O impeachment no Brasil: entre Collor e Dilma

por Rogerio Dultra dos Santos, no Democracia e Conjuntura

Há 24 anos o Brasil passou pelo seu processo de impeachment inaugural. Naquele final de ano de 1992, o primeiro Presidente eleito diretamente pelo povo brasileiro depois da ditadura civil-militar saía pela porta dos fundos do Palácio do Planalto para um ostracismo de 8 anos.

O impeachment de Fernando Affonso Collor de Mello não se deu sem polêmicas. Nos primeiros dias de seu mandato, resolveu lançar o “Plano Collor”, pacote econômico cuja principal e mais excêntrica medida foi o confisco das poupanças de toda a população brasileira.

Isto no início de 1990, quando Collor contava com mais de 70% de aprovação.

Dois anos depois, Collor, antes mesmo da eclosão do movimento de rua capitaneado pela UNE do então estudante Lindberg Farias, já contava com 75% de rejeição.

Collor, além do confisco, que chegou a matar algumas pessoas de desgosto, implantou uma receita de privatizações e desmonte de empresas públicas, algo que somente seria superado pelos governos do PSDB no final dos anos 1990.

A comissão da Câmara encarregada de aprovar o pedido de impeachment de Collor contou cinco patéticos votos a favor da manutenção do Presidente.

Não havia, já em agosto de 1992, nenhuma força social que desse sustentação ao governo, envolto em acusações de corrupção, capitaneadas pelo ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias. Collor caiu em dezembro de 1992 sem apoio social e sem nenhum apoio congressual, além dos seus escudeiros mais próximos, como o então Deputado Roberto Jefferson.

Em 2016 o Brasil acompanha, estupefacto, mais um impeachment em sua jovem democracia.

Desta vez, as ruas falam claramente que o Brasil não tem unanimidade.

Ao invés de confiscar poupanças, a Presidente Dilma é a responsável pelo Programa de Aceleração de Crescimento (o PAC), quando ainda era Ministra do governo Lula, e quando inaugurou uma série de programas sociais de transferência direta de renda para as famílias pobres. Um deles, idealizado pelo sociólogo Betinho, o “Fome zero”, transformou-se no “Bolsa Família”.

Nos últimos meses, apesar da desaprovação, Dilma Rousseff bateu o índice de 61% de rejeição. Índice decrescente, foi claramente acompanhado pelo apoio expressivo de movimentos sociais dos mais variados, mobilizados em manifestações de rua, abaixo-assinados e atividades culturais e políticas de grande envergadura.

O país não é unânime, portanto, em relação a este segundo e histórico processo de impeachment. Tanto mais quanto se esclarece, a cada dia que passa, que o Presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, comanda um processo de desgaste e de ataque à Presidente que é de caráter fortemente pessoal.

Ao lado de Cunha, ele próprio réu de variados processos no STF, figura o Vice-Presidente do Brasil Michel Temer. Político decadente no momento em que virou candidato a Vice-Presidente – na sua última eleição para Deputado Federal alcançou 90.000 votos, elegendo-se pela legenda –, Temer lança mão da tecnologia que imagina dominar plenamente na política, que é a conspiração. Os vazamentos de sua carta e de seu “discurso de posse” contaram, entretanto, mais para o escárnio de sua figura do que para a afirmação de sua tática.

Estes dois personagens controvertidos figuram, hoje, como os representantes simbólicos deste processo de impeachment.

A comparação histórica da tentativa de impeachment de Dilma Rousseff – em franco processamento hoje – com o impeachment de Collor de Mello é muito interessante, na medida em que se percebe tratar-se de situações bastante distintas.

O programa de governo de Collor era claramente neo-liberal, de desmonte do Estado brasileiro e bem ao gosto das elites financeiras do capitalismo internacional. O seu pecado foi que a sua atuação facilitou um esquema caseiro de corrupção. Corrupção averiguada quase que exclusivamente em uma aliança operacional entre imprensa e legislativo.

O governo Dilma, embora tenha uma clara inflexão ortodoxa na economia, optou por dar continuidade aos programas sociais de governo que criou sob a era Lula.

As acusações de desvios não colaram na figura impoluta da Presidente.

Mas é inegável que os governos do PT sofreram um processo massivo de criminalização, desde pelo menos a famigerada AP 470, alcunhada de “Mensalão”.

Nesse sentido, a “Operação” “Lava-Jato” nada mais foi do que uma continuidade deste modelo de desestabilização do governo, operada de forma estruturada, num conluio entre setores do judiciário, mídia hegemônica e setores da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Hoje, sua permanência é apoiada por 48% da sociedade – corpo social claramente dividido, portanto –, a Presidente Dilma ainda conta com parte significativa do Congresso Nacional – provavelmente a maioria do Senado Federal –, com uma reação tardia, mas fundamental, dos meios de comunicação públicos e com a manifestação dos órgãos mais relevantes da imprensa internacional.

Mas para além de apoios históricos com os quais o Presidente “impichado” há mais de vinte anos atrás não contava – como o dos estudantes e da UNE –; para além do fato de que seus “inimigos” hoje não contam com aprovação e reconhecimento social, como é o caso de Cunha e Temer;  Dilma conta com Lula.

O movimento de desestabilização do governo toma, portanto, ares claramente estratégicos.

Se por um lado, Cunha objetiva permanecer solto – para ser reeleito em 2018 e escapar de provável prisão –, Temer deseja ser o que nunca poderia ter sido pelo voto.

Por outro lado, o objetivo maior é impedir que Lula figure como a maior aposta para a sucessão da Presidência em 2018, como de fato já é.

A incapacidade de criar novas lideranças é a tragédia anunciada da oposição de direita no país.

Diante deste fato, a fragilização das instituições e o golpe institucional parecem figurar como a alternativa que resta para quem não tem um projeto de país minimamente consistente. E sob a captania de Cunha e Temer.

A parte dos brasileiros que estava radicalizada em grande medida pelo trabalho diuturno dos meios de comunicação de massa, começa a perceber que está no centro de um tiroteio onde é apenas um figurante enganado e traído.

O fundamental é o seguinte:

Hoje é o dia em que ninguém em sã consciência quer ser lembrado por defender a mesma estratégia de Eduardo Cunha e Michel Temer.

Não se combate a corrupção com estes “líderes”.

Nem se combate a corrupção corrompendo o processo constitucional, clara e assumidamente violado pelas manobras espertas de Cunha e de seus apoiadores.

A boa notícia é que se avizinha o momento em que o Brasil sairá de um momento artificial de polarização, mas que, até aqui, ainda não é totalmente traumático, como o seria sob a deposição de uma Presidente reconhecidamente honesta.

O Brasil começa, aos poucos, a entrar num estágio de sobriedade democrática, onde o diálogo é fundamental para que o bebê não seja jogado fora com a água do banho.

E esta situação de prudência e temperança se mede pelas ausências que ocorrerão na votação deste domingo.

Seja a ausência de deputados a favor do impeachment, seja a ausência de quem não quer ser reconhecido e alinhado com Cunha e Temer.

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