Efeitos da Lava Jato: número de miseráveis cresceu mais de 1,5 milhão em 2017

A matéria do Valor aborda o “aumento de 11%” da pobreza extrema como quem descreve a queda na produção de soja.

Levantamento da LCA Consultores, a partir dos microdados da Pnad Contínua, divulgada ontem pelo IBGE, mostra que o número de pessoas em situação de extrema pobreza no país passou de 13,34 milhões em 2016 para 14,83 milhões no ano passado, o que significa aumento de 11,2%.

Para notícias como essa, não há chamadas especiais. Não há drones. Não há helicópteros. Não se parece em nada com o tratamento sensacional que se dá à prisão de Lula.

É o tipo de notícia abafada pelas sirenes de polícia que ecooam dia e noite no regime de exceção.

Os bens de Lula foram arrestados, mais uma vez, numa tentativa de asfixiar completamente o ex-presidente. Petistas são presos preventivamente em Uberlândia e Rio de Janeiro, no mesmo momento em que tucanos ganham (mais) blindagem na justiça.

No interior da Bahia, no município de Capim Grosso, um pré-candidato do PSOL é assassinado em casa, em mais uma prova do “avanço civilizatório” preconizado pelo ministro Luis Roberto Barroso.

Dias depois da prisão espetacular de Lula, principal líder da oposição, a Globo (o Valor é da Globo) noticia discretamente que o resultado da “recuperação econômica”, e da operação governamental para “salvar” o país (para usar a terminologia bíblica de Michel Temer) é um aumento dramático da população vivendo abaixo da linha da pobreza.

Sem imagens vivas, sem que isso seja exposto nas novelas das 6, das 7, das 8, sem trilha sonora, sem série na Netflix, sem filmes de ação, talvez seja difícil produzir algum tipo de comoção junto à classe média sobre o que significa um aumento de 11% da pobreza extrema num país como o Brasil, que já é um dos mais desiguais do mundo.

Em termos absolutos, houve um aumento de 1,5 milhão de pessoas na população vivendo em condições de pobreza extrema no Brasil. A Globo não quer saber de coisas um pouco mais prosaicas, como, por exemplo, o grau de insegurança alimentar a que essas famílias estão expostas.

Lembro-me de ler matérias no Washington Post, jornal da direita americana, com longas análises e entrevistas sobre como melhorar o grau de nutrição das famílias americanas que recebiam algum tipo de auxílio social do governo. Aqui no Brasil, a grande imprensa trata os pobres como se eles não pertencessem ao país. Como se vivessem na Somália, muito longe, sob outro governo, outro regime. Não nos interessa saber dos problemas vividos pelos habitantes da Somália.

Os únicos pobres com os quais alguns brasileiros parecem se preocupar, pelo jeito, são aqueles que vivem na Venezuela…

É curioso que a Globo dê uma notícia dessas sem falar com nenhum membro do governo federal, que deveria, naturalmente, ser consultado para que apresentasse algum tipo de solução para o que constitui, efetivamente, uma tragédia social de proporções bíblicas.

Fazer uma matéria desse tipo sem consultar ninguém do governo é como publicar uma reportagem sobre uma tragédia natural sem informar aos leitores que providências estão sendo tomadas pelas autoridades para resolver o problema.

Há algum plano de emergência para conter o aumento da miséria e da fome? Essa pergunta não parece preocupar os editores dos grandes jornais e revistas do país, que por sua vez também não se interessam em informar à população se o governo tem alguma coisa a dizer sobre esse terrível perigo que ronda milhões de famílias brasileiras.

Há algum perigo maior, além da morte, do que cair na pobreza extrema?

Se temos quase 15 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza extrema, isso significa que temos milhões de crianças desnutridas, expostas a violências de toda ordem.

Como se espera resolver o problema da segurança pública no país se estamos expondo milhões de crianças a uma vida horrível, de privações, violências, e desagregação familiar?

Outros números do IBGE, sobre mercado de trabalho, apontam para uma precarização acelerada do emprego. Milhões de pessoas perderam empregos formais e foram empurradas para a informalidade, para serviços domésticos, para o trabalho “por conta própria”, ganhando muito menos do que antes, e com muito menos direitos e segurança.

O fato é que o Brasil que está emergindo da Lava Jato e do golpe é um país infinitamente mais inseguro, mais pobre, mais instável, mais subdesenvolvido, além de governado por um punhado de políticos infinitamente mais corruptos do que aqueles que foram derrubados pelas conspirações jurídico-midiáticas da dupla Lava Jato e Globo.

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No Valor

12/04/2018 às 05h00 27
Pobreza extrema aumenta 11% e atinge 14,8 milhões de pessoas

Por Bruno Villas Bôas | Do Rio

Apesar da queda da inflação e do início de recuperação da atividade econômica, a pobreza extrema continuou se alastrando pelo país em 2017. Levantamento da LCA Consultores, a partir dos microdados da Pnad Contínua, divulgada ontem pelo IBGE, mostra que o número de pessoas em situação de extrema pobreza no país passou de 13,34 milhões em 2016 para 14,83 milhões no ano passado, o que significa aumento de 11,2%.

O avanço da pobreza é considerado um dos grandes retrocessos da recessão econômica, após anos de avanços na área. Segundo Cosmo Donato, economista da LCA, a expectativa era que a retomada econômica fosse capaz de produzir números melhores no ano passado. Um dos fatores por trás da piora, acredita, foi o fechamento de postos com carteira assinada, que têm garantias trabalhistas e pisos salariais.

“No lugar desse emprego, o mercado de trabalho gerou ocupações informais, de baixa remuneração e ganho instável ao longo do tempo. A própria crise fiscal dos Estados afeta indiretamente, ao gerar menos empregos para essa parcela mais pobre da população, que geralmente é menos instruída. Estou falando de postos relacionadas a obras públicas, por exemplo”, disse o economista;

Com o resultado, o contingente de pessoas extremamente pobres representava 7,2% da população brasileira em 2017, acima dos 6,5% no ano anterior.

Para chegar aos números, a consultoria adotou a linha de corte do Banco Mundial para países de nível médio-alto de desenvolvimento, como os da América Latina, de US$ 1,90 de renda domiciliar per capita por dia (corrigido pela paridade de poder de compra). Isso equivale a R$ 133,72 mensais em 2016, segundo cálculos do IBGE. A consultoria atualizou essa linha pelo IPCA, para R$ 136 em 2017.

Todas as regiões exibiram indicadores piores de pobreza. O Nordeste concentrava 55% da população extremamente pobre. No ano passado, eram 8,1 milhões de pessoas na região com renda per capita abaixo de R$ 136, boa parte concentrada na Bahia e em Pernambuco. É um contingente 10,8% maior do que o registrado no ano anterior, ou 800 mil pessoas a mais.

A miséria também cresceu na região mais rica do país, o Sudeste. De acordo com o levantamento da LCA, a região tinha 3,27 milhões de pessoas extremamente pobres no ano passado, 13,8% a mais do que no ano anterior. Houve piora nas quatro unidades da federação que compõem o Sudeste, mas com maior intensidade no Rio e São Paulo, e menor intensidade em Minas Gerais e Espírito Santo.

Donato lembrou que a população mais pobre teve, ao menos, um aliado importante ao longo do ano passado, que foi o ciclo de deflação dos alimentos. Pelo IPCA, o índice que mede a inflação oficial brasileira, os alimentos ficaram 4,85% mais baratos no ano passado, frente ao ano anterior. Itens relevantes caíram de preço, como arroz (-10,9%), feijão-preto (-36,1%), macarrão (-2,91%) e mandioca (-17,30%).

“Os alimentos pesam 25% no orçamento das famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos. Mas estamos aqui falando de famílias que vivem com bem menos do que isso. Os alimentos devem, em muitos casos, ser responsáveis pela maior parte dos gastos dessa população extremamente pobre, às vezes quase a totalidade da renda. Essa queda de preços foi, portanto, um evento importante”, disse Donato.

O cálculo da pobreza extrema considera todas as fontes de renda – trabalho, previdência ou pensão, programas sociais, aluguéis e outras fontes. No ano passado, essa renda recuou tanto para ricos quanto para pobres. Na base da pirâmide, contudo, as perdas foram mais intensas. A parcela dos 5% mais pobres da população brasileira teve um rendimento médio real de R$ 40 por mês em 2017, queda de 18% frente ao ano anterior (R$ 49). No caso da parcela 1% mais rica da população, esse rendimento encolheu menos, em 2,3%, de R$ 15.975 para um ganho médio mensal de R$ 15.504.

Segundo Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, o movimento pode ser explicado por um número menor da renda do trabalho. “A qualidade do emprego foi baixa em 2017, com a redução da taxa de desocupação por meio do trabalho informal”, disse Azeredo, durante divulgação de suplemento especial da Pnad Continua ontem, no IBGE.

A pesquisa mostrou um mercado de trabalho pior do que a pesquisa domiciliar mensal do IBGE vinha apontando. Pela Pnad Contínua mensal, 264 mil pessoas conseguiram ocupação em 2017 e o renda real habitual cresceu 2,4% na média do ano. Ontem, a pesquisa divulgada mostrou que a renda efetivamente recebido de todos os trabalhos recuou 1,36% e 310 mil pessoas a menos tiveram renda do trabalho.

“A diferença está na metodologia das pesquisas, no tamanho da amostra, no período de coleta das informações, no tipo de rendimento [habitual e efetivo], entre outros fatores, além da margem de confiança”, disse Azeredo, para quem a pesquisa mensal seria mais adequada para acompanhar o mercado de trabalho.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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