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Contra a Primeira Lei de Newton

Por Leonardo Silva Andrada* Este que está se configurando como um dos maiores movimentos sociais do Brasil recente continua suscitando questões quanto a seu caráter, sua origem e seus propósitos; as dúvidas vão sendo respondidas em larga medida com suposições, mesmo entre aqueles que no campo da esquerda cobram posicionamento favorável. Construir hipóteses é comportamento […]

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Por Leonardo Silva Andrada*

Este que está se configurando como um dos maiores movimentos sociais do Brasil recente continua suscitando questões quanto a seu caráter, sua origem e seus propósitos; as dúvidas vão sendo respondidas em larga medida com suposições, mesmo entre aqueles que no campo da esquerda cobram posicionamento favorável.

Construir hipóteses é comportamento razoável diante de um fenômeno desconhecido, e nesse caso da paralisação dos caminhoneiros o que parece é que não há um único fenômeno a se conhecer, mas uma confluência constituindo um processo mais abrangente. Por sua própria estrutura, é possível que o contato com diferentes pontos de bloqueio e acampamento nas estradas produza interpretações disparatadas quanto à sua caracterização.

Não sendo possível alcançar a totalidade das centenas de focos espalhados pelo país, ou mesmo grande parte deles, a produção de tentativas parciais de aproximação pode contribuir para uma posterior avaliação mais ampla, e esse é o resultado do encontro com o grupo de caminhoneiros parados à beira da BR-040 na Zona da Mata Mineira.

Ali estão contratados e autônomos de todas as partes do país, reunidos desde o início do movimento há mais de uma semana, descontentes com suas condições de trabalho, os custos crescentes e remuneração reduzida, que não se sentem contemplados com as medidas anunciadas pelo governo e declaram sua disposição para permanecer parados.

Partindo da incontornável situação objetiva da precariedade de seu trabalho, a elaboração política das demandas não chega a formatar uma pauta: há grande desinformação a respeito do que de fato o governo concedeu e o que faltaria ser atendido para a desmobilização. Esse é o resultado do arranjo difuso do encadeamento de vários fenômenos que caracteriza esse movimento. Não existe uma organização centralizada e não reconhecem lideranças. As informações são colhidas por grupos de whatsapp, com toda sua carga de distorções e notícias falsas, e não há uma fonte legítima de orientação quanto à linha política a ser seguida.

Abrindo espaço para hipóteses, é possível que mesmo o gatilho tendo sido um movimento de origem patronal (ou grupos de trabalhadores identificados com seus interesses), uma vez disparado escapou a esse propósito. Estão ali reunidos trabalhadores que se reconhecem em suas condições coletivas de exploração, que mesmo sem histórico de mobilização encontraram companheiros de lutas cotidianas, dispostos a enfrentar as dificuldades e provações de uma greve com seus custos, e que descobriram nesse envolvimento a fraternidade que o compartilhamento dessa experiência propicia. Fazem bloqueios na estrada, organizam os suprimentos do acampamento, comem e bebem coletivamente, compartilham as mensagens e vídeos recebidos de todas as partes do país – e conversam com os diferentes grupos que chegam buscando contato.

A ausência de ligações políticas orgânicas permite aproximações ao mesmo tempo que promove aversões. A percepção popular da política como o espaço da manipulação, demagogia e oportunismo, promove o rechaço a partidos e sindicatos. Há receptividade aos que se dispõem a conversar e ajudar, e isso inclui os que levam comida, bebida e faixas de apoio a militares.

Se não há uma visão clara quanto ao papel exercido por diferentes organizações políticas no cenário nacional, isso também se aplica à reverberação dos pedidos de intervenção, que não refletem uma consciência elaborada quanto à realidade de uma ditadura. Essa é mais uma expressão da inexistência de um movimento articulado com uma linha política clara: o conservadorismo difuso da sociedade brasileira e as expectativas de uma liderança providencial favorecem o acolhimento dos gritos por intervenção militar.

É importante, contudo, considerar que essa mesma ausência permite o espaço para a discussão, tendo claro o seu alcance. É possível estabelecer diálogo apontando os impactos reais que um regime autoritário teria em toda a classe trabalhadora, quais grupos se beneficiam de sua imposição, e como um movimento reivindicativo como o que estão realizando seria impossível. É a base em que se pode construir um debate mais amplo que dê a dimensão política de suas demandas, a ligação direta com a política de preços da Petrobras, que grupos econômicos contempla e o papel geral do Estado brasileiro em relação aos interesses das classes populares em seu modelo atual.

Com todas as considerações feitas sobre o caráter invertebrado do movimento, não se trata de uma massa amorfa de pessoas vazias de ideias, esperando o melhor discurso para serem conquistadas. Se não podem ser reduzidos a marionetes manipulados por interesses patronais, também não estão à disposição do esclarecimento com pretensões a conduzir a uma verdadeira consciência que eles próprios não seriam capazes de alcançar.

São trabalhadores, com suas visões de mundo e interesses, e que estão descobrindo na união proporcionada por esse movimento uma força política que não pode ser desprezada. Ainda que não seja espaço livre para construção de hegemonia de uma ou outra força, ainda é possível que seja mantido no campo democrático para o desenvolvimento de diálogo político mais profundo; o simples abandono abre passagem para o avanço conservador, favorecido pela inércia.

*Cientista Político, professor da UFJF

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Rogerio Dultra

Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Justiça Administrativa (PPGJA-UFF), pesquisador Vinculado ao INCT/INEAC da UFF e Avaliador ad hoc da CAPES na Área do Direito.

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