Vamos pensar a direita?

Charge: Cartunistas contra o golpe

Por Julia Spatuzzi Felmanas, tradutora, filósofa e mestre em políticas públicas, exclusivo para O Cafezinho

Muito se fala sobre os erros da esquerda: que não se renovou, se corrompeu no poder, esqueceu de suas bases, e que não trouxe uma nova narrativa, mas só um consumismo desempoderador. A esquerda, talvez em sua ânsia de ser mais verdadeira, sempre se autocritica, ou pelo menos, cada facção de esquerda critica e se afasta das outras facções
para se manter imaculada.

Mas que tal falarmos só um pouquinho sobre os erros da direita? Porque a direita normalmente não tem senso de autocrítica, e seguramente não vão se perguntar sobre seus próprios equívocos. Se nós nos encontramos
nesta situação, seguramente é porque os dois lados têm sua porção de culpa. Como todos sabemos, a direita perdeu quatro eleições e foram incapazes de estabelecer a confiança do eleitorado, mesmo com toda a máquina midiática em suas mãos e com todos os erros da esquerda bradados aos quatro ventos. Tanto, que se desesperaram e resolveram tomar o governo na marra, num momento de loucura nacional, em que eles próprios não têm líderes com credibilidade suficiente para levar o Brasil rumo a um novo caminho.

Em 13 anos a oposição não se renovou, nem em termos de políticas, nem de protagonistas.  Quem são os futuros líderes da direita? Fora alguns personagens esquipáticos como Bolsonaro, Malafaia e Kataguiri, seriam o Serra, o Alckmin e o mais jovem deles, o Aécio Neves? Quais as políticas inovadoras? O neoliberalismo fiscal que se provou equivocado nos anos 90, com suas duvidosas privatizações? A submissão à ordem conservadora internacional? A “Ordem e o Progresso” (PMDB) ou a “Seriedade e Competência” (PSDB)? Ou seria o Conservadorismo Religioso da onda evangélica que vem tomando conta do país? O mundo avançou e a oposição não trouxe inovações.  Nem mesmo para disfarçar, como fez o Partido Conservador inglês que se utilizou do discurso ecológico e prontamente o descartou, uma vez chegando ao poder.

Em 13 anos, ao invés de novas políticas, a oposição talvez por comodidade ou preguiça (ou até mesmo, como nos demonstra o desastroso desdobrar desse golpe, burrice) se empenhou em reproduzir dois mantras repercutidos à exaustão: A esquerda é incompetente e a esquerda é corrupta.

A esquerda é incompetente: o mantra da incompetência demorou a surtir efeito, apesar das incansáveis tentativas.

Só mesmo funcionou no estado de SP, onde os Tucanos eram vistos (será que ainda são?) como os guardiões da ‘seriedade’.  Tamanha ‘seriedade e competência’ que nos levou aos incríveis, e agora aparentemente esquecidos, eventos que envolveram o PCC em SP em 2006, quando a cidade ficou paralisada por vários dias com ataques, queimas de ônibus, aparentemente comandados pela facção das cárceres; e a também inconcebível crise hídrica: numa das regiões mais úmidas do planeta, a cidade de SP – nascida das várzeas do cruzamento de vários rios, no topo da Serra do Mar, no meio da Mata Atlântica – secou (e os ecológicos se alinham com eles!?). Sem falar, é claro, de crises de merenda, educação, polícia truculenta, metrôs e rodoanéis que nunca ficam prontos, em mais de 20 anos de governo do Partido da Seriedade Do Brasil.

Agora com a economia em seu ciclo de crise e a descoberta da “corrupção esquerdopata”, a direita conseguiu finalmente tachar a esquerda de economicamente incompetente e irresponsável. Eufóricos, a oposição, com os seus velhos personagens e receituários, já aparelhara o Estado (ué, não é só a esquerda faz isso?). Se o Golpe, me desculpem o impeachment, vingar o Brasil vai ter – e já estamos tendo – a magnífica oportunidade de universalizar a ‘competência’ tucano-paulista pelo Brasil.

A esquerda é corrupta:  em 2005 a oposição resolveu mudar de rumo e voltar a uma velha tática sua: tachar a esquerda de corrupção. A oportunidade apareceu com o esquema do mensalão, ‘inventado’ pelo PT. A economia estava em seus melhores momentos e a velha ladainha da incompetência fiscal não pegava. Desesperados com os elogios internos e externos da capacidade de Lula como líder carismático e das novas políticas públicas trazidas pelo Partido dos Trabalhadores (aliás, políticas essas que emergiram depois de anos de detalhamento, debates populares, discussões acadêmicas e experiências de implementação a nível municipal e estadual), resolveram buscar os antigos conceitos de seus antepassados para encontrar a solução ideal ao problema da esquerda e sua popularidade.

Infelizmente, esqueceram de se precaver. Deveriam ter se lembrado do velho ditado: “quem tem telhado de vidro…”. Pensaram que o paredão da Globo, adornado com os cacos de vidros, arames farpados e cães de guarda de Vejas, Folhas, Estadões e outros seriam suficientes para que as pequenas pedrinhas, mesmo em quantidade, não atingissem a mansão de cristal da oposição.

Pois, não é que foram atingidos?

A Direita teria se saído melhor, se nos últimos 13 anos tivessem se juntado, feito uma grande mea culpa e começado a desenvolver novas políticas públicas, se renovar, trazer novas maneiras de governar. Poderiam ter vindo com críticas contundentes para recuperar o espaço político de maneira civilizada, através da democracia e do legítimo convencimento político.

Fosse assim, poderíamos até acreditar em e aceitar um ‘Governo de Salvação Nacional’, onde ambos os lados se sentariam juntos para sincera e genuinamente lidar com a corrupção na política do país. Poderíamos pensar a reforma política e a reforma do judiciário – que nos ajudariam não só a lidar com a corrupção de maneira estrutural e
institucional (porque corrupção não tem lado e não é um problema pessoal) mas também lidar com a morosidade dos tribunais que impossibilitam o equilíbrio entre a Presunção da Inocência e um Legislativo idôneo, necessário para a construção de um Executivo ético.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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