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Oreiro: A miséria intelectual dos críticos do novo-desenvolvimentismo

Por José Luís Oreiro Uma crítica recorrente ao novo-desenvolvimentismo é que a insistência que a escola (que não se resume aos artigos do ilustre Professor Bresser-Pereira, seu “pai fundador”) na importância numa taxa de câmbio competitiva, estável e sustentável no longo-prazo, se basearia na existência de um suposto regime de demanda do tipo profit-led, ou […]

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Por José Luís Oreiro

Uma crítica recorrente ao novo-desenvolvimentismo é que a insistência que a escola (que não se resume aos artigos do ilustre Professor Bresser-Pereira, seu “pai fundador”) na importância numa taxa de câmbio competitiva, estável e sustentável no longo-prazo, se basearia na existência de um suposto regime de demanda do tipo profit-led, ou seja, numa relação inversa (direta) entre a participação dos salários (lucros) na renda e o grau de utilização da capacidade produtiva.

Isso porque, continua o argumento, apenas nesse caso uma desvalorização da taxa de câmbio real – inevitavelmente associada a uma redução da taxa de salário real e, portanto, a uma redução das participação dos lucros na renda – seria capaz de produzir um aumento da demanda agregada e do grau de utilização da capacidade produtiva.

Um nível mais elevado de utilização da capacidade produtiva, por seu turno, levaria a um aumento da taxa de acumulação de capital devido ao efeito acelerador do investimento, proposto pioneiramente por Harrod (1939). A aceleração do ritmo de acumulação de capital, por seu turno, levaria a um aumento da taxa de crescimento do produto real e da produtividade do trabalho no médio e longo-prazo.

Os críticos do novo-desenvolvimentismo, contudo, afirmam que existem boas razões teóricas e fundamentação empírica para afirmar que o regime de demanda é, na verdade, wage-led de maneira que uma redução do nível de salário real deverá ser seguido por uma contração, ao invés de um aumento, da demanda agregada e do grau de utilização da capacidade produtiva, de forma que a taxa de acumulação de capital deverá se contrair ao invés de aumentar.

Nesse contexto, tudo o que uma nação precisa para se desenvolver é aumentar a demanda agregada, pois o investimento sempre irá se ajustar ao nível de demanda agregada existente na economia, independente da estrutura produtiva da economia, ou seja, independente da composição da produção entre os diversos setores de atividade produtiva.

As condições de oferta ou de balanço de pagamentos são consideradas sempre como irrelevantes ou, mais precisamente, no-binding, ou seja, a taxa de crescimento da economia nunca será maior do que a permitida pelo crescimento da força de trabalho (e da produtividade do trabalho) ou pela restrição de balanço de pagamentos. 

Além disso, os críticos do novo-desenvolvimentismo acreditam que toda a redução da participação dos lucros na renda será compensada ou mais do que compensada pelo aumento do grau de utilização da capacidade produtiva de maneira que a taxa de lucro nunca irá se reduzir como resultado da transferência de renda dos lucros para os salários, ou seja, uma situação de profit-squeeze que reduza o incentivo a acumulação de capital jamais poderá ocorrer.

A tese de que o ritmo de acumulação de capital não pode ser reduzido por causa de um “esmagamento dos lucros” pelo crescimento dos salários acima do ritmo de crescimento da produtividade do trabalho (ou seja, por um aumento da participação dos salários na renda) é um puro non-sense (Sobre o caso brasileiro recente ver Oreiro, 2017).

Isso porque existe um limite físico a ampliação do grau de utilização da capacidade produtiva: no longo-prazo as empresas irão operar com um grau de utilização da capacidade produtiva igual ao “normal” ( o qual, por uma série de razões, é menor do que 100%) de maneira que um aumento cumulativo da participação dos salários na renda irá resultar, cedo ou tarde, na redução da taxa de lucro, a não ser que seja compensado por um aumento da produtividade do capital, ou seja, uma redução da relação técnica capital-produto, o que exigiria um progresso técnico do tipo capital-saving, algo que a evidência empírica disponível aparentemente não-corrobora.

Os críticos do novo-desenvolvimentismo poderiam argumentar, contudo, que enquanto a taxa de lucro sobre o capital próprio for superior ao custo médio ponderado do capital, então a redução da taxa de lucro não terá nenhum impacto sobre o ritmo de acumulação de capital. 

O problema com essa tese é de que ela não tem nenhum embasamento empírico: a experiência brasileira no período 2000-2016 mostra a existência de uma forte correlação positiva entre a taxa de lucro e a taxa de crescimento do investimento (Marquetti et al 2020, p.118), correlação essa compatível com a equação de Cambridge; ou seja, uma redução da taxa de lucro – decorrente do profit squeeze – está associada a uma redução do ritmo de acumulação de capital.

Voltemos agora nossa atenção a questão do regime de demanda. Os críticos do novo-desenvolvimentismo erram rotundamente ao confundir os efeitos de uma variação da taxa real de câmbio com os efeitos do nível da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico.

A evidência empírica mostra de forma bastante contundente, para não dizer avassaladora, que uma taxa de câmbio competitiva ou ligeiramente subvalorizada tem efeitos positivos e estaticamente significativos sobre o crescimento da renda per-capita dos países em desenvolvimento, controlando-se para uma série de outras variáveis (Ver, entre outros Rodrik, 2008; Missio el al, 2015; Gabriel el al 2020). 

Os críticos do novo-desenvolvimentismo nunca foram capazes de apresentar evidências empíricas contrárias a esse resultado.

Suas críticas se limitam ao campo puramente teórico, quando não apologético: eles afirmam que existem (sic) bons argumentos teóricos para acreditar que uma desvalorização da taxa de câmbio irá resultar numa contração da demanda agregada, bem como afirmam que essa posição é endossada não só pela Teoria Clássica do Desenvolvimento Econômico como pelo Pensamento Estruturalista Latino-Americano, invocando assim os nomes de Raul Prebisch e Celso Furtado para fundamentar suas teses num pretenso argumento de autoridade. 

É precisamente aqui que encontramos a razão da confusão mental na qual os críticos do novo-desenvolvimentismo se auto encerraram: eles não são capazes de entender, ou não querem entender, que uma coisa é avaliar o efeito de uma variação da taxa de câmbio; outra coisa bem diferente é avaliar os efeitos do nível da taxa de câmbio.

Que uma desvalorização do tipo once-and-for-all da taxa real de câmbio pode produzir, sobre certas condições (em particular, deve haver uma grande diferença entre a propensão a poupar a partir dos lucros e a propensão a poupar a partir dos salários, assim como uma baixa sensibilidade do investimento a variações da margem de lucros), uma redução suficientemente grande da demanda de consumo das famílias e, dessa forma, uma redução do grau de utilização da capacidade produtiva e da própria taxa de acumulação de capital no curto e no médio-prazo é algo perfeitamente aceito pelos novo-desenvolvimentistas. 

Mas esse efeito é puramente temporário. Uma vez que a taxa real de câmbio se estabilize por um período suficientemente longo de tempo num patamar competitivo (Oreiro, 2020); então o aumento da competitividade preço da indústria de transformação dará início a um processo de mudança estrutural, com um aumento cumulativo da participação da indústria de transformação no PIB.

Isso levará a um aumento da elasticidade-renda das exportações, fazendo com que, no longo-prazo, a taxa de crescimento das exportações – o único componente realmente autônomo da demanda no longo-prazo (Thirwall, 2002) – se acelere, permitindo que, em algum momento ao longo da trajetória de crescimento, a taxa de crescimento compatível com o equilíbrio do balanço de pagamentos da economia doméstica seja superior ao crescimento da renda do resto do mundo, ou seja, viabilizando a estratégia de catching-up.

Em suma, os críticos do novo-desenvolvimentismo, seja por insuficiência de capacidade cognitiva, seja por pura e simples desonestidade intelectual, são incapazes de diferenciar os efeitos de curto e médio-prazo de uma variação da taxa real de câmbio, dos efeitos de longo-prazo de uma taxa de câmbio mantida num nível competitivo.

Ao faze-lo acabam por se tornar aliados, inconscientes ou não, do rentismo financista que advoga a manutenção de uma taxa de juros elevada com o argumento de que essa é uma medida necessária para manter a inflação baixa e os salários altos por intermédio de uma taxa de câmbio (insustentavelmente) sobrevalorizada. 

Não é por outro motivo que muitos dos críticos do novo-desenvolvimentismo se tornaram apoiadores enfáticos da retomada do ciclo de elevação da taxa de juros no Brasil no primeiro semestre de 2021. Ainda bem que tudo o que disseram está devidamente registrado nas redes sociais, de forma que não poderão dizer, como o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, “esqueçam tudo o que eu escrevi”. No que depender de mim posso afirmar que “we will never forget”.

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Referências

Gabriel L.F., Ribeiro L.C.S., Jayme Jr F.G. and Oreiro J.L. (2020), “Manufacturing, economic growth, and real exchange
rate: empirical evidence in panel date and input-output multipliers”, PSL Quarterly Review, 73 (292), pp. 51-75

Harrod, R. (1939), “An essay in dynamic theory”, The Economic Journal, vol. 49, No. 193, Oxford, Blackwell Publishing

Marquetti, A; Hoff, C; Miebach, A. (2020). “Profitability and Distribution: The Origin of the Brazilian Economic and Political Crisis”. LATIN AMERICAN PERSPECTIVES, Issue 230, Vol. 47 No. 1, January, 115–133

Missio F., Jayme Jr F.G., Brito G. and Oreiro J.L. (2015), “Real Exchange Rate and Economic Growth: New Empirical Evidence”, Metroeconomica, 66 (4), pp. 686-714.

Oreiro, J.L. (2017). “A grande recessão brasileira: diagnóstico e uma agenda de política econômica”. Estudos Avançados, Vol. 31, N. 89.

Oreiro, J.L. (2020). “New Developmentalism: beyond competitive exchange rate”. Brazilian Journal of Political Economy, vol. 40, nº 2, pp. 238-242.

Rodrik D. (2008), “The Real Exchange Rate and Economic Growth”, Brookings Papers on Economic Activity, 39 (2),
pp. 365-415.

Thirlwall, A. (2002). The Nature of Economic Growth, Aldershot: Edward Elgar.

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