Raio-X do funcionalismo público no Brasil

No sábado, a deputada federal Talíria Petrone publicou um comparativo internacional da proporção de servidores públicos no emprego total, em países selecionados, que provocou um debate acalorado nas redes sociais.

O gráfico mostra que a quantidade de servidores públicos no Brasil é bem menor que a média da OCDE (um grupo de países ricos no qual o governo Bolsonaro vem tentando entrar) e da maioria dos países desenvolvidos.

Enquanto no Brasil a proporção de funcionários públicos no total de trabalhadores é de 12%, a média da OCDE é quase o dobro, 21%.

Os países com os mais altos índices de desenvolvimento social, como Noruega, Suécia e Dinamarca, tem índices de participação do funcionalismo no total dos empregos que chegam a 35%.

O debate acalorado se deu por causa da provocação da deputada, que pediu que o tweet fosse compartilhado “até chegar no Guedes”, referindo-se ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que recentemente também causou polêmica ao usar o termo “parasita” para se referir ao funcionalismo público.

O gráfico usado pela deputada foi extraído de uma reportagem publicada no Infomoney, e traz dados desatualizados; foram tirados de um relatório da OCDE de 2015, e os números correspondem ao ano de 2013. O relatório mais recente da instituição é de 2017, e seus números sobre o funcionalismo público vão até o ano de  2015. Neste relatório, a média da OCDE é de 18%.

Coreia e Japão, por outro lado, são países com níveis de distribuição de renda altamente igualitários, sobretudo em comparação ao Brasil.

Muitos críticos responderam à deputada que o percentual divulgado por ela não queria dizer muita coisa, e que o importante mesmo seria saber a evolução das despesas com funcionalismo em relação ao PIB.

A verdade é que ambos os números são importantes. Evidentemente é essencial saber se o Brasil tem uma quantidade razoável de funcionários públicos em relação ao total de seus trabalhadores. Os dados mostram que não. Não temos excesso de funcionários públicos, ao menos em termos numéricos. Possivelmente temos carência de servidores em áreas estratégicas, como engenharia, pesquisa, educação e saúde, e excesso em setores que talvez pudessem ser mais enxutos.

No Atlas do Estado brasileiro, amplo estudo estatístico do Ipea, nota-se que a participação dos gastos do funcionalismo em relação ao PIB cresceram continuamente (mas modestamente) a partir de 2011, na relação com o PIB, passando de 9,6% em 2012 para 10,7% em 2017. Entretanto, o avanço pode ser explicado antes pela queda e estagnação do PIB no período do que propriamente pelo aumento das despesas com funcionalismo.

Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) de 2010 mostra que países de renda alta costumam gastar cerca de 10,4% do PIB com o pagamento de servidores.

A Europa gasta 10,2% de seu PIB com o pagamento de salários de servidores públicos.

Um número mais preocupante, também presente no Atlas, é o que mede as despesas com servidores em relação à Receita Corrente Líquida das diferentes esferas de governo.

É aqui que o subfinanciamento do Estado fica evidente. Os gastos com funcionalismo federal chegaram a 24,2% da Receita Corrente Líquida do governo federal em 2017, recorde histórico.  Nos estados e municípios, a situação é pior: nos estados, os gastos com servidores passaram de 36% da Receita dos estados; nos municípios, passaram de 46%.

Mais uma vez é preciso considerar a crise fiscal dos últimos anos, deflagrada pela dramática debacle econômica iniciada em 2014.

De 2008 a 2012, os gastos do funcionalismo federal em relação à Receita Corrente Líquida vinham caindo; isso muda a partir de 2013, até chegarmos aos níveis atuais.

Atualização: como se pode verificar no gráfico abaixo, também colhido no Atlas do Estado brasileiro, o crescimento do funcionalismo público nos últimos anos 30 anos se deu sobretudo nos municípios, e um pouco nos estados. A nível federal, houve estabilidade, e até uma alguma redução em termos absolutos nos últimos 10 anos. Em termos relativos, a proporção dos servidores federais no total do funcionalismo caiu dramaticamente, de cerca de 20% do total dos vínculos públicos para aproximadamente metade disso.

Em relação aos salários, os gráficos abaixo mostram que os desequilíbrios estão extremamente concentrados no Judiciário. Os salários do Executivo vem se mantendo estáveis há quase 30 anos.

Fontes:

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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