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Edgard Navarro, o poeta do cinema baiano

Por Victor Lages, pela Fênix Filmes   O que é cinema para você? Uma folga depois de um dia difícil de trabalho? Um momento para curtir com a paquera de mãos dadas no escuro? Um ritual que deve ser cumprido religiosamente toda semana? Para o diretor baiano Edgard Navarro, cinema é “uma estratégia salvadora de […]

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Por Victor Lages, pela Fênix Filmes

 

Fonte: Operário das Ruínas

O que é cinema para você? Uma folga depois de um dia difícil de trabalho? Um momento para curtir com a paquera de mãos dadas no escuro? Um ritual que deve ser cumprido religiosamente toda semana? Para o diretor baiano Edgard Navarro, cinema é “uma estratégia salvadora de sobrevivência, em meio a um universo hostil que nos tolhia a ação e a liberdade”. E essa ideia de hostilidade é algo que vem fundo em sua forma de fazer filme. Para ele, o mundo é muito pesado, contra as coisas naturais do ser humano. Controverso e polêmico, o que lhe importa é ser feliz.

Em maio de 2019, ele lançará seu terceiro longa-metragem, intitulado ABAIXO A GRAVIDADE, expressão que aparece no final de algumas obras suas e que simboliza o espírito livre do autor. Ao buscar ignorar a força gravitacional que cerca cada indivíduo e que atrai tudo para baixo, Navarro coloca em seus filmes o desejo do ser humano de voar, de se libertar de regras e de fugir de padrões sociais. Por isso, grita alto, em entrevistas, entoações de “vamos ignorar a gravidade, vamos sorrir, vamos brincar, dançar”.

Pôster oficial de ABAIXO A GRAVIDADE

A saga de Edgard no cinema começou de maneira tão caótica quanto sua própria agitação mental. Quando tinha 20 anos, assistiu ao filme baiano METEORANGO KID, de André Luiz Oliveira, cuja visão anárquica do diretor foi compatível com a sua própria. Isso incentivou Navarro a ir buscar sua forma pessoal de se expressar, por meio da melancolia e da espiritualidade que perpassam suas obras. Foi assistindo Pasolini, Eisenstein, Bergman, Fellini e Herzog, cineastas que marcaram sua geração, que sua persona foi sendo moldada para o que viria a ser esse poeta do cinema baiano.

Em 1976, era funcionário da prefeitura de Salvador e, com uma câmera Super 8 e uns rolinhos de filme, criou sua primeira obra: ALICE NO PAÍS DAS MIL NOVILHAS, inspirada nas leituras de Chico Buarque e Lewis Carroll que fazia na época. Por estar em uma escola de teatro, convidou seus amigos para compor o elenco deste e dos curtas seguintes, O REI DO CAGAÇO, EXPOSED e LIN E KATAZAN. Todos esses bem provocativos, com imagens explícitas de sexo e de necessidades íntimas dos personagens que criava, pois não tinha medo algum de chocar.

Essa é uma característica muito forte de seu cinema. Reage firme à repressão de qualquer forma, em especial da Igreja. “Todas as dúvidas filosóficas em relação à religião eu tive. Existe uma necessidade de desmascarar, de semear o universo religioso dessa porcaria da liturgia, do ritual”, ponderou, certa vez, à Revista de Cinema, explicando ainda que tem fé forte em algo, mas não se importa com crenças.

Rodeado de suas influências, além de Freud e Dalí, anarquistas por natureza e vocação como o próprio Edgard, e de Jorge Amado, trouxe para sua forma cinematográfica o universo da esculhambação e da pornografia, tomando essa última palavra no sentido pessoal de “libertação”. Por isso, não estranhe ver em seus filmes o uso de palavrões e do corpo nu. Essas são as armas do diretor contra a hipocrisia. “São coisas para bater mesmo, para acordar a humanidade, chocar as pessoas que precisam ser chocadas”, disse.

Cena de SUPEROUTRO

Caminhando cada vez mais para o transcendentalismo, sua próxima obra, que será distribuída em maio pela Fênix Filmes, ABAIXO A GRAVIDADE carrega em sua aura um universo espiritual cada vez mais intenso, aproximando-se das tensões mitológicas presentes no mundo real, algo que seu cinema nunca perdeu. Em SUPEROUTRO, lançado em 1989, um mendigo busca libertar-se de sua própria miséria ao tentar voar como um super-herói; EU ME LEMBRO, de 2005, trazia o crescimento de uma criança aprendendo a sexualidade; e O HOMEM QUE NÃO DORMIA, segundo longa-metragem, acompanhamos um vilarejo acometido por mediocridade e tormenta. Em 42 anos de carreira, reinventar-se sem perder a essência virou sua marca.

Ao encerrar o 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e vencendo os prêmios de Melhor Filme, Direção de Arte e Ator Coadjuvante para Ramon Vane no 12º Fest Aruanda, ABAIXO A GRAVIDADE é um grito de vitória, de alerta, de socorro. A história acompanha Bené (Everaldo Pontes), um velho sábio que leva uma vida pacata no interior da Bahia e tem sua vida transformada ao descobrir uma doença aparentemente terminal e conhecer a jovem Letícia (Rita Carelli), que o convence a sentir o caos da cidade grande, onde esbarra com vários personagens peculiares. No meio disso, um asteroide se aproxima da Terra e pode desregular a ordem da gravidade na região da Baía de Todos-os-Santos.

Cena de ABAIXO A GRAVIDADE

Envolvendo as potências infinitas e simbólicas do ser humano, apoiando-se no fantástico para alforriar-se da existência, Edgard Navarro vai, mais uma vez, mudar a rotação planetária com seu cinema em maio. Elevação espiritual, delírios de voos, um helicóptero carregando uma estátua de Rodin e uma chuva de pétalas de rosas no meio de um orgasmo lisérgico: esses são elementos únicos que colocam em xeque a pergunta feita no início do texto. O que é o cinema para você? Ao poeta do cinema baiano, “é uma vitória contra as coisas que impedem nosso sonho de acontecer”.

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