Boaventura: Contra o golpe parlamentar no Brasil

no Blog da Editora Boitempo

A luta pela democracia e? o que une as esquerdas atualmente, e so? essa união e mobilização popular podem reverter o golpe parlamentar no Brasil. Esta e? a avaliação do filo?sofo e socio?logo portugue?s Boaventura de Sousa Santos que, em entrevista exclusiva conduzida pelo Movimento Democra?tico 18 de Marc?o (MD18) e a Universidade Federal do Para?, fez uma ana?lise precisa da atual situac?a?o poli?tica brasileira. Boaventura desnuda o cena?rio do que ele chama de Golpe Parlamentar. Fala ainda da importa?ncia das lutas sociais, da influe?ncia dos Estados Unidos na poli?tica brasileira e tambe?m sobre as estrate?gias internacionais para combater o Golpe Parlamentar no Brasil. Neste contexto, o intelectual chama a atenc?a?o para a criac?a?o de uma grande frente internacional contra a poli?tica imperialista americana que, na sua leitura, esta? em franca ofensiva contra os pai?ses que compo?em o BRICS. Membro ativo do Fo?rum Social Mundial, Boaventura destaca a resiste?ncia popular que toma as ruas do Brasil como a u?ltima trincheira da democracia e faz um apelo para que movimentos sociais mantenham-se ativos e as ruas continuem ocupadas. Mesmo num cena?rio catastro?fico e desolador, seu pensamento pulsante e potente contorna todo o pessimismo.

Esta conversa, conduzida por Kalynka Cruz-Stefani, Professora de Comunicação da Universidade Federal do Pará, Doutoranda em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) e Maria Fernanda Novo dos Santos Doutoranda em Filosofia pela UNICAMP com estágio na Universidade Paris X, dá sequência à série de entrevistas do MD18 com grandes intelectuais de esquerda publicadas no Blog da Boitempo. Leia a primeira entrevista da série, com o sociólogo franco-brasileiro Michael Löwy, clicando aqui.

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Diante desta grave crise politica no Brasil, no?s do MD18, assim como cada brasileiro engajado contra o golpe, buscamos entender quais ferramentas podem nos ajudar a pensar como resistir a esse governo ilegi?timo. Para isso, precisamos entender a partir de diversos pontos de vista este cena?rio. O senhor, que se dedica ha? muitos anos a refletir sobre o Brasil, poderia nos dar a sua leitura deste quadro geral?

Estamos envolvidos em uma luta na?o so? nacional, mas internacional, dada a importa?ncia do Brasil e, portanto, devemos juntar todos os esforc?os e ter alguma clarivide?ncia sobre o momento difi?cil que estamos enfrentando. Em primeiro lugar, obviamente, estou absolutamente convicto de que se trata de um governo ilegi?timo e de que estamos diante de um golpe parlamentar. O perfil e? de um golpe parlamentar relativamente diferente daquele que aconteceu em Honduras e no Paraguai, mas tem, no fundo, o mesmo objetivo que e?, sem qualquer alterac?a?o constitucional, sem qualquer ditadura militar, interromper realmente o processo democra?tico. E? evidente que o momento e? difi?cil porque nem toda gente pensa como no?s, essa e? a primeira questa?o. Por exemplo, neste momento que vos falo, meu corac?a?o esta? pesado, uma colega minha da USP, Fla?via Piovesan, que colabora comigo em um projeto internacional, aceitou ser secreta?ria dos Direitos Humanos…. Ontem lhe mandei uma mensagem dizendo-lhe que o presti?gio dela na?o deveria de modo nenhum ser posto a servic?o de um golpe parlamentar e que eles na?o merecem a qualidade que ela tem. Estou, neste momento, a assinar uma carta, assinada tambe?m pelos advogados populares e outras organizac?o?es sociais, me manifestando contra a decisa?o dela. Fla?via diz que, para ela, na?o e? um golpe parlamentar : o impeachment esta? previsto, etc. Ja? conhecemos este tipo de argumentac?a?o, obviamente que temos muitos argumentos juri?dicos contra esta posic?a?o dela, mas na?o deixa de ser perturbador que uma pessoa ligada aos Diretos Humanos venha emprestar a sua dignidade a este governo. Portanto, isto significa que vamos entrar num peri?odo difi?cil, complexo, com alguma divisa?o dentro do pai?s, isto era a primeira coisa que gostaria de dizer. Certamente, vai ser muito importante que as forc?as progressistas, que inequivocamente, penso eu, sa?o as que esta?o a defender a ideia de que houve um golpe parlamentar, mantenham o seu ni?vel de mobilizac?a?o para neutralizar na?o so? aqueles que desde sempre estiveram a favor do golpe, como aqueles que acabam por legitimar o golpe, como e? o caso da Fla?via, se vier a se concretizar, o que parece que vai ser o caso.

Em segundo lugar, eu penso que e? uma situac?a?o muito difi?cil porque algo que raramente se discute no Brasil, alia?s que muito pouco se discute no Brasil, e? a presenc?a pesada do imperialismo norte-americano. No?s na?o podemos entender o que se passa no Brasil sem uma ac?a?o desestabilizadora norte-americana, inspirada e financiada pelos norte-americanos. Ha? duas dimenso?es; obviamente que uma e? o financiamento de organizac?o?es que surgiram a favor do impeachment e que no?s temos informac?a?o de que alguns dos maiores conservadores norte-americanos – como por exemplo os irma?os Koch que financiam uma das agendas superconservadoras nos EUA – te?m estado a financiar estas organizac?o?es. Por outro lado, os EUA te?m feito muita forc?a para que os homens, sim homens, de fato, todos brancos, que esta?o do lado deles assumam o poder o mais ra?pido possi?vel. Com que objetivo? Fundamentalmente com o objetivo principal de neutralizar o Brasil como um dos protagonistas dos BRICS. Os BRICS sa?o uma ameac?a extraordina?ria para os EUA, porque os EUA sa?o uma economia em depende?ncia que se aguenta fundamentalmente porque dete?m importante capital financeiro e, portanto, por aceitac?a?o universal do do?lar. Os BRICS chegaram exatamente a criar um banco que e? uma alternativa ao Banco Mundial e, portanto, as trocas entre eles podem ou na?o ocorrer em do?lar. Isto significa um ataque extraordina?rio ao do?lar. Portanto, os EUA te?m vindo desde algum tempo produzir uma poli?tica de neutralizar todos os pai?ses que esta?o nos BRICS. Comec?aram pela Ru?ssia. Mas, na Ru?ssia, o processo democra?tico e? um pouco complexo, ai? o modo de neutralizar a Ru?ssia foi baixar o prec?o do petro?leo. De uma semana para outra baixou para menos da metade do prec?o. Em segundo lugar, no caso do Brasil, como ha? uma democracia, uma democracia viva, aproveitaram obviamente das contradic?o?es do processo democra?tico; sabemos que as democracias representativas defendem-se muito mal dos antidemocratas. Aproveitaram-se disso para criar uma desestabilizac?a?o muito forte. Alia?s, basta ver quem esta? neste novo governo para ver de forma clara como houve interfere?ncia dos EUA no sentido de realinhar o Brasil pela politica americana. O maior exemplo e? o Jose? Serra, que e? o homem dos EUA que vai para o governo com dois objetivos: fazer com que o Brasil se alinhe completamente com os EUA, o que significa anular o banco dos BRICS, e abrir a possibilidade de o Brasil entrar na parceria Transpaci?fico. Logo, contra inimigos deste tipo, e? muito difi?cil lutar.

Neste sentido, o que representa o boicote da Ru?ssia e eventualmente da China, nesse jogo de forc?as internacionais? Isto e? capaz de influenciar contra o que esta? acontecendo, desestabilizar este governo que tomou o poder?

O Brasil esta? agora com a oportunidade – e devemos ter consciência disso – de fazer uma luta contra o imperialismo norte-americano. Ha? aqui realmente, alguma oportunidade para desestabilizar este projeto global que, como sabem, na?o e? apenas na Ame?rica Latina. Vemos muito bem que no sul da Europa, na Gre?cia, em Portugal e na Espanha as mesmas receitas de austeridade esta?o a ser aplicadas. Portanto, o Brasil esta?, neste momento, numa posic?a?o histo?rica que permite ser uma frente de luta contra o imperialismo, mas isto vai depender de muitas coisas, vai depender acima de tudo do movimento popular interno do Brasil. E? fundamental lanc?ar internacionalmente a ideia de que, com va?rios pai?ses, o Brasil possa vir a construir um bloco que fac?a alguma afronta a esta intenc?a?o dos EUA e da Unia?o Europeia. Neste momento, a UE na?o tem nenhuma identidade auto?noma em relac?a?o aos EUA.

Ale?m disso, e? tambe?m preciso que o movimento popular no Brasil continue. Principalmente agora que o golpe na?o esta? consumado, mesmo que haja uma suspensa?o (do Governo de Dilma) e que na?o haja pressa (do Governo ilegi?timo) em resolver. Alia?s, esta e? uma outra ilegitimidade deste governo – e foi assim com Itamar Franco tambe?m – mas este Governo e? um governo proviso?rio, porque a presidente Dilma esta? suspensa, na?o foi afastada definitivamente e, portanto, este Governo na?o deveria ter uma poli?tica de mudanc?a ta?o radical com tantas medidas que estavam na pauta do congresso e que agora va?o avanc?ar. E estas pautas sa?o demolidoras e va?o alterar todo o modelo econo?mico. E? evidente que o processo (de afastamento de Dilma) vai avanc?ar e certamente o golpe consuma-se. Por isso a vossa pergunta inicial faz todo o sentido, o que fazer internamente?

Os movimentos sociais e populares foram atacados diretamente com o esfacelamento de poli?ticas que foram conquistas histo?ricas. A extinc?a?o, ou a cisa?o em secretaria, de Ministe?rios que trabalhavam a favor de poli?ticas pu?blicas que atendessem a?s demandas populares foi a primeira canetada de Michel Temer. Como entender este ato que representa a implosa?o da comunicac?a?o entre governo e sociedade civil?

Obviamente, a extinção destes Ministe?rios e? para mostrar que este Governo e este golpe sabem muito bem a que vieram. Esta? absolutamente claro que os cortes nos Ministe?rios foram exatamente em todos os Ministe?rios que respondem a?s pautas dos Movimentos Sociais. Alia?s, a ministra da Igualdade Racial, Nilma Gomes, que foi minha po?s-doutoranda, uma das mais brilhantes que tive e cuja poli?ticas estive a acompanhar de muito perto e? um bom exemplo do que efetivamente acaba de passar no Brasil. Por isso, e? muito importante notar que, quando a direita conservadora entra no poder, ela entra com uma viole?ncia enorme, no sentido de apagar o mais rapidamente possi?vel a memo?ria de tudo que se passou em tempos mais recentes. Vejam o que aconteceu com o Macri, porque a estrate?gia e? global. Em tre?s semanas, alterou a legislac?a?o que praticamente anulou todas as conquistas sociais que o governo peronista de Cristina tinha desenvolvido nos u?ltimos anos. E? exatamente isto que vai se passar agora. Qual o problema dos argentinos? E? que o Macri ganhou as eleic?o?es e, portanto, houve uma divisa?o na sociedade. Isto fez com que os movimentos sociais ficassem paralisados.

No Brasil, na?o. Uma presidente ganhou as eleic?o?es, a direita na?o gosta do resultado das eleic?o?es e comec?a a desestabilizar. Poucos meses depois de a presidente ser eleita, pedem o impeachment dela. E? como eu disse e tenho escrito : temos, neste caso do Brasil, talvez a poli?tica mais honesta da Ame?rica Latina que foi impedida pelos poli?ticos mais corruptos. Isto nunca tinha acontecido. E? uma coisa nova e, portanto, os movimentos sociais esta?o a tomar conta disso. Eu acho que no?s, neste momento no Brasil, temos uma se?rie de movimentos, realmente uma frente unida, mas com suas especificidades. Tem alguns movimentos mais pro?ximos do PT, outros esta?o mais independentes, no aspecto mais amplo da esquerda. De um lado, o MST; do outro, o MTST, que sa?o distintos – eu, alia?s, trabalho com ambos. Esta?o nesta frente tambe?m os movimentos quilombolas, os movimentos indi?genas; todos esta?o muito ativos. E eu penso que, para efeito internacional e interno, esta mobilizac?a?o deve se manter.

Qual e? o nosso problema? Como sou cidada?o honora?rio das universidades de Sa?o Paulo e Porto Alegre, eu falo como se fosse brasileiro. E? assim que me sinto neste momento. Eu acho que, neste momento, realmente o grande problema que no?s enfrentamos e? que a mobilizac?a?o popular na?o e? sustenta?vel ao longo de muito tempo com o mesmo dinamismo. Isto e?, as pessoas a certa altura cansam, o processo do impeachment vai durar seis meses e na?o e? cri?vel que se mantenha o mesmo ni?vel de mobilizac?a?o. Na?o quer dizer que ela na?o se mantenha, mas temos que lutar muito para que ela se mantenha. Eu penso que vai ser muito importante manter esta pressa?o. Neste momento, quando voce?s me perguntam onde esta?o as vias de luta poli?tica, na?o ha? outra via se na?o a via popular, da luta social na rua, nas organizac?o?es. Veja como alguns dos ministros e alguns dos secreta?rios foram recebidos quando entraram: os pro?prios servidores os insultaram. Portanto, esta desestabilizac?a?o dos desestabilizadores e? fundamental. Ela tem que se manter e, portanto, acho que ha? va?rias estrate?gias que devem ser adotadas no sentido de manter esta mobilizac?a?o em alto ni?vel para poder continuar a fazer pressa?o. Na?o uma pressa?o sobre o congresso, porque realmente como voce?s dizem e muito bem, este congresso na?o representa de maneira nenhuma o Brasil, e isto e? o que nos devemos pensar para o futuro. Ou seja, e? preciso uma reforma poli?tica.

Portanto, eu acho que vai ser necessa?rio manter acesa a luta social, mante?-la unida pela democracia. Pois, quando os movimentos se unem e? pela democracia. Como sabem – e talvez voce?s acompanhem o meu trabalho – eu fiz va?rias cri?ticas a? presidente Dilma obviamente. Acho que a presidente Dilma na?o estava preparada para esta situac?a?o, de maneira nenhuma. Ela foi uma escolha pessoal do presidente Lula e, portanto, na?o me admiro que o presidente Lula considere que esta? a passar por uma derrota pessoal. Porque foi realmente uma escolha pessoal de algue?m que sai da preside?ncia com 80% de aceitac?a?o e, portanto, pensa que os pro?ximos quatro anos sera?o anos de bonanc?a, sera?o anos tranquilos, mas na?o foi isso. Dilma cometeu erros enormes, sobretudo no ini?cio do segundo mandato ao fazer as poli?ticas de austeridade que no?s conhecemos e ao nomear para as financ?as o Levy. Portanto, o que une os movimentos neste momento e? a luta pela democracia, na?o e? luta pelo governo do PT. E isso parece-me que e? o importante, isso pode unir as pessoas.

E esperamos que esta unidade se mantenha, porque o que vem por ai em termo de legislac?a?o, pelas medidas que voce?s aqui mencionam (como as pautas conservadoras do Congresso) e que obviamente te?m toda raza?o, ha? muitas outras que esta?o na calha. Notadamente, a legislac?a?o sobre as empresas pu?blicas. A proposta que ja? esta? no Senado e? para que as empresas pu?blicas funcionem como empresas privadas. A independe?ncia do Banco Central e? outra, e fundamentalmente da proposta do pre?-sal. Retirar da Petrobras o fato de ter 30% da reserva do pre?-sal e abrir isso ao mercado internacional, eles querem tirar isso. Agora fac?am a ligac?a?o, porque os irma?os Koch sa?o os grandes industriais do Petro?leo nos Estados Unidos. Sa?o os que esta?o, por exemplo, por tra?s do fracking nos EUA e na Argentina. Portanto, eles te?m muito interesse econo?mico em receber este recurso.

Quando o senhor afirma que a mobilizac?a?o social e? quase o u?nico caminho, surge uma questa?o incontorna?vel. Qual e? a possibilidade de acionar recursos juri?dicos internacionais ?

Eu acho que va?rias medidas podem ser tomadas, e eventualmente esta?o a ser tomadas. Por exemplo, eu mesmo tomei uma iniciativa no a?mbito do Fo?rum Social Mundial de criarmos um tribunal e?tico internacional. Isto esta? a causar muita pole?mica dentro do Fo?rum porque as correntes dominantes na?o querem assumir uma posic?a?o direta em nome do Fo?rum. E? um debate que eu tenho com o Chico Whitaker, e penso que vou perder este debate. Pelas informac?o?es que tenho ate? hoje, a maioria das pessoas na?o quer que Fo?rum Social Mundial aparec?a como criador de um tribunal e?tico. Eu penso que isto e? uma derrota enorme. E fac?o aqui uma cri?tica porque sou uma das pessoas que esteve no FSM desde o ini?cio e sinto que e? a sentenc?a de morte do FSM se na?o tomar nenhuma medida nesta situac?a?o em que esta? o pai?s, que, no fundo, deu ao mundo o FSM, que foi o Brasil.

Esta recusa se da? por causa das poli?ticas do PT?

Na?o, e? uma poli?tica que surge como medida juri?dica, isto e?, aparece fundamentalmente como desrespeito pela regra do Fo?rum. Segundo os princi?pios, o Fo?rum na?o toma posic?o?es poli?ticas sobre a agenda internacional. Eu sou membro do conselho internacional e venho lutando pela mudanc?a dessas regras. Bem, tudo leva a crer que as regras na?o sera?o mudadas. Em segundo lugar, eu penso que o Tribunal Interamericano de Direito Humanos, a corte, a comissa?o e o tribunal podem eventualmente ser chamados a se pronunciarem sobre a ilegitimidade deste governo. Eu penso que ha? uma intenc?a?o de apresentar uma queixa na comissa?o internacional, sena?o mesmo no tribunal dos direitos humanos, porque o pro?prio presidente da comissa?o ja? mostrou suas reservas ao que esta? a passar no Brasil. E por outro lado, um dos jui?zes mais prestigiados da corte, que e? o juiz Raul Zaffaroni, da Argentina, tambe?m se mostrou complemente adepto disso.

Em terceiro lugar, eu penso que os estudantes mobilizados, os trabalhadores, os imigrantes, todos os que esta?o fora do Brasil deviam, neste momento, fazer dois tipos de ac?a?o. Um movimento de pressa?o sobre as embaixadas, manifestac?o?es na embaixada do Brasil, por todos os meios paci?ficos. E, por outro lado, ac?o?es junto aos ministe?rios dos governos estrangeiros destes pai?ses. Ac?o?es orientadas, praticamente dia?rias e eventualmente um acampamento, como se faz muitas vezes. Enfim, e? preciso ac?a?o que eu chamo de extra institucional neste momento. E junto das embaixadas para que isso possa trazer algum impacto mesmo midia?tico. Penso que as mi?dias internacionais esta?o realmente perturbadas com a agressividade do golpe e a agressividade da Globo. O Guardian deu uma mate?ria em que tornou claro que os jornalistas se sentiam enganados pela Globo. Na medida em que a Globo parecia que estava a transmitir distu?rbios, estava efetivamente a provocar distu?rbios. Vindo do Guardian, e? uma grande condenac?a?o. Enta?o, a mi?dia esta? divida e penso que ac?o?es inteligentes aqui na Europa, sobretudo, podem ter algum impacto.

Portanto, a vossa responsabilidade aqui e? manter esta dina?mica absolutamente forte para aguentar, porque nos movimentos de rua e nos movimentos extra institucionais na?o podemos estar todos mobilizados ao mesmo tempo. Mas, todos nos ajudamos uns aos outros na mobilizac?a?o. Isto e?, se souberem no Brasil que os estudantes e imigrantes etc aqui de Paris se juntam para fazer uma ac?a?o junto a? embaixada e junto aos ministe?rios dos governos estrangeiros, isso vai animar quem esta? no Brasil. Ou quem esta? em Portugal, quem esta? na Espanha, etc. Voce?s te?m que na?o so? fazer estas ac?o?es como torna?-las conhecidas. Portanto, acho que isso e? que tem ser feito : uma rede internacional de apoio.

Frente a? crise das instituic?o?es, acreditamos que o sile?ncio e a participac?a?o subjetiva do judicia?rio foram fundamentais para sustentar as bases do golpe. Qual a sua avaliac?a?o do dano que o Judicia?rio brasileiro causou ao Brasil ?

E? evidente que o judicia?rio e? uma instancia conservadora. O judicia?rio tem um desempenho extremamente desigual dentro do Brasil. No?s tivemos, no passado, alguns momentos em que o judicia?rio parecia estar ao lado dos movimentos. Vemos algumas deciso?es progressistas ate? do tribunal no que diz respeito a? reintegrac?a?o de posse no caso das ocupac?o?es do MST, por exemplo no passado em Pontal do Paranapanema. Mas, e? evidente que a grande maioria e a instituic?a?o por si pro?pria e? conservadora. Ainda que conservadora, mante?m mesmo assim alguma ideia de primado do direito. E para saber que a direita na?o quer o primado do direito, mesmo um primado do direito conservador, vemos o que tem sido tentado aprovar no congresso do Brasil, que a concessa?o da terra aos povos quilombolas e indi?genas saia do STF e passe para o congresso, o que significa que nunca mais nenhuma terra sera? concedida. Portanto, a direita nem sequer no STF merece confianc?a. O STF que e?, no fundo, a cu?pula do sistema. Agora, o grande problema e? que sendo uma instituic?a?o conservadora como e?, ela e? muitas vezes presa de uma politizac?a?o excessiva, o?bvia, repugnante, como foi o caso do Se?rgio Moro. Um juiz de primeira insta?ncia que realmente assumiu como justiceiro privado a Lava Jato, tomando medidas, algumas delas ilegais e inconstitucionais. E aqui e? que se nota o cara?ter conservador do sistema, pois ele na?o foi disciplinado por irregularidades que cometeu, como por exemplo grampear o telefone da presidente.

Voce?s se recordam do clamor que houve no Brasil quando o presidente Obama e a NSA tinham grampeado o telefone da Dilma. Bem, agora um juizinho de Curitiba o faz e na?o acontece nada. Quer dizer e? um esca?ndalo o que se passou. Por outro lado, obviamente que e? totalmente seletivo, porque nunca houve tanta luta contra a corrupc?a?o como nos governos do PT. A corrupc?a?o obviamente atinge sobretudo o PSDB e o PMDB, mas a seletividade da investigac?a?o esta? sobretudo em cima do Lula e da Dilma e de algumas pessoas do PT. E e? evidente que tudo isto faz parte da jogada do impe?rio. Voce?s viram que o Se?rgio Moro foi considerado um dos li?deres mais influentes do mundo, um dos novos li?deres pela Time. Ora bem, a Time atua com a Globo. Ou seja, o imperialismo norte-americano perfeitamente organizado para criar uma nova lideranc?a poli?tica no Brasil. Eventualmente, um presidente daqui alguns anos, porque a pro?pria direita sabe que a maior parte de seus poli?ticos e? corrupta. Michel Temer na?o sera? mantido, ele esta? ali para fazer o servic?o do golpe. Depois ?, e? evidente que o mandam embora a qualquer momento. No?s na?o temos de fato, neste momento no Brasil, qualquer garantia juri?dica forte contra um golpe desta natureza. Portanto, so? ha? a pressa?o da rua.

Sobre o tempo de vida desse golpe, nos parece que ha? uma expectativa por parte da populac?a?o de que se realizem novas eleic?o?es para reconquistar a democracia. Na sua avaliac?a?o, qual a nossa perspectiva de futuro se na?o conseguirmos reverter este Golpe antes de seis meses?

E? evidente que a pressa?o das ruas deve ser a ma?xima pressa?o durante o peri?odo do julgamento do impeachment, nestes seis meses. Ha? va?rias possibilidades, e todas elas te?m vindo a ser discutidas pelos movimentos. Uma dela foi a possibilidade de uma emenda constitucional para novas eleic?o?es muito em breve, no outono por exemplo, depois de se criar uma situac?a?o de ingovernabilidade no pais que fac?a com que a u?nica soluc?a?o seja realmente novas eleic?o?es. E que pode ate? ser que a direita ganhe. Mas se a direita e? inteligente, pode ser uma direita inteligente, penso que se for as eleic?o?es provavelmente ganhe e assim se pacifica. Portanto, pode haver uma alianc?a na?o so? do movimento popular, mas de algumas forc?as conservadoras para fazer um projeto eleitoral. Eu penso que se continuar a mobilizac?a?o popular na?o vai ser possi?vel aguentar ate? 2018 sem outra consulta popular. E? o melhor que pode acontecer no Brasil.

Agora, o problema e? perceber que esta e? a proposta mi?nima, isto e?, eleic?o?es antes de 2018. Acho que e? fundamental para pacificar o pais e restaurar a democracia. Mas e? um programa mi?nimo, porque o programa ma?ximo seria uma assembleia constituinte origina?ria. Isto e?, fazer uma assembleia constituinte, fazer uma eleic?a?o para uma assembleia que fizesse uma revisa?o da constituic?a?o, que e? o que esta? neste momento a ser pedido para uma reforma poli?tica. Porque se vamos fazer novas eleic?o?es sem mudar o sistema poli?tico, vamos ter o mesmo. Portanto, a bala, o boi e a bi?blia va?o continuar a dominar porque sa?o eles que te?m dinheiro para colocar seus capangas no congresso. Portanto, deveria haver uma reforma poli?tica. Agora, ha? realmente espac?o poli?tico para pedir esta reforma, e uma assembleia? Provavelmente na?o. Alia?s, eu tenho dito que uma assembleia constituinte num momento de grande crise social e? complicado. Portanto, o melhor e? isso, a pressa?o, no meu entender acho que muito importante na frente popular, uma pressa?o para que haja eleic?o?es, um processo eleitoral antes de 2018.

Aproveitando que voce? esta? aqui em Paris para uma confere?ncia sobre Epistemologias do Sul, gostari?amos que voce? nos ajudasse a pensar o que pode acontecer com a inversa?o das vozes que dete?m o poder e o espac?o de fala, como acontece com a presenc?a dos negros nas universidades, ocupando lugares de destaque e de tomadas importantes de decisa?o, de quilombolas lutando pelo reconhecimento de sua ancestralidade, ou dos indi?genas que se organizam para defender suas terras e seus saberes. Isso e?, de algum modo, a atualizac?a?o de seu conceito?

Basicamente, as Epistemologias do Sul sa?o uma proposta que temos vindo a fazer no sentido de valorizar o conhecimento nascido na luta. E? justamente disso que estamos falando ate? agora, dos movimentos sociais e daqueles e daquelas que se mantiveram invisi?veis, ocultos, marginalizados ao longo da histo?ria. Isto e?, os vencidos, digamos assim, dos tre?s grandes modos de dominac?a?o contempora?nea: o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado. E fundamentalmente, a minha proposta de Epistemologias do Sul e? fortalecer esta resiste?ncia e lhe dar valor epistemolo?gico, ou seja, os conhecimentos nascidos na luta sa?o isso.

Portanto, o meu trabalho intelectual na?o tem nenhuma influe?ncia direta, nem quero que tenha diretamente aos movimentos. Eu sou aquele que esta? na retaguarda, eu aprendo com os movimentos. E, naturalmente, posso ajudar com as minhas posic?o?es. Mas e? evidente que a energia, a forc?a epistemolo?gica que venham dai?, dos movimentos indi?genas, dos movimentos quilombolas, das mulheres. Sa?o eles que nos te?m ensinado muito sobre aquilo que, depois, aparece como epistemologias do sul. E? uma tentativa de criar um paradigma na?o- euroce?ntrico na relac?a?o filoso?fica, epistemolo?gica e teo?rica.

E? nisto que estamos. E, hoje, cada vez mais as pessoas esta?o a absorver esse conceito que e? central, de ecologia dos saberes, e junto aos saberes universita?rio, acade?mico que obviamente todos no?s reconhecemos, mas que ele na?o e? u?nico. Ha? outros saberes e eles te?m que se articular com outros saberes.

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Movimento Democrático 18 de Março (MD18) nasceu da luta contra o golpe de Estado no Brasil. Sediado em Paris, e com grande presença de pesquisadores, professores universitários, artistas e militantes de movimentos sociais, o movimento propõe ampliar a reflexão sobre as possibilidades da esquerda na atual conjuntura de crise. É com esse objetivo que o MD18 inaugura uma série de entrevistas com intelectuais, artistas e militantes de diferentes horizontes, que visam ampliar o debate sobre as formas de resistência que podem e devem advir. O projeto se inicia com a participação de grandes pensadores da esquerda como Michael Löwy, Boaventura de Sousa Santos, Nancy Fraser e Anselm Jappe, além de contar com a colaboração de inúmeros intelectuais brasileiros. As entrevistas serão disponibilizadas em português e em francês no site do MD18: http://www.md18.org/

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Boaventura de Sousa Santos é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. Atualmente dirige o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordena o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Pela Boitempo, publicou Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (2007). Colabora para o Blog da Boitempo esporadicamente.

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