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O crônico problema da superpopulação carcerária. Por Leonardo Isaac Yarochewsky

Por Leonardo Isaac Yarochewsky, no Empório do Direito Dos inúmeros problemas do falido e desgraçado sistema penitenciário brasileiro, um tem se mostrado, ao longo dos anos, crônico e sem aparente solução: a superpopulação carcerária. Em razão da superlotação carcerária vários outros problemas emergem do já exaurido sistema penal. Violência, abusos sexuais, mortes nas prisões, rebeliões, […]

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Por Leonardo Isaac Yarochewsky, no Empório do Direito

Dos inúmeros problemas do falido e desgraçado sistema penitenciário brasileiro, um tem se mostrado, ao longo dos anos, crônico e sem aparente solução: a superpopulação carcerária.

Em razão da superlotação carcerária vários outros problemas emergem do já exaurido sistema penal. Violência, abusos sexuais, mortes nas prisões, rebeliões, casos de corrupção etc. são uma praxe.

Em 1985, Arminda Bergamini Miotto já alertava sobre o problema da superpopulação carcerária nas grandes penitenciárias, como um dos fatores de incremento da reincidência. Segundo a autora: “nas penitenciárias de grande porte, geralmente situadas na região da capital para onde convergem todos os condenados da respectiva Unidade da Federação, lotando-as e superlotando-as, as circunstâncias fazem com que a situação seja essa, ainda que a administração entenda que deva ser diferente e deseje que possa sê-lo. Sem falar no que, ademais, costuma acontecer numa penitenciaria de grande porte, provavelmente superlotada, aí está uma relevante explicação para o tão grande número de reincidentes entre os egressos”.  [1]

De igual modo, observa Maria Lúcia Karam que grande parte dos “homicídios brutais, entre os próprios presos, nasce da convivência forçada, que faz com que qualquer incidente, qualquer divergência, qualquer desentendimento, qualquer antipatia, qualquer dificuldade de relacionamento, assumam proporções insuportáveis. O desgaste da convivência entre pessoas, que, eventualmente, não se entendam, aqui é inevitável. As pessoas que não se ajustam, os inimigos são obrigados a se ver todos os dias, a ocupar o mesmo espaço, o que, evidentemente, acirra os ânimos, eleva a tensão, exacerba os sentimentos de ódio, levando, muitas vezes, a que um preso mate outro, por motivos aparentemente sem importância”.[2]

A população carcerária brasileira foi a segunda que mais cresceu no mundo na última década, ficando apenas atrás da Indonésia. Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciária – INFOPEN – Junho de 2014,  entre 2000 e 2014, a taxa de aprisionamento aumentou 119%.  Em 2000, havia 137 presos para cada 100 mil habitantes. Em 2014, essa taxa chegou a 299,7 pessoas. Caso mantenha-se esse ritmo de encarceramento, em 2022, a população prisional do Brasil ultrapassará a astronômica marca de um milhão de indivíduos. Em 2075, uma em cada dez pessoas estará presa.

Hoje, com cerca de 700 mil presos, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do planeta. Chama atenção que cerca de 40% deste total – mais de 250 mil presos – são presos provisórios, que ainda não foram condenados. A grande maioria dos presos provisórios está encarcerada há mais de 100 dias, alguns há anos, aguardando julgamento.

É inconcebível, diante do princípio da presunção de inocência – ainda que mitigado pelo STF – que em determinados estados da Federação, como o Estado do Amazonas, por exemplo, o número de presos provisórios ultrapasse o número de presos condenados definitivamente.

Não é despiciendo lembrar que a prisão provisória – prisão sem pena –  gostem ou não,   é medida de exceção, extrema e excepcional. Não pode se constituir a prisão cautelar em antecipação da tutela penal – execução provisória da pena –, também, não deve ter caráter de satisfatividade, como aliás já decidiu o próprio STF.

Necessário lembrar que a prisão preventiva somente deve ser decretada ou mantida em casos excepcionais e, mesmo assim, quando não há outra medida de caráter menos aflitivo para substituí-la (Lei 12.403/11).

Em seu estimulante e indispensável “Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos”, Alexandre Morais Da Rosa, a partir da teoria dos jogos, assevera que “as medidas cautelares podem se configurar como mecanismos de pressão cooperativa e/ou tática de aniquilamento (simbólico e real, dadas as condições em que são executadas). A mais violenta é a prisão cautelar. A prisão do indiciado/acusado é modalidade de guerra como ‘tática de aniquilação’, uma vez que os movimentos da defesa vinculados à soltura”. [3]

Não é menos grave o fato de que nas penitenciárias brasileiras encontram-se várias pessoas condenadas por crimes de bagatela ou por tráfico de drogas, em razão da equivocada aplicação da lei de drogas que, também, não distingue como deveria o referido crime. Segundo os dados do INFOPEN – junho de 2014 – o tráfico de drogas, 27% dos crimes informados, é o de maior incidência, seguido pelo roubo, com 21%. No que diz respeito ao “tráfico”, a maioria destas pessoas condenadas ou presas provisoriamente, na verdade, não passam de meros usuários ou pequenos “traficantes” que muitas vezes sem intenção de lucro ou de meio para sua subsistência cedem pequena quantidade de droga a terceiros. Só aí, são cerca de 40 mil pessoas que poderiam estar cumprindo suas penas fora da prisão.

Diante deste cenário sombrio, chega a ser uma ofensa o discurso do populismo penal da impunidade. Como bem adverte Ricardo Genelhú, o discurso da impunidade tem servido muito mais para “justificar, ratificar ou manter a exclusão dos invisíveis sociais, tragicamente culpados e, por isso, incluídos por aproximação com os inimigos, do que para demonstrar a flibilidade seletiva e estrutural do sistema penal antes e depois que um crime é praticado, ou enquanto se mantiver uma reserva delacional publicizante, seja porque inafetadora do cotidiano privado, seja porque indespertadora da cobiça midiática”.[4]

Infelizmente, o caráter fragmentário e subsidiário do direito penal e de que a pena somente deveria ser aplicada como ultima ratio, como remédio sancionador extremo, vem sendo esquecido e atropelado pela sanha punitivista. Repita-se, a prisão – monstruosa opção – deve ser o último recurso do Estado na contenção da criminalidade e, mesmo assim, somente empregada para casos extremados onde não há outro remédio, menos danoso, para o indivíduo e para a sociedade. Enquanto o Estado e a sociedade não entenderem desta forma, presos vão continuar sendo tratados indevidamente, indignamente, em completa desatenção aos direitos fundamentais da pessoa humana.

Belo Horizonte, 12 de agosto de 2016.


Notas e Referências:

[1] MIOTTO, Arminda Bergamini. O controle social sob o ponto de vista criminológico. A prevenção da reincidência. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 22, out/dez. 1985.

[2] KARAM, Maria Lúcia. Dos crimes, penas e fantasias. Niterói: Luam, 1991.

[3] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria do jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

[4] GENELHÚ, Ricardo. Do discurso da impunidade à impunização: o sistema penal do capitalismo brasileiro e a destruição da democracia. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal da PUC Minas, Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP)

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