Precisamos falar sobre Lula

(Gushiken, Lula e Dirceu).

A condenação de Lula é injusta e estamos vivendo um golpe que derrubou uma presidenta honrada, eleita legitimamente por 54 milhões de votos. Tudo estaria melhor se os golpistas tivessem permitido que seu mandato tivesse transcorrido até o final. Talvez vivêssemos ainda algumas turbulências políticas e uma crise econômica, mas nada parecido à catástrofe social que se abateu sobre o país desde o golpe: milhões de brasileiros perdendo o emprego, voltando à miséria e à fome, explosão de violência nas cidades e no campo, descrença generalizada na política e na democracia.

Dito isto, a gente precisa olhar a realidade com frieza e objetividade. Os eleitores de Lula acreditam nas pesquisas e tem brandido, com muito orgulho, o seu desempenho notável nelas.

De fato, a última pesquisa CNT/MDA, feita entre os dias 9 e 12 de maio, e divulgada há poucos dias, mostra que Lula mantém 32% dos votos no primeiro turno, oscilando apenas 1 ponto para baixo sobre a última sondagem, de março, apesar da prisão.

É um número impressionante, e mostra o vigor de uma grande liderança popular, que até hoje é considerada, sobretudo pelos brasileiros mais pobres (mas não só por eles: eu também o considero, por exemplo), como o maior presidente da história do país.

Entretanto, a mesma pesquisa CNT/MDA traz o seguinte número, sobre o qual a direção do PT deve refletir com muita serenidade:

Repetindo: se os petistas acreditam na pesquisa que põe Lula na liderança das intenções de voto, precisa acreditar também nessa sondagem, que mostra que 51% dos brasileiros acham que a condenação de Lula foi “justa”.

Entre estes brasileiros não incluam este analista (eu), que estudou o processo de Lula, que leu atentamente a sentença, e sabe que foi uma condenação injusta. Não incluam também Manuela D’Ávila, Guilherme Boulos e Ciro Gomes, que já se manifestaram claramente sua opinião sobre a sentença: foi injusta.

Mas o fato é que 51%, o que corresponderia a mais da metade da população brasileira, responderam à pesquisa CNT/MDA que consideram justa a prisão de Lula. Essa é a maior dificuldade que o candidato petista enfrenta hoje, e que enfrentará nas eleições, tanto no primeiro como no segundo turno; e que continuará enfrentando, em grau ainda mais radicalizado, se eleito, em seu governo. Ele terá de governar num país em que metade da população considera que ele deveria estar preso. Os internautas hão de convir que isso não facilitaria as condições políticas de seu mandato, e sobretudo traria dificuldades para a necessária luta para fazer o judiciário e o ministério público recuarem.

A mesma pesquisa traz outros dados interessantes, que deixo por aqui antes de passar para análise de uma outra pesquisa: o Datafolha de 11 a 13 de abril de 2018, também feito após prisão do ex-presidente, determinada por Moro no dia 5 de abril, e concretizada 48 horas depois.

Sem Lula, um dos cenários seria este, abaixo.

Eis aqui – na tabela abaixo – o potencial de voto dos principais candidatos. Aqueles com mais potencial positivo são, por ordem: Lula (51%), Ciro Gomes (41%), Jair Bolsonaro (39%), Marina Silva (39%) e Geraldo Alckmin (35%).

Num eventual segundo turno entre a direita tradicional, Geraldo Alckmin, e Lula, o petista desfruta hoje de enorme vantagem, de 25 pontos: 44,9 X 19,6. É possível, no entanto, que os problemas judiciais de Lula, sobretudo o fato de estar preso, causem danos importantes à sua votação ao longo do processo eleitoral.

Depois de Lula, o candidato de centro-esquerda mais bem posicionado é Ciro Gomes. Num eventual segundo turno de Ciro com Alckmin, temos por enquanto um empate técnico: 20,9% X 20,4%. O enorme número de brancos e nulos (48%)  deverá se reduzir bastante, ao longo dos próximos meses, e sobretudo durante a campanha, quando os eleitores conhecerem melhor as propostas dos candidatos.

Agora vamos analisar os dados da pesquisa Datafolha (abril de 2018, pós-prisão de Lula), que é, a meu ver, mais qualificada, por incluir a estratificação por regiões, faixas de renda, idade, etc.

Comecemos pela percepção popular acerca da prisão do ex-presidente, nas tabelas estratificadas.

 

Uma maioria significativa, de 54%, considera a prisão de Lula “justa”.  Entre os brasileiros que declararam preferência partidária pelo PT (20% da população, segundo o mesmo Datafolha), a posição de Lula é confortável: 82% consideram sua prisão injusta, contra 16% que não. Estes 16% de “petistas” que consideram a prisão de Lula “justa” são um caso curioso, que eu gostaria de estudar mais a fundo em outra ocasião, mas de cara ele revela que os 20% que revelam preferência pelo PT não tem todos o mesmo nível de comprometimento partidário.

Entre a população que não tem preferência partidária (62% da população), a posição de Lula não é nada confortável: 65% acham que sua prisão foi justa, e apenas 27% a consideram injusta.

Observe que mesmo entre a esquerda, Lula tem graves problemas: entre os partidário do PSOL, por exemplo, 49% acham que a prisão de Lula foi “justa”, contra 44% que foi injusta.  Entre os partidários do PSDB,  83% a consideram “justa”.

Vamos olhar esses mesmos dados sob a ótica da estratificação de renda, educação, tamanho das cidades, e região.

A situação do ex-presidente Lula é muito difícil nas grandes cidades, que é de onde partem os influxos mais poderosos da opinião pública. Nas cidades com mais de 500 mil habitantes, 58% dos entrevistados consideram justa a prisão de Lula, contra 36% com posição oposta. Observe que o percentual de brasileiros indecisos quanto a essa questão é muito baixo, apenas 6%. Quase todos os brasileiros já assumiram posições firmes em relação a prisão de Lula.

Nas cidades médias para grande, entre 200 a 500 mil habitantes, a situação de Lula ainda piora um pouco: 60% acham sua prisão justa, contra 35% que a consideram injusta.

No total das regiões metropolitanas, o quadro é o seguinte: 57% acham justa a prisão de Lula, contra 38% com posição contrária.

A pesquisa fez uma coluna apenas para o estado de São Paulo, o mais populoso do país, e berço político do ex-presidente: entre paulistas, quase 70% consideram justa a prisão do ex-presidente Lula.

Na divisão por cor (ou raça) e região, a situação de Lula também está bastante desequilibrada.

Na região mais populosa e rica do país, o Sudeste, temos um total de 65% que acham justa a prisão do ex-presidente Lula. A força de Lula é muito concentrada no Nordeste, única região onde a situação de Lula se inverte radicalmente, com 61% da população contrários à sua prisão. No Norte, há um empate: 45% X 48%, em favor do ex-presidente. No Sul e no Centro-Oeste, porém, a situação de Lula é muito ruim: em ambas as regiões, mais de 60% acham que Lula deve permanecer preso.

Na coluna por cor, Lula só tem vantagem entre os indígenas, entre os quais 55% consideram injusta sua prisão, contra 36% que a consideram justa.

Entre brancos, 66% acham que Lula deve estar mesmo preso, contra 30% que não. Entre pretos e pardos, a situação de Lula melhora bastante, mas ainda está em desvantagem.

 

Na tabela abaixo, vemos a situação de Lula por faixa de renda, escolaridade e idade. Observe que o público feminino permanece o mais fiel ao ex-presidente: entre elas, sua desvantagem cai para 50% X 42%. Ainda assim, é bom enfatizar, a maioria das mulheres também acha que Lula deveria estar preso.

Entre homens, todavia, a situação de Lula é bem mais complicada: 59% X 37% em favor da prisão do ex-presidente.

E agora chegamos aos números mais difíceis para Lula. O seu capital político está concentrado quase que exclusivamente entre as classes com faixa de renda inferior a 2 salários mínimos. A partir daí, o percentual da população que considera justa a prisão do ex-presidente cresce a níveis estarrecedores: mais de 60% entre quem ganha entre 2 e 5 salários, e mais de 70% a partir daí.

Entre pessoas com nível superior, 71% acham que Lula deveria estar preso. Essas pessoas tem um poder de intervenção política muito forte: são delegados, procuradores, juízes, professores universitários, advogados, gerentes de empresa, jornalistas, servidores públicos de médio e alto escalão, gente com grande capacidade de articulação, e que dificultaria muito a desenvoltura política de Lula, caso ele tivesse de exercer novamente a função de comandante máximo do país.

A situação é difícil sobretudo se lembrarmos que pessoas que ganham mais de cinco salários são aquelas que enchem os bares das cidades, que atuam nas redes sociais, que consomem produtos de mídia e cultura e tem mais presença na opinião pública. Quando ganhou eleições em 2002, 2006 e 2010, Lula ainda tinha uma boa posição na classe média, embora declinante desde o escândalo do mensalão. Nas eleições de 2014, o PT já enfrentou uma terrível rejeição da classe média, porque a Lava Jato tinha iniciado, em março daquele ano, o seu “mecanismo” de destruição  simbólica do partido. Mas a candidata, Dilma Rousseff, tinha uma imagem preservada. Desta vez, o PT sofre rejeição fortíssima nas classes médias, e a maioria da população acha que o seu candidato, já condenado em duas instâncias, deve continuar preso.

Essa é a situação objetiva sobre a qual o PT e seus militantes devem se debruçar com muita frieza. A posição de liderança de Lula nas pesquisas deve sempre ponderar esse outro aspecto, fundamental, que é a enorme rejeição social ao ex-presidente. E isso não é culpa deste blog, que sempre esteve à frente nas guerras de informação, em defesa do ex-presidente, fazendo a contra-narrativa da mídia e denunciando os arbítrios cada vez mais absurdos da Lava Jato.

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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