Porque a Esquerda fracassou e o que pode fazer para vencer. Por Osame Kinouchi

Brasília- DF 13-04-2016 Presidenta Dilma durante cerimônia de Assinatura de renovação de contrato de arrendamento entre a Secretaria Especial de Portos e o Terminal de Contêineres de Paranaguá Palácio do Planalto Foto Lula Marques/Agência PT

Foto: Lula Marques

por Osame Kinouchi

Se o placar 367 x 137 não representa um retumbante fracasso das esquerdas capitaneadas pelo PT-PSOL-PCdoB então não é possível definir fracasso no dicionário. Assistindo cada voto da Câmera, em vez de apenas rir ou ridicularizar o baixo clero do “não”, comecei a analisar os votos em termos políticos, culturais e sociais. Apresento alguns pensamentos que creio que, senão academicamente perfeitos, são ao menos originais. Faço algumas recomendações também para que um eventual governo das esquerdas em 2018 ou antes (Diretas Já!) não seja um governo de minoria parlamentar (algo impossível na prática), mas que possa ter algum tipo de apoio mais amplo da sociedade.

Primeiro, noto como os memes do impeachment que ridicularizaram  os deputados que votaram por Deus, pela Bíblia, pela família, pela pátria, pela bandeira e pela netinha não atingem o alvo. O momento é para reflexão, não para risos tristes. Minha proposta é que tais temas seja repensados pela esquerda e possam ser  assumidos pela esquerda porque também a refletem. Como? E por que?

A Religião não pode ser  monopólio da Direita

Isto porque não existe apenas a direita religiosa, temos no Brasil também uma Esquerda religiosa (embora seja minoritária), representada por exemplo por Frei Betto e Leonardo Boff, pela pentecostal Benedita da Silva e mesmo por Marina Silva, que se apenas se mantiver no centro já é de grande ajuda por tirar votos evangélicos da extrema-direita religiosa de Bolsonaro. Não podemos deixar que aconteça no Brasil o que aconteceu nos EUA, onde o Partido Republicano é o partido de Deus, da família, do patriotismo e o Partido Democrata é o partido dos laicos, feministas, LGBT, anarquistas e ateus, uma eterna minoria no Congresso mesmo que ganhe de vez em quando a presidência.

A votação de domingo, com seu endeusamento de Deus, foi uma derrota para o ateísmo e o laicismo. Isso é curioso pois embora a Direita inteligentemente retrata a esquerda como bando de ateus comunistas, uma pesquisa de opinião dentro da Esquerda provavelmente mostraria uma maioria de religiosos ou pelo menos que cultivam algum tipo de espiritualidade: Espírita, religiões de matriz africana ou indígenas, Budismo, Nova Era, Auto-ajuda Espiritual, Ufologia mística e mesmo Jedaismo (que já é a quarta religião no reino Unido). No presente momento histórico, os ateus ainda são extrema minoria, e além disso temos muitos ateus neoliberais e mesmo de direita que votaram contra as esquerdas. Ateu é minoria mesmo nas esquerdas, e verdadeiro comunista também é minoria. Ou seja, a atual Esquerda brasileira é tudo menos atéia e comunista. Então, por que não propagandear isso e calar a boca da Direita?

Além disso, tanto o Deus judaico-cristão como a Bíblia estão intimamente relacionados com a emergência no mundo antigo dos conceitos de igualdade de todos e justiça social (em contraste com as sociedades de castas greco-romanas e orientais). A primeira Utopia social foi a Terra Prometida dos judeus onde mana leite e mel, onde a terra é das famílias e não existem faraós, reis, príncipes ou nobres e uma reforma agrária radical ocorre a cada 7 x 7 = 49 anos. Isso é a verdade profunda da Teologia da Libertação, motivadora de inúmeros fundadores do PT e PSOL (Plínio de Arruda Sampaio era militante católico) e dos movimentos sociais, que precisa ser ressuscitada, talvez eliminando-se dessa Teologia a supérflua análise marxista, pois uma análise mais científica à la Thomas Piketty já é mais que suficiente para defender os programas sociais e buscar melhor distribuição de renda. Caso o leitor se interesse, grife em uma Bíblia as palavras “pobre” e “rico” e leia os versículos correspondentes. A direita ficará escandalizada, a esquerda ficará confortada e mesmo impressionada. Quem sabe teremos um dia parlamentares religiosos de esquerda citando o Deus de Justiça da Bíblia para defender os oprimidos. Isso não precisa ser visto como quebra do laicismo, mas sim como enorme força cultural, a mesma que motivou Martin Luther King. A religião não é monopólio da direita.

A Família não pode ser monopólio da Direita

A Esquerda deve demonstrar que os programas sociais, a defesa da mulher e dos adolescentes, e até mesmo o casamento homossexual apoiam todos a ideia de família estável e organizada. Deixemos o conceito de família como instituição machista opressora para um feminismo datado dos idos de 1950. A família moderna, inclusive a heterossexual, é hoje muito mais que isso (ou menos que isso). Divulguemos a série de TV Modern Family e celebremos as famílias acolhedoras. Inclusive, se comentou nas redes sociais que o fato dos deputados de esquerda não citarem suas famílias parecia indicar que não tinham nenhuma, seriam os solitários e misantropos da sociedade, gerando enorme desconfiança do povo mais simples (que deveria ser o eleitorado da Esquerda). A família não é monopólio da direita.

A Bandeira e o Hino nacionais não podem ser monopólio da Direita

Infelizmente, por motivos históricos, a esquerda se associou à cor vermelha, que tem valor simbólico muito negativo: sugere sangue, violência e mesmo o Demônio. Nota vermelha, ficar vermelho no cheque especial etc: inúmeras conotações negativas para a palavra “vermelho” (tente pensar em alguma expressão positiva, existe mas é muito difícil).

Que tal a esquerda mudar suas cores? Afinal, por que perder o poder e as eleições por causa de uma cor de bandeira? Sugiro as cores branca (símbolo da Paz, já usado pelo PT) e a cor verde (símbolo do ambientalismo progressista e cor presente na bandeira do MST). OK, podemos deixar a cor amarela (símbolo do ouro e da casa de Habsburgo) para a direita. Mas talvez pudéssemos usar o azul do céu da bandeira e da Virgem Maria eventualmente, para confundir as coisas… O que as esquerdas não podem deixar se implantar é a ideia de que a Direita é patriota e a Esquerda não o é e nem tem apreço pela bandeira brasileira. O mesmo pode-se se falar do Hino Nacional, que deveria ser cantado com a mão no peito em cada manifestação de esquerda. A Bandeira e o Hino não é monopólio da direita!

Fora essas escolhas simbólicas equivocadas, que só tem prejudicado o avanço das esquerdas, que tal tirar o nome “Comunista” de alguns partidos de esquerda? Afinal, o PT e o PSOL não são comunistas e o PC do B o é só no nome. Na prática, nas propostas concretas defendidas por esses partidos no Congresso, eles são todos socialistas-democráticos, que propõe um socialismo (de mercado?) ou mesmo uma social-democracia de verdade. Atingir e sustentar um Welfare State como no Canadá, países europeus avançados e mesmo o Japão (que tem a melhor distribuição de renda no mundo, descontando republiquetas pseudo-comunistas) seria uma imensa vitória para as esquerdas do Brasil no século XXI, pois já é um alvo difícil de alcançar.

Lembremos também que, para o eleitor comum, a foice não é um símbolo heróico das lutas camponesas históricas mas sim um ícone que sugere violência gratuita, atraso tecnológico (quem ainda usa foices na agricultura moderna?) e quem sabe Jason em Sexta-feira 13. Deixemos a foice para a caveira Dona Morte. Que tal substitui-la por uma Árvore, símbolo da Vida, do Conhecimento e do Feminino?

Infelizmente um símbolo das esquerdas não poderá ser eliminado: a própria palavra “Esquerda”, que remete às metáforas do Sinistro, do Demoníaco, contrário ao Direito, ao Reto (os justos ficam à direita de Deus, mas à esquerda para quem olha de frente). Braço-direito é positivo, mas é uma ofensa cumprimentar alguém com a mão-esquerda, que era usada ao longo de toda a história da humanidade para limpar o ânus antes da invenção do papel higiênico. Bom, mas quanto a este infeliz acidente histórico, baseado no lado onde os revolucionário ficavam no parlamento francês depois da Revolução Francesa, não temos muito o que fazer, não é? Ou poderíamos apenas minimizar o uso, sem eliminar, do rótulo de Esquerda?

O Ambientalismo não pode ser monopólio da Direita

E que tal incorporar o discurso ambientalista moderno, a defesa da Biodiversidade e as novas propostas de energias alternativas que geram inovação tecnológica, empregos e competitividade econômica? Esse é o discurso do Partido Raiz, que está sendo criado por Luiza Erundina e outros, e da Rede (onde dois deputados em quatro honrosamente defenderam o “Não ao Impeachment”). Que tal recriar as pontes com Marina (que ainda tem influência simbólica e internacional, que pode captar o eleitorado evangélico para a esquerda, que tem recall equivalente a Lula e muito menos rejeição que o mesmo)? Isso é possível, e demonstrado pelo pedido de cassação de Cunha capitaneados pelo PSOL e REDE, e pela aliança PSOL-RAIZ-REDE na candidatura de Erundina pela prefeitura de São Paulo. Um ambientalismo baseado em evidências científicas e a defesa da Biodiversidade é a bandeira de quase todos os cientistas brasileiros, intelectuais, artistas, formadores de opinião e mesmo de uma classe média mais generosa e com consciência social. O Ambientalismo não é monopólio da Direita.

O Anarquismo jovem de rede não pode ser monopólio da Direita

E que tal incorporar também um pouco de Anarquismo inspirado nas redes sociais e na Internet, Anarquismo que fascina nossos jovens que saíram às ruas nas grandes passeatas de 2013. Um pouquinho de Anarquismo de rede não faz mal a ninguém, desde que usado em prol dos oprimidos.

O Capital não pode ser monopólio da Direita

Finalmente, que tal angariar o apoio dos herdeiros do grande capital? Isso mesmo, dos jovens filhos de gente rica que, pela educação universitária e pela consciência existencial e social, não sabem o que fazer com seu dinheiro mas gostariam de ajudar um programa progressista e ambientalista. Essa gente existe, e seus recursos podem e devem ser usados pelas esquerdas em prol dos seres humanos e ecossistemas oprimidos.

E que tal mostrar aos liberais econômicos e políticos que seu apoio à extrema-direita secular ou religiosa é desastrosa para seus próprios interesses? Afinal, Hitler e os neo-Integralistas brasileiros nunca foram amigos do capital internacional e do verdadeiro liberalismo econômico. Que tal unir forças, taticamente, com os verdadeiros liberais, para barrar o domínio do Brasil pela bancada da direita religiosa, do ruralismo atrasado pseudo-capitalista e da bancada da bala de extrema-direita? O capital cosmopolita, eco-socialmente responsável, não é monopólio da direita.

Será que minhas propostas para a esquerda são muito ingênuas ou radicais? Ou será que são extremamente realistas, por desmontarem o discurso da direita, por resgatarem temas importantes do monopólio religioso fundamentalista, por evitarem a polarização política que cria o Tea Party brasileiro, por facilitarem a criação de uma nova maioria progressista na sociedade e no Congresso? Ou será que não aprendemos nada com as derrotas para Reagan, Tatcher, a Queda do Muro e da URSS? Seremos tão dogmaticamente cegos, marionetes inerciais de uma simbologia datada, equivocada e desastrosa?

Uma esquerda renovada, que não tem medo de Deus, da Bíblia, da família e da bandeira brasileira mas os incorpora como símbolos e temas em suas lutas sociais será a única esquerda capaz de derrotar a extrema-direita e o Tea Party brasileiros.

Osame  Kinouchi é Professor Associado (Livre-docente) do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo

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