Dino: Ciro e Haddad disputarão “palmo a palmo” um lugar no 2º turno

Reproduzo abaixo, via Conversa Afiada, trecho de entrevista de Flavio Dino à Carta Capital.

(…) CC: Fernando Haddad foi oficializado como candidato à Presidência pelo PT, e Manuela D’Ávila, do seu partido, é vice em sua chapa. No início da campanha, o senhor chegou a defender a unidade dos partidos de esquerda em torno da candidatura de Ciro Gomes. Como o senhor vê a disputa entre Ciro e Haddad?

FD: Defendi, de fato, essa unidade. O PCdoB defendeu até as últimas semanas. Achávamos que era melhor para poder viabilizar uma vitória em primeiro turno ante o fiasco do governo de Michel Temer. Mas não foi possível, infelizmente, então vamos ter de adiar um pouco essa vitória, com o provável curso da eleição para o segundo turno.

Acho que esse movimento do ex-presidente Lula em torno de Haddad e a decisão do PCdoB de apoiá-lo coloca, obviamente, uma nota de favoritismo ao PT. Mas haverá uma disputa saudável por uma vaga no segundo turno entre Haddad e Ciro, acho que esta eleição caminha para isso. Temos um candidato da direita que provavelmente vai ser o Bolsonaro e um da esquerda, cujo favorito, a meu ver, é o Haddad.

CC: Ciro tem 13% no Datafolha, 11% no Ibope. Mesmo com este resultado, Haddad é o favorito?

FD: O Ciro está no jogo. Há uma possibilidade de virar votos do Alckmin e da Marina para o Ciro. Podemos ter um cenário parecido com o de 1989, em que Leonel Brizola, do PDT, disputou palmo a palmo a segunda vaga no segundo turno com o PT. Podemos ter a repetição desse cenário, sem dúvida.

CC: Ciro chamou de fraude a estratégia do PT de insistir na candidatura de Lula. Como o senhor viu a tática de esticar a oficialização de Haddad no limite do prazo?

FD: É uma atitude de solidariedade pessoal ao Lula. Defendi e defendo o seu direito de ser candidato, porque ele está sendo vítima de uma brutal violência contra seus direitos políticos. Nesse sentido, houve uma vitória de Pirro contra Lula. O segundo candidato do campo progressista está em condições ótimas de disputar. A defesa da candidatura do ex-presidente é um imperativo.

Ninguém pode ser, em um regime democrático, vítima de tamanha arbitrariedade. Escrevi o artigo da Lei da Ficha Limpa, ao lado do então deputado José Eduardo Cardozo, sobre possibilidade de uma liminar no caso de plausibilidade da pretensão recursal, ou seja, o recurso em que o candidato tem o direito de disputar para evitar um dano irreparável.

O que dá essa plausibilidade? Vários fatores. Desde a fragilidade gritante da sentença de Sergio Moro até a recente decisão do comitê de Direitos Humanos da ONU, com base nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ora, como a decisão de uma instância supranacional à qual o País aderiu não confere a plausibilidade do recurso? É uma questão de interpretação jurídica singela. Não precisa ser muito sofisticado para considerar que a Lei da Ficha Limpa não está sendo cumprida.

CC: Como o senhor avaliou o julgamento do TSE que barrou Lula?

FD: Formou-se quase que monoliticamente no Judiciário uma má vontade com o caso. Fosse o caso julgado cem vezes, em cem vezes o resultado seria diferente. Eu te falo isso depois de quase 30 anos de exercício profissional. Criou-se um discurso, quase que uma animosidade contra Lula por uma série de razões. Basta olhar como o Tribunal Regional Federal da 4ª Região tratou as coisas no julgamento do recurso, nas declarações do presidente Thompson Flores, naquele terrível episódio do descumprimento da liminar pela libertação… A animosidade é evidente. E esse é um ponto de reflexão que deve ser feito pelo Brasil e pela sociedade, mas também pela comunidade dos juristas. Isso vai demandar muitas análises nas próximas décadas, esse conjunto raro de absurdos que foram cometidos neste período.

CC: Acha que Haddad conseguirá absorver os votos de Lula, especialmente no Nordeste?

FD: É claro que o Ciro tem uma natural simpatia aqui, porque foi prefeito, governador, teve um bom desempenho, por exemplo, na educação. É claro que ele tem uma parte significativa do eleitorado. Mas eu creio que a transferência vai se operar muito rapidamente. Aqui no Maranhão o Haddad, quando indicado como candidato de Lula, já chega próximo de 50%, segundo as nossas pesquisas registradas. Então acho que, com base na realidade que eu conheço, a transferência vai se dar muito rapidamente.

CC: Após sofrer um ataque com faca, Jair Bolsonaro chegou a crescer, segundo o Ibope, mas manteve-se estável, de acordo com o Datafolha. Acha que ele poderá capitalizar eleitoralmente o episódio?

FD: Num país como o Brasil, posições muito extremistas não costumam galvanizar o pensamento médio da sociedade. Bolsonaro representa posições muito extremadas e temas que são muito emblemáticos, é muito difícil ele conseguir parte do que se convencionou chamar de Centro, uma parte mais expressiva do pensamento médio na sociedade. A elevada rejeição dele é fruto exatamente do extremismo, ele está num patamar que é o piso e o teto dele ao mesmo tempo. Eu acho que a força da rejeição bloqueia o crescimento, mesmo diante de um fato obviamente de enorme impacto.

CC: Para a esquerda, é melhor concorrer contra Geraldo Alckmin ou Bolsonaro no segundo turno?

FD: É muito difícil medir, porque são problemas muito diferentes. O Bolsonaro tem para o campo da esquerda a vantagem da rejeição. Por outro lado, ele conseguiu neste momento construir algo original no Brasil, que é o populismo de direita. Jânio Quadros talvez tenha conseguido, mas ele não era tão marcadamente de direita quanto o Bolsonaro.

(…)

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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