Novo Datafolha sobre prisão de Lula ajuda a entender eleição de Bolsonaro

Gleisi, Haddad e Manuela registram a candidatura de Lula. (Foto: Divulgação/TSE)

Compilamos e organizamos os números do Datafolha para um tema estratégico da política brasileira: a posição da opinião pública em relação à prisão de Lula.

Não se entende o Brasil de hoje, nem o processo político que levou à eleição de Bolsonaro, sem examinar como os brasileiros vêem a prisão do ex-presidente.

Fizemos a comparação da primeira pesquisa feita pelo instituto sobre o tema, em abril de 2018, com os números mais recentes, divulgados neste fim de semana.

A tabela segue abaixo. Dê uma olhada. Voltamos em seguida.

 

Os números mostram um quadro estagnado, com ligeiro aumento da polarização. Em abril do ano passado, havia 6% de indecisos em relação a Lula; hoje temos apenas 4%. 

Estes 54% que acham “justa” a prisão de Lula é o núcleo do antipetismo, mas não só, visto que é provável que haja antipetismo também entre aqueles que não consideram justa sua prisão.

Explicando melhor: quem acha que a prisão de Lula é justa é, necessariamente, antipetista, ainda mais após tantas campanhas e informações que denunciam a fragilidade da sentença de Sergio Moro que condenou o ex-presidente.

Entretanto, quem considera injusta a sua prisão, não é, necessariamente, simpatizante do ex-presidente.

Esses números confirmam o erro da candidatura Lula em 2018. Um cidadão condenado e preso, com 54% da população apoiando sua prisão, não é, obviamente, um  bom candidato à presidência da república.

O quadro piora muito, todavia, quando se analisa a estratificação dos números.

Entre brasileiros com ensino médio, que formam o grupo mais expressivo (e obviamente mais influente também, porque são as pessoas com um mínimo de instrução) do eleitorado brasileiro, 57% consideram que a prisão de Lula é justa. Este número se manteve firme de abril de 2018 até hoje.

Entre brasileiros que ganham entre 2 e 5 salários, que formam o segundo maior grupo social do país, encostado, em percentual da população, no grupo de renda imediatamente abaixo, o apoio à prisão de Lula salta para 63%, um percentual que também se manteve estável de abril de 2018 a julho deste ano. 

Entre os brasileiros mais pobres, com renda familiar até 2 salários, ainda temos uma maioria de “prisão justa 44% X 51% prisão injusta” em favor de Lula; esses números são claramente puxados pelo nordeste, em particular pelas cidades pequenas da região.

Nas grandes cidades, com maior de 500 mil habitantes, 58% são a favor da prisão de Lula.

Nas cidades médias, com 200 a 500 mil habitantes, a situação de Lula se deteriorou sensivelmente: 62% são a favor da prisão de Lula (oscilação de 2 pontos para cima em relação ao ano passado) e 32% são contra sua prisão (oscilação de 3 pontos para baixo).

A situação de Lula experimentou melhora sensível apenas entre alguns segmentos mais ricos da população, onde a rejeição ao petista, contudo, permanece extremamente alta. Por exemplo, entre brasileiros com renda familiar de 5 a 10 salários, o percentual que acha injusta a prisão de Lula saltou de 25% para 36%, o que foi o aumento mais expressivo da tabela; mas o percentual, neste mesmo segmento, que acha justa a sua prisão continua muito alto, 62%, apesar de ter caído bastante (era 73% em abril do ano passado).

Entre os que ganham mais de 10 salários, o percentual de apoio à prisão de Lula também caiu, de 71% para 67%…

A situação de Lula melhorou também entre brasileiros com ensino superior: hoje 62% deste segmento apoia sua prisão, contra 71% em abril de  2018.

Nas regiões metropolitanas e capitais, 57% são favoráveis à prisão de Lula.

O percentual de mulheres que apoiam a prisão de Lula oscilou dois pontos para cima, 52%; contra 44% de mulheres que consideram injusta sua prisão.

Na análise por região, o Nordeste continua sendo o bastião de Lula, mas ele perdeu pontos na região, e não foi pouco: em abril de 2018, apenas 32% dos nordestinos consideravam justa a sua prisão, número que saltou para 39% hoje; já os que consideram injusta sua prisão, que eram 61% no ano passado, agora são 56%.

No Sudeste, região mais populosa do país, a situação de Lula até melhorou, mas o placar ainda é muito ruim para o ex-presidente: Justa 61% X 35% Injusta.

Como um político imagina, de dentro da cadeia, ser possível ganhar uma eleição presidencial ou governar um país com mais de 60% do Sudeste considerando a sua prisão como justa?

No Sul, 63% acham justa sua prisão, contra 33% que acham injusta.

Bolsonaro não ganhou à tôa.

Com Lula sofrendo uma rejeição tão alta, ontem e hoje, o fantasma de sua possível eleição empurrou milhões de brasileiros na direção daquele que representava exatamente o oposto do petista.

Foi, portanto, uma decisão irresponsável. Se o PT não admitia entregar a cabeça de chapa para outro partido, então que escolhesse, desde o início, um candidato da própria legenda, e fizesse um trabalho inteligente para reduzir a rejeição.

Os números do Datafolha mostram ainda que não é inteligente, à esquerda e à oposição, centralizar sua narrativa na campanha pela liberdade de Lula. Não é inteligente inclusive para o processo jurídico de Lula,  que acaba sendo politicamente sobrecarregado, gerando enorme pressão sobre o judiciário para que Lula fique preso.

Eu acho que os processos de Lula, não apenas esse do triplex, mas todos eles, são viciados, e deveriam ser todos anulados, e o ex-presidente deveria ser posto em liberdade.

A melhor maneira de conquistar isso, porém, seria investir mais em inteligência, no desenvolvimento de livros, revistas, e ensaios jurídicos sólidos, publicados com o mais alto rigor acadêmico e editorial, para mostrar que não se trata apenas de Lula, mas de uma questão maior de Direito; e menos em festas, caravanas, xingamento de juízes nas redes e manifestações diante de tribunais (que servem apenas para gerar ainda mais animosidade do judiciário contra o PT).

É bem possível que o trabalho de Sergio Moro como juiz de Lula seja declarado suspeito e o ex-presidente obtenha o seu habeas corpus, mas é mais possível ainda que o judiciário apresse suas outras condenações, tanto a sua terceira condenação em primeira instância, em Curitiba, quanto sua segunda condenação em segunda instância, no TRF4.

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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