Escola sem partido & Ferraduras mentais – lembrança de Oswald de Andrade

Charge: Vitor Teixeira

Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista de política do Cafezinho.

As “ferraduras mentais”, todo mundo sabe, era uma expressão que Oswald de Andrade empregava vez ou outra contra seus desafetos. Nelson Rodrigues foi uma das vítimas desses coices e quando inventou seu ditado mais popular no Rio – “A pior forma de solidão é a companhia de um paulista” –, é provável que estivesse com a ferradura de Oswaldo em mente.

Mais o que importa é: ao ler sobre a escola sem partido, lembrei das ferraduras mentais. E como uma coisa puxa outra, além de Oswald, não pude esquecer de um fato ocorrido com o recém-empossado Mendoncinha, atual ministro da educação. No dia seguinte a posse, ele recebeu a visita de ninguém menos que Alexandre Frota, que falava em nome da intelligentsia golpista.

Frota encontrou o ministro e justificou esse encontro dizendo que havia ido entregar em mãos o projeto escola sem partido. Naquela época, escrevi um artigo com o título Um desenho para entender o governo Temer – Alexandre Frota.

Outro dia, para minha felicidade, alguém me mandou a entrevista de Alexandre Frota dada a coluna de Mônica Bergamo (26 de maio). Entre as muitas passagens involuntariamente cômicas, está essa em que o ex-ator pornô justifica a opção pelo nu artístico:

“Como se isso [ser ator pornô] fosse um crime, né? Não é crime nenhum. Isso foi uma escolha minha, e as pessoas se pegam nisso achando que vão me incomodar ou que vão me tirar do meu caminho. (…) Se eu tivesse do lado deles, eles jamais estariam falando sobre isso. Tem 11 anos que eu fiz isso e se eu quisesse esconder eu não teria feito.”

Frota além de bom ator, é um criador de paradoxos inusitados. De fato, ele diz que se quisesse esconder não teria feito. Esquece apenas um detalhe: que se não tivesse feito, não precisaria esconder.

A escola sem partido se parece com Frota, também não quer esconder nada. É escola como set de gravação de filme pornô. Uma escola sem pensamento, sem liberdade de opinião, sem discussão sobre normas e política (no sentido de Habermas), ou seja, sobre aquilo que decide a luta contra as coerções em favor da emancipação humana, é sem dúvida uma escola obscena. Na base da falsa preservação de valores tradicionais, os defensores querem criar a pornografia educativa. Nada menos.

O projeto de lei da escola sem partido, como tal, é proposta abaixo da linha do decoro intelectual, e não creio que mereça maior discussão. Seu nível desprezível não espanta, vindo das fileiras dos apoiadores do golpe. Por isso, discuti-la seria como entrar em luta corporal com umas das manchetes hediondas do Yahoo Notícias ou da Veja, ou seja, se bater contra o fim de feira da degradação.

No entanto, no caso desse projeto de lei da escola sem partido, do ponto de vista do mero bom senso, é preciso respeitar, quase reverenciar, a nitidez das cores com que se apresenta. Ele expressa muito bem o abismo que divide hoje, mas que vem de muito tempo, o país em dois mundos, enfim, nos “dois Brasis” sobre os quais já se gastou tanta tinta, seja para afirmar ou negar.

Dessa vez, contudo, a coisa parece ser mais grave e mais trágica: os políticos que propõe um projeto tão aberrante como esse da escola sem partido, não estão preparados para dirigir a prefeitura de uma cidade com mil habitantes. Mas eles hoje controlam o executivo e o legislativo do país. Onde as ferraduras mentais podem nos levar?

Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.

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