Haddad ao Valor: PT só substituirá Lula a poucos dias das eleições

Foto: Ricardo Stuckert

Reproduzo (via Conversa Afiada) trechos de entrevista de Fernando Haddad ao Valor.

A estratégia do PT está clara. Liminar judicial sobre liminar judicial até às vésperas das eleições presidenciais. Quando não for mais possível ir adiante, o candidato a ser indicado por Lula, segundo Haddad, deverá ser do PT, mas não necessariamente ele, Haddad.

A entrevista traz ainda declarações interessantes sobre regulamentação da mídia, reforma do judiciário, tributária, etc.

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COMO ENFRENTAR A GLOBO

(…) Haddad: Vamos propor uma regulamentação que aumente o pluralismo e a diversidade dos meios. Apesar de serem concessões públicas, rádios e TVs sequer têm contrato de concessão com caderno de encargos. Toda concessão pública no Brasil – rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão, distribuidoras, telefonia – todas têm cadernos de encargos.

Valor: Tem parâmetros. Cumprir tantas horas de jornalismo, um percentual de produção própria…

Haddad: A maioria dos quais nem cumprido é. Não tem nem agência para aferir o compromisso das emissoras com diversidade. Sobretudo não permitir que os poderes político e econômico se imiscuam na comunicação, deixando-a a mais livre possível. Compromisso com diversidade, com o contraditório, com liberdade de expressão de camadas vulneráveis, com representatividade étnica. Nada disso tem previsão nas concessões. Mesmo do ponto de vista regional, é tênue o compromisso com temas locais.

Valor: Quem auxiliou a equipe na elaboração desse capítulo?

Haddad: Quem coordenou foi o João Brant [pesquisador, ex-secretário executivo do Ministério da Cultura], mas muita gente participou, inclusive o [jornalista e ex-ministro] Franklin Martins. É uma proposta liberal. Entendemos que isso faz parte do patrimonialismo brasileiro, a maneira como está regulado o setor é parte de um problema, digamos, quase que genético do país. Queremos dar um choque liberal.

Valor: Defende criar uma agência da comunicação, é isso?

Haddad: Estou dizendo a linha geral. Inaugurar esse debate sobre um choque liberal anti-patrimonialista no setor. Toda concessão exige um órgão regulador que monitore o cumprimento de compromissos que toda concessão tem. O foco é evitar concentração da propriedade, sobretudo propriedade cruzada.

CONTROLE EXTERNO DO JUDICIÁRIO

(…)

Haddad: (…) Os controles externos têm pouca participação da sociedade. Isso vale para CNJ (Conselho Nacional de Justiça), conselho do Ministério Público, para polícias. Há pouca permeabilidade na composição dos órgãos de controle. Então é ter controles externos que garantam a não-captura das agências. A não-captura precisa ser assegurada por uma nova governança. O Brasil tem o hábito de colocar os iguais para se vigiarem. Não funciona. O interesse corporativo prevalece sobre os outros.

IMPOSTO SOBRE DIVIDENDOS, HERANÇA E FORTUNAS

(…)

Haddad: Nosso pressuposto, como o Lula já fez, é manter a carga tributária, sobretudo a carga líquida, estável. E promover uma mudança de composição. Todos os estudos, inclusive os da direita, dão conta de que o sistema tributário é regressivo. Mais uma vez estamos falando de uma proposta liberal [risos]. É corrigir uma distorção, que é cobrar proporcionalmente mais dos mais pobres. O objetivo central é ter uma mudança de composição, garantindo que os entes federados mantenham, em termos reais, sua cota-parte. Então vamos criar uma trava durante a reforma que impede entes federados de perderem receita. E aí promover uma simplificação com a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Paralelamente a essa transição, diminuindo alíquotas de impostos ruins e aumentando de um imposto racional, promover uma diminuição da carga sobre consumo e um aumento sobre renda e patrimônio. O Brasil é um dos únicos países do mundo que não cobra imposto sobre lucros e dividendos.

Valor: A ideia é criar um imposto sobre distribuição de dividendos?

Haddad: Posso ter um tributo sobre dividendos se houver diminuição do imposto sobre consumo. Da cesta básica ou geral.

Valor: Sempre equivalente?

Haddad: Sempre no sentido de reequilibrar a carga a favor dos mais pobres. Poderia criar IPVA para helicópteros, aeronaves e embarcações se, na mesma medida, reduzir a carga daqueles que estão efetivamente pagando.

Valor: O imposto sobre dividendos seria compensado como?

Haddad: Provavelmente acompanhado de redução da carga sobre pessoa jurídica, favorecendo o investimento das empresas.

Valor: Onde mais vai mexer?

Haddad: Criar imposto de renda progressivo sobre herança. Hoje nós temos uma das mais baixas alíquotas sobre herança. Não queremos aumentar para todos. Tem pessoas que têm patrimônio de classe média, deixou apartamento para o filho… Estamos falando de, a partir de certo patamar, ter progressividade.

Valor: E imposto sobre fortunas?

Haddad: Esse tem o desenho menos fechado. O de herança é bem mais fácil de se organizar, a experiência internacional é mais rica. O imposto sobre herança é mais alto fora do Brasil, França, EUA, por razões liberais e meritocráticas: não criar uma casta de pessoas que nunca produziram nada e que não contribuem com o fundo público. É mais uma situação em que a direita no Brasil, patrimonialista desde 1500, tem dificuldades de entender.

RASGAR A REFORMA TRABALHISTA

(…)

Haddad: Não temos compromisso com a reforma feita goela abaixo do trabalhador. Até por princípio. O que foi relevante desta reforma? Caiu o número de ações trabalhistas. Por quê? Há estudos demonstrando que, com a imposição do pagamento de sucumbência e custas, caiu a ação do trabalhador pobre. Quem é pobre perdeu o acesso. Isso não foi discutido. Estímulo à pejotização também é equivocado. Acabou a contribuição sindical. Era reivindicação do movimento sindical sério, mas poderia ter sido de forma gradual. Essas regras serão revogadas.

COM LULA ATÉ A PENULTIMA HORA

(…)

Haddad: Se o TSE recusar o registro, contrariando a própria jurisprudência, cabe liminar ao STF. E se ele observar a jurisprudência, vai deixar Lula concorrer. E se ele ganhar, pacifica o país.

Valor: Se vocês acham que o judiciário está politizado e contra o PT, não é razoável supor que isso não acontecerá dessa forma?

Haddad: Não podemos abdicar do estado democrático de direito. Como é que o PT vai se antecipar a uma decisão? Por que abdicar? O PT está indo no entendimento pacífico dos tribunais superiores.

Valor: Alguns já falaram em avaliar a possibilidade de lançar um outro candidato até 17 de setembro, para não correr o risco de ficar fora da eleição. Isso mudou?

Haddad: Estamos falando de uma decisão do TSE que deve acontecer entre 5 e 10 de setembro, seguindo os prazos. Aguardamos uma decisão favorável. Se não for favorável, vamos por uma liminar do STF. Isso será feito.

Valor: Liminar pode ser negada.

Haddad: Se a liminar não sair, teremos três ou quatro dias de prazo para o Lula ser consultado. Seria uma mudança de entendimento do que foi decidido até aqui. Diante de duas negativas, do TSE e do STF, consultaria-se o Lula. É decisão que cabe a ele. Creio que se o Lula optar por indicar uma pessoa, será do PT. Creio eu. É a minha opinião.

Valor: O senhor crê em mais algo mais? Por exemplo: quem seria?

Haddad: Sinceramente, não.

Valor: Falam do seu nome.

Haddad: Dentro do PT não é verdade isso.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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