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Relatório da ONU denuncia abusos policiais e superlotação de presídios no Brasil

Relatório da ONU entregue ao governo federal no ano passado alertava as autoridades brasileiras sobre os problemas dos presídios. Documento também apresentou abusos cometidos pela PM e a ineficiência do Instituto Médico Legal (IML). Na ONU Relatório da ONU alertou governo federal em novembro sobre problemas nos presídios do país O documento também relatou abusos cometidos pela Polícia Militar […]

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Relatório da ONU entregue ao governo federal no ano passado alertava as autoridades brasileiras sobre os problemas dos presídios. Documento também apresentou abusos cometidos pela PM e a ineficiência do Instituto Médico Legal (IML).

Na ONU

Relatório da ONU alertou governo federal em novembro sobre problemas nos presídios do país

O documento também relatou abusos cometidos pela Polícia Militar (PM) contra suspeitos fora das prisões, assim como ineficiências do Instituto Médico Legal (IML) no registro desses abusos.

Um relatório de especialistas das Nações Unidas entregue ao governo federal no ano passado já alertava as autoridades brasileiras sobre os problemas dos presídios que acabaram levando ao massacre de Manaus (AM) no início deste mês. Os relatores citaram frequente ocorrência de tortura e maus-tratos nas prisões, superlotação e controle das unidades penitenciárias por facções criminosas com a permissão tácita do Estado.

Especialistas do Subcomitê sobre a Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes (SPT) das Nações Unidas visitaram 22 locais de detenção no Rio de Janeiro, Manaus, Recife e Brasília entre 19 e 30 de outubro de 2015. O documento produzido por eles foi entregue às autoridades brasileiras em 25 de novembro de 2016.

O relatório — divulgado na terça-feira (10) pela Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça — faz um relato das condições nos presídios e recomenda que o Estado brasileiro observe padrões mínimos estabelecidos pelos instrumentos protetivos internacionais. O país tem seis meses para informar à ONU as ações tomadas para implementar as recomendações.

Segundo o documento, os detentos são frequentemente impedidos de registrar queixas sobre tortura e maus-tratos nos presídios devido a medo de represálias. De acordo com os especialistas, “há uma atmosfera geral de intimidação e repressão nos presídios visitados”.

“Em muitas prisões, o subcomitê recebeu relatos de que detentos são frequentemente levados por outros presos a determinadas celas e áreas onde são alvo de tortura. Em diversas penitenciárias, os presos são transferidos para solitárias devido a ameaças de outros detentos, incluindo membros de facções criminosas que exercem abertamente o controle das prisões”, afirmou o relatório.

Em algumas unidades prisionais do Rio de Janeiro, o subcomitê recebeu relatos de violência física (chutes e socos no rosto, espancamentos) e sérias ameaças verbais promovidas pelos agentes carcerários. Os presos também relataram forte medo de que seriam atacados caso decidissem denunciar os maus-tratos.

Segundo o documento, em diversas unidades prisionais visitadas, detentos que não foram julgados eram colocados nas mesmas celas de condenados. “O subcomitê está profundamente preocupado com a falta de esforços consistentes em documentar e investigar as alegações de tortura e as mortes que ocorrem nas prisões”, disse o relatório da ONU. Segundo o documento, metade dos 565 indivíduos que morreram em privação de liberdade em 2014 no Brasil foi assassinada.

“A ausência de investigações rápidas e imparciais desses atos violentos nos presídios encorajam a cultura da violência e da impunidade, destrói a confiança no Estado de direito e diminuem as chances de reabilitação e reintegração na sociedade”, afirmaram.

O subcomitê recomenda que as autoridades brasileiras redobrem seus esforços no combate aos maus-tratos, implementando um sistema de investigação, combatendo a impunidade e promovendo a ética no treinamento de funcionários das penitenciárias com ênfase em direitos humanos.

Disseram ainda estar profundamente preocupados com a falta de controle do Estado sobre as penitenciárias, tendo observado estruturas de “autogovernança”, com autoridades delegando tarefas a detentos.

“Em alguns Estados, os detentos conhecidos como ‘chaveiros’ podiam abrir celas e portas de acesso entre os pavilhões, monitorando e mantendo controle de fato sobre eles, encarregando outros detentos de atividades como limpeza e distribuição de comida”, disseram os relatores, citando casos de presos que puniam outros detentos com menos poder dentro das penitenciárias.

A autogovernança de presídios parece estar ligada à prevalência de facções criminosas nesses estabelecimentos, de acordo com os relatores, segundo os quais essa situação ocorre com a permissão tácita do Estado.

Superlotação

Os especialistas da ONU informaram ainda que, assim como em visitas anteriores ao país, foi detectada preocupante superlotação nos presídios. De acordo com dados de 2014 do governo federal, a taxa de ocupação nas prisões do país fica na média de 161%, aumentando muito em algumas unidades prisionais.

O documento chegou a citar as condições do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, onde uma chacina deixou 56 mortos no início deste mês.

“O subcomitê está profundamente preocupado com os incidentes de violência extrema, incluindo homicídio, ocorrendo entre detentos em unidades superlotadas. O subcomitê nota que a superlotação aumenta os níveis de estresse dos presos, forçando-os a competir por espaço limitado e recursos, o que resulta em comportamento agressivo e maior risco de violência contra não apenas detentos, mas funcionários”, disseram.

“Apesar das recomendações feitas em 2012, a superlotação das unidades de detenção brasileiras permanecem problemáticas. Por exemplo, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim em Manaus, que tem capacidade para 450 presos, havia 1.203 na época da visita (dos especialistas da ONU)”, disseram.

Os especialistas lembraram que, em 2002, no mesmo presídio de Manaus, 12 presos foram assassinados dentro da penitenciária e, em julho de 2015, um detento foi decapitado logo depois de chegar à prisão.

O subcomitê visitou a Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, uma prisão em Manaus para detentos que ainda não foram julgados, e que abrigava 691 indivíduos, bem acima de sua capacidade de 250. Similarmente, o Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Lima (COTEL) em Recife tinha 2.473 presos, mais de duas vezes sua capacidade máxima.

“Em algumas unidades, o subcomitê observou tratamento desumano e degradante na forma de superlotação severa combinada com condições materiais precárias, falta de água limpa e ventilação”, disse o documento. “Havia uma atmosfera de medo de violência e falta de acesso a atividades diárias”, completou.

De acordo com os especialistas, a superlotação compromete a saúde física e mental dos presos, assim como sua dignidade, sujeitando-os a um crescente risco de doenças infecciosas e estresse, com reduzido acesso a serviços médicos.

O documento pede que as autoridades redobrem seus esforços para reduzir a superlotação nas prisões, e pede que o subcomitê seja informado sobre medidas específicas para obter progressos nessa área.

Abusos policiais

O subcomitê da ONU também afirmou estar profundamente preocupado com os diversos relatos de atos de violência perpetuados pela Polícia Militar no país.

Segundo os relatores, houve relatos de que oficiais da PM, incluindo da unidade especializada Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (ROÇAM), usam força desproporcional para realizar prisões — adotando spray de pimenta, balas de borracha, cassetetes, armas de choques elétricos e sacolas plásticas colocadas na cabeça dos detidos, às vezes por períodos prolongados. Os especialistas afirmaram que esses métodos podem constituir tortura ou tratamento cruel e degradante.

Em um relatório de 2012, o subcomitê já havia manifestado preocupação em relação às alegações de tratamento cruel de detentos e condições desumanas de transporte. O órgão recebeu acusações de que os presos eram colocados em veículos superlotados com pouca ou nenhuma ventilação e eram algemados em posições desconfortáveis. Essas condições persistem, de acordo com os especialistas.

Os relatores também receberam diversos relatos de preocupante uso da força por unidades especializadas da Polícia Militar durante operações dentro das prisões. Em uma unidade, policiais teriam ameaçado detentos, jogado spray de pimenta contra eles, brandido armas e promovido espancamentos e destruição de seus pertences.

Os especialistas foram informados de que tais operações são terceirizadas a uma empresa privada, enfatizando a necessidade de uma supervisão apropriada do Estado de empresas contratadas que realizam funções da polícia e que entram em contato com pessoas privadas de liberdade.

O relatório recomenda a implementação imediata de procedimentos internos para garantir investigações consistentes de acusações de tortura e maus-tratos envolvendo forças policiais, medidas disciplinares apropriadas ou processo criminal quando as investigações revelarem que tais atos foram cometidos.

Segundo os especialistas, são necessários recursos financeiros suficientes para garantir que as forças policiais sejam adequadamente formadas por indivíduos motivados que recebam salários apropriados para suas funções, conforme já havia sido recomendado pelo subcomitê da ONU no relatório de 2012.

Problemas no IML

De acordo com o relatório, a tortura e os maus-tratos cometidos por policiais não são detectados por funcionários do Instituto Médico Legal (IML), onde pretos e detidos são examinados para verificar sinais de tortura.

Em visitas aos IMLs dos estados de Amazonas e Rio de Janeiro, o subcomitê observou que esses exames são realizados de maneira superficial e ineficaz, e os presos não são questionados sobre a causa de seus ferimentos ou a forma com a qual são tratados pelos policiais que os prenderam.

“O subcomitê permanece seriamente preocupado com a falta de independência dos IMLs que, em muitos Estados, são subordinados às autoridades administrativas da polícia ou a secretarias pública de segurança”, afirmaram.

“Esse relacionamento não apenas compromete a autonomia dos médicos forenses como pode impedir que as vítimas de tortura registrem queixas”, completaram, salientando que apesar dos alertas feitos em relatório anterior, nada foi feito para mudar essa situação.

Os especialistas pedem que o Brasil cumpra suas obrigações perante o Protocolo de Istambul das Nações Unidas, que dá as diretrizes para a investigação e documentação eficaz da tortura e outras penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Em nota publicada na terça-feira (10), a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) do Ministério da Justiça e Cidadania afirmou que o relatório dos especialistas da ONU é um “importante instrumento para fortalecer e estimular a adoção de políticas e iniciativas para combater a cultura do encarceramento em massa, fortalecer a institucionalidade do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (instituído pela Lei 12.847/2013) e incorporar novas medidas, como as audiências de custódia e de conciliação, as penas alternativas, entre outras”.

O documento será traduzido para o português pelo Ministério das Relações Exteriores. Clique aqui para acessar a versão em inglês.

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