Bolsonaro, de queridinho à pária da classe média

Fizemos alguns gráficos para acompanhar a evolução do apoio a Bolsonaro por faixa de renda, segundo o Datafolha.

A primeira observação que precisa ser feita é que a deterioração de Bolsonaro é generalizada em todas as classes e em todos os níveis de instrução.

Houve um momento, no segundo semestre de 2020, em que parecia que Bolsonaro iria ganhar apoio das camadas populares, e dos eleitores com menos instrução, sob o empuxo do Auxílio Emergencial. Ele ganhou, de fato, alguns pontos nesses setores, mas por pouco tempo.

O apoio a Bolsonaro entre as classes populares (famílias com renda inferior a 2 salários) nunca foi elevado, e havia terminado o ano de 2019 num patamar bem negativo (22% de ótimo/bom e 43% de ruim e péssimo). Em 2020, porém, mesmo antes do Auxílio Emergencial, há uma melhora, provavelmente puxada pelo clima de medo da pandemia, que tem o efeito psicossocial de fazer o eleitor dar um voto de confiança ao governo.

De qualquer forma, o prestígio de Bolsonaro junto as camadas populares começou a ruir rapidamente desde o início de 2021, e agora está em 44% de ruim/péssimo e apenas 23% de bom/ótimo.

Observações muito similares podem ser ditas sobre o gráfico com eleitores menos instruídos, ou até o ensino fundamental.

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Quando olhamos para o outro extremo da pesquisa, para os eleitores com maior renda e mais instrução, a situação de Bolsonaro é ainda pior.

Importante notar que Bolsonaro inicia sua administração com apoio razoável no segmento dos mais instruídos. Na primeira metade de 2019, por exemplo, Bolsonaro tinha cerca de 36% de ótimo/bom entre eleitores com ensino superior, e percentual igual de ruim/péssimo. Este segmento rompe com Bolsonaro no início da pandemia, provavelmente como reação ao negacionismo do presidente. Em agosto de 2020, a avaliação de Bolsonaro neste setor experimenta leve melhora, puxada ainda pelo Auxílio Emergencial (que foi grande o suficiente para também atender pessoas com nível superior que ficaram sem renda), mas voltou a se deteriorar muito rapidamente a partir do final do ano passado, e chegou a 57% de ruim/péssimo em maio agora.

Na classificação por renda, chama a atenção o verdadeiro colapso da aprovação de Bolsonaro junto às famílias com renda acima de 10 salários. Nesta faixa, Bolsonaro chegou a ter ótimo/bom de 52% em julho de 2019, e terminou o mesmo ano com menos de 28% de rejeição (ruim/péssimo).

A partir da pandemia, as linhas se invertem:  aprovação começa a cair e a rejeição, a subir.

Este ano, essa tendência se acelerou, e no último Datafolha, com entrevistas realizadas entre os dias 11 a 12 de maio de 2021, Bolsonaro tem 63% de ruim/péssimo entre famílias com renda acima de 10 salários, e apenas 23% de bom/ótimo.

O gráfico mostra uma boca de jacaré se abrindo, com a linha de aprovação na mandíbula inferior.

Sempre é importante lembrar que essa faixa de renda (+ de 10 salários) é minoritária: dos 2.071 entrevistados pelo Datafolha, apenas 52 pertencem a ela. Isso significa que as margens de erro são muito elevadas, então devemos tomar cuidado com esses dados. Por outro lado, se a tendência apontada estiver correta, é bom ter em mente que, apesar de ser tão minoritária, é uma faixa muito influente no debate público, e seus membros costumam puxar a tendência da classe média em geral, e a classe média, por sua vez, tem hegemonia nas redes sociais. Nos gráficos com as faixas de renda intermediárias, 2 a 5 salários, e 5 a 10 salários, vemos que a tendência é a mesma verificada na faixa mais alta.

Há alguns anos, um governante conseguia se manter no poder sem apoio da classe média, porque detinha recursos políticos para abrir canais de comunicação diretamente com as camadas mais populares, sobretudo através da propaganda eleitoral. Desde meados de 2013, porém, o centro de poder migrou de vez para as redes sociais. Bolsonaro venceu as eleições de 2018 porque as dominou, e as dominou porque havia se tornando o “campeão do antipetismo”, o qual, por sua vez, era avassalador na classe média.

Os ventos mudaram, aparentemente. Ainda se nota um forte antipetismo na classe média, como vemos em pesquisas de rejeição a Lula por faixa de renda, mas ele se converte, cada vez menos, em votos em Bolsonaro, ou antes, é agora neutralizado por uma rejeição ainda maior ao atual presidente, não apenas na classe média, mas em toda a sociedade.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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