrás ou corrupção partidária.

O André Vargas, ex-deputado do PT, que não é flor que se cheire, foi acusado de ter “presença” na Caixa, e com isso, supostamente, beneficiar a agência de publicidade de seu irmão. Nada a ver com lavagem de dinheiro ou Petrobrás.

E agora, o mesmo delegado disse que investigará Lula por conta dos serviços que o ex-presidente prestou para empresas de construção civil.

A mídia, como sempre, é a grande articuladora de todas essas denúncias. Tudo é milimetricamente planejado. Sai numa revista aqui, vai para uma TV ali, aparece num jornal, numa dessas jogadas ensaiadas tão características da nossa imprensa, e que a faz parecer realmente um cartel mafioso.

Agora sabemos que o ex-presidente FHC recebeu mais de 16 milhões de reais apenas em suas doações iniciais, quando saiu do governo, mais de quatro vezes acima do valor pago pela Camargo Correia ao Instituto Lula.

Mas FHC pode. Lula não.

A mídia quer que Lula viva de quê?

Lula não tem a cara de pau de FHC, de usar 5 milhões de reais de Lei Rouanet (dinheiro público, portanto) para organizar seu “acervo”.

Como Lula sustentará seu instituto?

FHC viaja ao mundo falando mal do Brasil e recebendo por isso.

O Instituto Lula produz estudos e palestras em prol dos países mais pobres, promovendo políticas públicas de combate à fome.

A contribuição de Lula na luta mundial contra a miséria e a desnutrição foi prestigiada há algumas semanas, em evento da FAO, a organização das Nações Unidas que cuida exatamente dessas questões.

Lula abriu o encontro, e foi aplaudido por representantes de mais duzentos países. A mídia, como sempre escondeu ou diminuiu.

Ao contrário, a mídia apenas opera, dia e noite, para destruir Lula politicamente, massacrar sua imagem.

De certa forma, tem conseguido seu objetivo, como se vê nas manifestações crescentes de ódio contra o PT.

Não é difícil, numa democracia, fazer o povo se voltar contra seus próprios herois.

Infelizmente, esse é um dos vícios inerentes a democracias. Sócrates foi condenado à morte por “corromper os jovens”. Esse foi o prêmio final da democracia ateniense a seu cidadão mais ilustre.

Heródoto, o historiador grego, fala ainda de grandes generais atenienses, como Temístocles, responsáveis por vitórias épicas dos atenienses contra exércitos persas numericamente muito superiores, que depois foram perseguidos e até mesmo banidos por seus próprios cidadãos, em virtude de intrigas domésticas.

Talvez a característica mais marcante de uma democracia seja esta intriga aberta, que se confunde com o próprio jogo político.

Em ditaduras, as intrigas são asfixiadas imediatamente com violência e repressão.

Numa democracia, as intrigas se convertem em lutas políticas, travadas por meio da comunicação.

Por isso, a mídia é a questão política central da nossa democracia. Talvez mais importante, num primeiro momento, que a reforma política.

Um candidato pode até se eleger sem dinheiro, mas não sem uma boa imagem na mídia.

Para que serve o dinheiro nas campanhas, em termos estritamente eleitorais? Não é para comprar a mídia, ou fazer a sua própria mídia?

Uma reforma política começa e termina com uma reforma da mídia, uma reforma que obrigue todos os canais de tv a exibirem, em horário nobre, debates eleitorais entre candidatos a presidente, governador, prefeitos, deputados, senadores, vereadores. Uma reforma de mídia que estenda a campanha política pelo máximo de tempo possível, diluindo os custos.

O Brasil irá vencer esses esbirros da ditadura, essas conspirações conduzidas por uma mídia cevada no dinheiro e na violência de um regime de exceção.

Uma mídia que jamais se interessou em fomentar a inteligência crítica dos brasileiros. Ao contrário, seu único objetivo é ampliar o seu exército de zumbis.

Uma mídia vendida em todos os sentidos.

Não promove alimentação saudável porque não pode contrariar os interesses de seus patrocinadores.

Nunca promoveu debates em prol de políticas de transporte coletivo, porque precisa vender anúncios de carro.

Nunca promoveu debates políticos inteligentes, porque precisa empurrar, goela abaixo da população, os seus lobistas de baixo nível, que irão cuidar de suas negociatas, aqui e no exterior, como Eduardo Cunha.

A Lava Jato é fruto desse sistema. Ela é uma iniciativa desesperada de setores corruptos da mídia, da sociedade e do Estado, setores dispostos a destruir muita coisa, se isso lhes permitir a volta de um tucano ao poder.

Um tucano que ajude o cartel mafioso midiático a sobreviver por mais alguns anos.

Espera-se, todavia, que ainda existam juízes com alguma fibra moral, capazes de resistir a esse jogo pesado de chantagens políticas e midiáticas.

Ao atacar Lula, a Lava Jato expôs-se excessivamente e decretou seu fim moral.

Um fim patético de uma operação golpista liderada por agentes públicos sem qualquer compromisso com a realidade social. Não se importam em promover desemprego ou atraso de obras estratégicas.

Pior, agentes públicos sem qualquer compromisso com valores democráticos: prendem sem provas, condenam sem provas, promovem linchamento midiático através de vazamentos seletivos.

O juiz da Lava Jato exibiu, na frente de todo mundo, a propina que lhe foi entregue, em mãos, por um dos irmãos Marinho: o prêmio Faz Diferença.

E assim vamos tocando a vida.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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