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Onde está a mulher da moda?

Por Marina Martins, editora de moda do Cafezinho O público feminino é responsável pelos lucros de um dos setores mais milionários do mundo, mas o que ganhamos com isso? Arbitrária e também fascinante, a moda parece destinada a moldar o comportamento de cada indivíduo antes mesmo que suas verdadeiras preferências e gostos sejam descobertos. Por […]

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Por Marina Martins, editora de moda do Cafezinho

O público feminino é responsável pelos lucros de um dos setores mais milionários do mundo, mas o que ganhamos com isso?

Arbitrária e também fascinante, a moda parece destinada a moldar o comportamento de cada indivíduo antes mesmo que suas verdadeiras preferências e gostos sejam descobertos.

Por meio dela, nos descobrimos, nos afirmamos e nos preenchemos de contentamentos imateriais, presentes em cada peça de roupa, cada acessório que compõe o visual e cada detalhe construído em prol da beleza e do bem-estar.

A moda é a quintessência da sublimação de todos os desejos e a criação de necessidades da sociedade de consumo.

Ainda que haja campanhas e tendências voltadas ao consumidor masculino, persiste a ideia de que este é um universo reservado apenas ao público feminino, seja pelas propagandas e revistas direcionadas às mulheres ou pelas estatísticas de mão de obra feminina nas confecções. Em 2015, apenas no Brasil, o setor têxtil e de confecção empregou 1,7 milhão de pessoas de forma direta, dos quais 75% são mulheres.

Mesmo sendo maioria na composição da mão de obra da indústria – bem como principal público-alvo das milionárias campanhas de publicidade e as maiores consumidoras das grifes – ainda resta às mulheres conquistar seu espaço no topo da cadeia de produção da atividade.

Ainda não vivemos um tempo em que mulheres possuem cargos representativos e postos de comando. Tampouco observamos existir igualdade de gênero neste campo.

Nas salas dos cursos de design de moda é comum encontrar um universo de mulheres com muito interesse em atuar na área. Por outro lado, são poucas aquelas que, como Vivienne Westwood ou Diane Von Furstenberg, estão à frente das grandes marcas. É o que afirma a docente e autora do livro “Moda e Publicidade no Brasil nos anos 1960”, Maria Claudia Bonadio: “O que nós vemos nas grandes marcas, de modo algum é recorrência da formação em moda, onde as mulheres são maioria, mas talvez, de uma preferência do mercado”.

Outro dado interessante foi levantado pela WWD Magazine, em 2012, que mostra que apenas 1,7% das mulheres estão liderando cargos de CEO nas empresas da indústria têxtil, que fazem parte da lista da Fortune 500 – as maiores corporações do mundo.

Já em relação às mulheres negras, a dificuldade é ainda maior. O sistema seleciona uma pequena parcela desse público para as passarelas e revistas do segmento, deixando à margem outras etnias e manifestações culturais não-ocidentais. “Os estilistas negros famosos são bastante escassos. Basta olhar os números e as pesquisas de mercado para saber que as mulheres negras estão lá atrás na escala dos salários”, conta.

Dentro desse quadro, quantas vezes ouvimos o nome de estilistas como Zelda Wynn ou Laura Smalls antes de Michelle Obama? E quantas estudantes das salas de aula dos cursos de moda conseguem atingir o topo?

Para a doutoranda em Economia do Desenvolvimento, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autora da dissertação “A moda do Século XXI: para além da distinção social”, Aline Hellmann, a moda vem dialogando, em primeiro lugar, com as mulheres que podem consumir os lançamentos e não precisam se preocupar com as necessidades mais básicas de sobrevivência: “Mesmo que eventualmente a moda se inspire em estilos usados pelas camadas inferiores da sociedade (fenômeno denominado bottom-up), ela tende a ser originada nas classes mais abastadas e detentoras de capital social.”

Em geral, os grandes nomes da indústria escolhem produzir suas peças em países menos desenvolvidos, onde leis trabalhistas são quase nulas e os salários, quando otimistas, giram em torno de 100 dólares por mês.

Recentemente, a marca de roupas da cantora Beyoncé, Ivy Park, foi acusada de usar mão de obra similar à escrava, no Sri Lanka. Infelizmente, tal situação não é novidade no universo das grandes marcas, principalmente aquelas do chamado “fast fashion”, como mostra o documentário do diretor Andrew Morgan, The True Cost (2015).

De um lado, as mulheres são ícones e o principal alvo das grandes marcas. De outro, ainda são exploradas, marginalizadas pelo mercado e, muitas vezes, colocadas em situações de violência glamourizada, como na campanha assinada por Marc Jacobs (2014), com Miley Cyrus, ou no edital da Vogue Italia, do mesmo ano, que exibe um verdadeiro filme de terror, ilustrando mulheres vítimas de violência doméstica.

Mesmo representando a maior parcela da força de trabalho, sendo as maiores consumidoras de tendências e adquirindo avidamente os produtos da mídia especializada, as mulheres são as principais vítimas de uma das indústrias mais lucrativas do mundo.

Por fim, quando a sociedade afirma que a moda é um segmento direcionado apenas à mulher, cabe o questionamento: “Onde está a mulher da moda?”

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Comentários

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Guimarães Roberto

23/05/2016 - 20h26

Não entendo nada de moda mas de custo sei um pouco. Com exceção da indústria extrativa, as demais procuram locais onde a mão de obra é mais barata para implantarem suas indústrias. E a explicação é simples. Para se produzir qualquer produto são necessários 3 coisas: matéria prima, maquinas/equipamentos e mão de obra. Não há como economizar nos dois primeiros porque o produto ou deixa de existir ou perde as características mas, na mão de obra, pode-se economizar bastante. Esse é o motivo pelo qual a China, a Índia e outros países conseguem desenvolver seus parques industriais. Paga-se pouco, segurança no trabalho é precária e quase não existe legislação trabalhista. Esses são itens caros para sua implementação em países onde existe legislação protetora da classe trabalhadora. As empresas transferem suas máquinas/equipamentos para esses países periféricos, garantem o envio da matéria prima e lucram com o baixo custo da mão de obra. É muito difícil os países se defenderem contra essa prática internacional. Outra prática existente é a transferência de indústrias poluidoras para países periféricos. Em ambos os casos são montadas empresas de exportação nos países periféricos para que o produto seja enviado ao exterior cobrando-se apenas o valor da produção. A quase totalidade do lucro é efetivado quando ocorre a venda nos países mais desenvolvidos. A tudo isso dá-se o nome de capitalismo.


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