Por que petistas ainda acreditam na Globo?

Crédito: Divulgação.

Muitos petistas andaram divulgando, furiosos, a manchete do G1 para um comício de Ciro Gomes no parque Ibirapuera, em São Paulo.

Aparentemente, ninguém se deu ao trabalho de observar que o título não é aspas, ou seja, não foi uma frase dita por Ciro Gomes. É um título inventado pela Globo. Menos pessoas ainda leram a matéria. Então vamos reproduzi-la:

Brasileiros ‘decentes’ não merecem segundo turno entre PT e Bolsonaro, diz Ciro Gomes

Candidato do PDT a presidente participou de ato de campanha na manhã deste domingo no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Ele previu ‘final feliz’ da eleição, com ‘o fim da polarização odienta’.

Por Vivian Reis, G1 SP

16/09/2018 13h14 Atualizado há 15 horas

O candidato a presidente pelo PDT, Ciro Gomes, afirmou neste domingo (16), durante ato de campanha em frente ao portão 8 do Parque Ibirapuera, em São Paulo, que homens e mulheres “decentes” não merecem ser obrigados a fazer uma escolha entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) no segundo turno da eleição.

Na mais recente pesquisa de intenção de voto do instituto Datafolha, divulgada na sexta (14), Haddad saltou de 9% para 13% e empatou com Ciro, que também soma 13%. Jair Bolsonaro tem 26%.

“Eu quero organizar todos os brasileiros, homens e mulheres decentes, que dão valor ao trabalho e que não querem ser levados a um segundo turno que os leve a escolher entre o fascismo ou premiar todas as contradições gravíssimas do PT. Isso é uma escolha que o brasileiro não merecia”, declarou.

Mas, segundo Ciro Gomes, há um movimento em curso que, afirmou, permitirá “um final feliz em que vamos eleger o fim da polarização odienta, do ódio na política, e vamos construir um projeto nacional de desenvolvimento encantador”.

Ele disse pretender “unir” o Brasil, mas não “todo mundo”. “Quero unir o cidadão que trabalha, que respeita as diferenças, respeita as orientações sexuais diversas, as mulheres, negros, indígenas, meio ambiente, esse Brasil. O resto temos que derrotar, esse gueto de fascistas violentos, egoístas, que introduzem a cultura do ódio no Brasil”, afirmou, em referência a apoiadores de Bolsonaro.

O candidato também criticou o PT, que, segundo disse, “não pensa no Brasil faz muito tempo”.

“Se nós pedirmos para o povo refletir onde começa essa tragédia que nós estamos vivendo, qual é a data do desemprego, onde começam a quebrar as contas, onde se vulnerabilizou, o colapso da propria democracia, é o PT. O PT em aliança com Renan [Calheiros], Eunício [Oliveira], Eduardo Cunha. Isso que estão fazendo de novo. Não aprendeu rigorosamente nada – no Ceará, Haddad se juntou com ele [Eunício]”, declarou.

Questionado sobre como combater a corrupção, respondeu que é “com exemplo, vindo de cima”.

“Quero lembrar ao meu querido amigo Haddad que tem muita gente que não é investigada no Brasil – eu, Ciro, 12, não sou investigado. Nunca fui investigado”, afirmou – em entrevista ao Jornal Nacional na última sexta, Haddad indagou: “Qual é a pessoa que hoje está na vida pública que não está investigada?”.

“Essa é a primeira grande questão: dar o exemplo. Se o exemplo vem de cima, é muito improvável que o de baixo se sinta autorizado a roubar”, disse Ciro Gomes.

Além disso, ele defendeu uma “permanente mudança” na legislação como forma de combater a corrupção. “Toda legislação que se cristaliza permite adaptação do corrupto”, declarou.

Entre os mecanismos que relacionou, propôs estabelecer padrões, metas e preços unitários para obras; “expropriar” dinheiro de servidor que tenha patrimônio sem explicação; assinatura de acordo de ética por ocupantes de cargos de confiança e afastamento em caso de suspeição.

É um pouco diferente do título, não? O trecho específico que gerou o título é esse:

Eu quero organizar todos os brasileiros, homens e mulheres decentes, que dão valor ao trabalho e que não querem ser levados a um segundo turno que os leve a escolher entre o fascismo ou premiar todas as contradições gravíssimas do PT. Isso é uma escolha que o brasileiro não merecia.

Ou seja, o discurso de Ciro é muito singelo: quem não quer votar no fascismo de Bolsonaro, mas também não quer votar no PT, porque tem críticas importantes aos erros do partido que governou o país por 12-13 anos, há uma alternativa, eu.

Tem alguma “ofensa” ao PT nessa narrativa?

Ciro Gomes, embora seja um aliado do campo progressista e democrático, é um adversário de primeiro turno de Fernando Haddad e do PT. Ele precisa convencer os eleitores a votarem nele, e não no PT, e um de seus argumentos é o perigo da polarização entre Bolsonaro e o PT.

O petistas podem não concordar com este argumento, mas tem de admitir que ele é válido.

O PT tem generoso tempo de TV. Pode fazer campanha sem criticar ninguém, apenas exibindo longos vídeos com paisagens e músicas.

Ciro não tem tempo de TV. Tem três ou quatro vezes menos recursos financeiros que o PT. Sua campanha é muito mais simples. Não há recursos para alugar carros de som, montar palcos, organizar grandes eventos. É uma campanha que tem de ser, necessariamente, mais dura, mais crua, mais faca nos dentes, apontando os erros e vícios de seus adversários, inclusive do PT.

O candidato já deixou claro, porém, em diversas entrevistas, que respeita profundamente o legado de Lula, cuja sentença judicial tem criticado onde quer que vá, e que será aliado de Fernando Haddad e do PT num eventual segundo turno.

Seria muito saudável que petistas, depois de tudo que sofreram e ainda sofrem com a Globo, olhassem com um pouco mais de desconfiança em relação às manchetes e títulos inventados pela mídia, seja intencionalmente, para gerar intriga no campo progressista, seja involuntariamente, por falta de cuidado.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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