Um megagolpe dentro do golpe – Temer remunera STF, MPF e TCU

Brasília - DF, 01/06/2016. Presidente Interino Michel Temer durante cerimônia de posse de Maria Silvia Bastos Marques, no cargo de Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos senhores Paulo Rogério Caffarelli, no cargo de Presidente do Banco do Brasil, Gilberto Occhi, no cargo de Presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Parente, no cargo de Presidente da Petrobras e Ernesto Lozardo, no cargo de Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Foto: Beto Barata/PR

Foto: Beto Barata/PR

por Bajonas Teixeria de Brito Junior, colunista do Cafezinho

Temer e seu governo estão correndo para acertar as contas do impeachment, para fazer pagamentos que afundarão de vez o país na crise econômica, mas darão maior chance de sobrevida ao poder conquistado pela usurpação. O aumento salarial muito generoso para o Judiciário, de 41,5%, sem sombra de debate público ou sequer de regateio, se destina a anular revides de insatisfação que foram letais para Dilma:

1- No Supremo Tribunal Federal (STF), no qual a atuação de alguns ministros foi decisiva para produzir o resultado fatal, ao implementarem ritmos diferenciados de agendamento – retardando o afastamento de Eduardo Cunha, o arquiteto do impeachment; execrando publicamente Lula, após uma gravação de conversa estritamente privada, e revelada de modo criminoso; suspendendo, primeiro, e depois postergando, a decisão sobre a tomada de posse de Lula na Casa Civil.

2 – No Ministério Público Federal (MPF) que desenvolveu a tese, absurda para qualquer historiador amador que leia regularmente os jornais, de que a corrupção na Petrobras começou somente após o fim do governo de Fernando Henrique Cardoso, e que, portanto, é um fenômeno petista. Tese da qual decorre outra,  a saber, que havia uma cadeia de comando cujo ápice era a presidência da república – “Lula tinha que saber” – e que, portanto, implica por sua lógica truncada também Dilma, já que ela também ocupou a presidência. O procurador mor do MPF, Rodrigo Janot, já pediu que o STF autorize a abertura de processo contra ambos.  O momento e a oportunidade dessa permissão estão sendo chocados nos meandros do STF e, para nossa surpresa, virá quando menos esperarmos.

3 – No Tribunal de Contas da União (TCU), que levantou a lebre das pedaladas e foi protagonista estratégico para a execução da estratégia de cerco que culminou no impeachment.

Temer se empenha pessoalmente e tem muita pressa.  Uma chamada com destaque no portal G1, que reflete um pouco da irritação da Globo com seu pupilo, diz:  “Temer pede aprovação ainda hoje de reajusta salarial para o judiciário”. O aumento tem que sair ainda esta noite (01 de junho), ou seja, sem qualquer risco de que a sociedade possa acordar para o que se trama às suas costas, para que não haja a mais remota chance de se levantar um debate público. Enfim, e preciso dar um novo golpe dentro do golpe.  No UOL a manchete é: Base de Temer na Câmara deve aprovar megarreajuste com impacto de R$ 58 bi.

A situação é tão esdrúxula que a Globo já havia confrontado o governo Temer em termos bastante ásperos por sua “esquizofrenia”, como discutimos no artigo Suprema Esquizofrenia ? Globo ataca o projeto de aumento do STF.  Dessa vez, para falar em nome de sua indignação, a empresa mobilizou o PSDB.

“O deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) reclamou do momento para se proporcionar aumento salarial, apenas poucos dias após o governo conseguir aprovar no Congresso a mudança da meta fiscal, com a previsão de um rombo de mais de R$ 170 bilhões.

— É uma confusão, esse governo está passando por sérias dificuldades e dá um sinal desses em um momento de necessidade de muita austeridade — afirmou Duarte.”

Todo o judiciário (juízes, desembargadores, e ministros do supremo) terão o mesmo percentual de 41,5%. Os salários de ministro do STF passarão de meros R$ 33,7 mil para a mixaria de R$ 39,3 mil. Além de ficar no ar um aroma de remuneração por serviços prestados, e anestesia contra futuras irritações jurídicas, este aumento produz o efeito bola de neve, ou melhor, avalanche de lama, que a equipe de Dilma procurava evitar e, por isso, valeu à presidente tão justificada antipatia do judiciário em todos os seus níveis.

Para justificar esse aumento absurdo, um interlocutor do governo valeu-se de uma das mais cômicas e ridículas desculpas esfarrapadas dos últimos tempos, o que mostra o atual nivelamento da inteligência política no Brasil: “Se [Temer] não cumprir os acordos enviados, pode abrir margem para uma nova negociação que pode ser maior do que estava acordado”.

São políticos habituados a argumentar em rincões em que o mandonismo decide tudo, e que por isso acreditam que uma argumentação tão infantil pode ter efeito de convencimento sobre a opinião pública qualificada no Brasil. Sabemos que, ao contrário, uma nova negociação tenderia, logo que ao assunto ganhasse o debate público, nesse momento de crise, a colocar o Judiciário contra a parede e, com isso, a obriga-lo a amainar o seu apetite. Como resultado, o aumento poderia ser transferido para o futuro, quando as finanças apontassem na direção da recuperação da crise.

Mas, isso não atrairia o ódio do Judiciário contra o governo Temer? Claro que atrairia. Mas isso é outra conversa.

Para dar a impressão de que se trata de uma decisão que não visa beneficiar A, B ou C, ou seja, STF, MPF e TCU, o pacote se mostra generoso com os três poderes.

Toda essa festa, não esqueçamos, desmente uma das fundamentações mais propaladas do golpe: de que se fazia necessário, dado que Dilma perdera as condições de governar, um novo governo para atacar as raízes da crise econômica e virar o jogo. Mas o governo Temer, um governo fraco e que derrete a olhos vistos já em seus primeiros dias, age em oposição à austeridade, valendo-se da lambança como única tábua de salvação. E bem possivelmente a história não registra outro governo que, em seus primeiros 14 dias úteis, tenha perdido dois ministros por ligação com a corrupção, e esteja em vias de perder ao menos outros dois pelos mesmos motivos.

E o que é pior: um governo que ostenta um pescoço presidencial sobre o qual o medo de revelações e escutas paira como uma guilhotina prestes a cair a qualquer momento. Um governo crivado de suspense e suspeitas que, por isso mesmo, se vê obrigado a distribuir gordas propinas para amealhar cúmplices e evitar problemas com a justiça.

Mas se for assim, se estivermos diante de uma justiça que se deixa comprar, todos nós, que questionamos o governo de Michel Temer, estamos desde já correndo um sério risco.

Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.

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