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Alice e o cinema que lhe pertence

Victor Lages, pela Fênix Filmes   Quem estuda um pouquinho de cinema sabe quem são os Irmãos Lumière ou George Méliès. Quem assiste a filmes com empenho conhece o trabalho de Truffaut ou Godard. E até quem não é dedicado na sétima arte sabe distinguir Spielberg de Scorsese. Mas, então, por que tão pouca gente […]

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Fonte: Girls Do Film

Victor Lages, pela Fênix Filmes

 

Quem estuda um pouquinho de cinema sabe quem são os Irmãos Lumière ou George Méliès. Quem assiste a filmes com empenho conhece o trabalho de Truffaut ou Godard. E até quem não é dedicado na sétima arte sabe distinguir Spielberg de Scorsese. Mas, então, por que tão pouca gente sabe quem foi Alice Guy-Blaché? Por que tantos desconhecem o pioneirismo da mulher que inventou o cinema?

Fonte: Office national du film du Canada 

Vamos viajar para Paris, exatamente para o ano de 1895. Na época, a jovem de 21 anos trabalhava há pouco tempo como secretária do fotógrafo León Gaumont e, devido ao seu desempenho na empresa, ela foi convidada para um evento que mudou sua vida e a de todas as pessoas que gostam de assistir a filmes. Alice estava lá, no Salão Grand Café, no dia 28 de dezembro, quando Auguste e Louis Lumière apresentaram sua invenção: o cinematógrafo, um aparelho que permitia gravar imagens em movimento.

Foi assistindo ao vídeo de operários saindo de uma fábrica que a moça pensou em contar histórias a partir daquela câmera e pediu para Gaumont a máquina emprestada. Surgia, no jardim de sua casa, A FADA DO REPOLHO, o primeiro filme de ficção da história. O curta durava menos de um minuto, mas trazia a narrativa pioneira de uma fada mostrando que os bebês nascem de repolhos, sendo assim o primeiro filme fantasioso e o primeiro roteiro escrito e produzido, com tons teatrais misturados na estrutura.

Fonte: Directed by Women

O filme foi um sucesso e estimulou tanto a criatividade do público, quanto da própria Alice, que tirou da cabeça dezenas de histórias guardadas apenas na sua imaginação. E todas tinham começo, meio e fim, tendo aí já inaugurado o conceito de narratividade da sétima arte, algo que Méliès não fazia tanto em suas obras.

A partir dos curtas, ela começou a produzir longas-metragens, lançando A VIDA DE CRISTO em 1906. Com meia hora de duração, mais de 300 figurantes e usando efeitos especiais revolucionários para a época, Guy queria mais para seu mundo cinematográfico. Após casar com seu colega de trabalho Herbert Blaché e mudar-se para Nova Iorque, fundou com o marido a Companhia Solax e foi a primeira mulher a dirigir um estúdio de cinema, antes mesmo de Hollywood existir. Pela Solax, produziu entre 600 e mil filmes, de faroestes a comédias românticas e até ficção científica.

Mas foi o próprio Blaché que estragou o estopim de Alice. Infidelidade, álcool, insegurança e falta de experiência, Herbert afundou a Solax e seu casamento. Ela então volta para a França e se afasta totalmente do cinema. Isso porque, além de se sentir fracassada, descobriu que seus filmes não estavam creditados em seu nome e que quase todas as suas obras estavam perdidas e espalhadas pelo mundo, de modo que seria um esforço tolo tentar recuperá-las.

Ainda voltou aos Estados Unidos para fazer um último filme, que não vingou, e abandonou de vez sua maior arte, arrependida de não ter guardado os direitos autorais de suas centenas de obras. Em Nova Jersey, no dia 24 de março de 1968, a triste e solitária Alice falece num asilo de idosos aos 94 anos de idade. Seu nome foi esquecido e seu legado apagado.

Fonte: Girls Do Film

Ou não. Nos anos oitenta, sua autobiografia, “The memoirs of Alice Guy Blaché”, chegou ao continente norte-americano e lançou uma nova luz para sua genialidade. Isso reabriu uma janela para pesquisadores do cinema revisitarem a sua relevância para o cinema mundial e conseguirem resgatar cerca de trezentos títulos perdidos.

Hoje, festivais de cinema, fundações, mostras oferecem prêmios em sua homenagem e carregam sua memória em apresentações exclusivas, acarretando em uma justiça histórica com seu talento, ainda que lenta. Em 2008, o Alice Awards foi criado. Dois anos depois, a Academia restaurou um pouco da sua obra. Em 2011, seu nome foi postumamente incluído como membro do Sindicato dos Diretores e, no ano seguinte, pelo centenário de criação da Solax, sua lápide foi trocada por uma mais digna.

No documentário BE NATURAL (2018), diretoras como AvaDuVernay e Patty Jenkins e a roteirista Diablo Cody falam sobre cineastas que as influenciaram na sua carreira e se assustam quando ouvem o nome de Alice e sua história. Mas se hoje temos obras de Alfred Hitchcock, Sofia Coppola, Pedro Almodóvar, Agnès Varda, Federico Fellini, Jane Campion, entre milhares demais, é só porque, um dia, Alice teve uma ideia e resolveu ousar.

 

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Comentários

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Paulo

07/03/2019 - 22h41

Não sou cultor do cinema. Pouco entendo dessa arte, mas sei de sua importância para a cultura universal. Parabéns por dar crédito a quem os tinha suprimidos desde sempre! Justiça seja feita, ainda que tardia! Mas, por favor, não façam disso um mote de campanha de ideologia de gênero! Grato!

Ana

07/03/2019 - 15h31

Maravilhoso e necessário resgate à memória dessa gigantesca cineasta, primeira diretora e roteirista do mundo quando os homens nem pensavam nisso. O ocultamento da história das mulheres está longe de acabar, mas são textos assim que dão esperança.

Cris

07/03/2019 - 13h52

Gente! Impressionante, nunca ouvi falar dessa história. Por favor, o redator desse texto bem que podia editá-lo para incluir o nome da biografia dela, mesmo que não tenha tradução no Brasil. Thanks!

    Victor

    07/03/2019 - 14h23

    É pra já! Obrigado pela atenção e pela dica!


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