Menu

O infundado medo de um novo 2013

Em junho de 2013, o Brasil viveu um dos maiores movimentos sociais de sua história recente. Milhões de pessoas saíram às ruas para protestar contra o aumento das tarifas do transporte público e tudo o que era possível. As manifestações foram marcadas pela diversidade de pautas, participantes e formas de organização, além da forte repressão […]

sem comentários
Apoie o Cafezinho
Siga-nos no Siga-nos no Google News

Em junho de 2013, o Brasil viveu um dos maiores movimentos sociais de sua história recente. Milhões de pessoas saíram às ruas para protestar contra o aumento das tarifas do transporte público e tudo o que era possível. As manifestações foram marcadas pela diversidade de pautas, participantes e formas de organização, além da forte repressão policial em alguns casos e seu trágico fim, que foi a cooptação e capitalização desses movimentos pela extrema direita.

Dez anos depois, em junho de 2023, o cenário político e social do país é bem diferente. Apesar de ainda haver insatisfação com diversos problemas estruturais, não há indícios de que uma nova onda de manifestações, como as de 2013, possa se repetir. Quais são as principais diferenças de conjuntura entre junho de 2023 e junho de 2013? Vejamos algumas delas:

A pandemia do coronavírus: A crise sanitária provocada pela COVID-19 teve um impacto profundo na sociedade brasileira. A pandemia evidenciou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) e da ação do Estado na formulação de políticas públicas. As eleições municipais de 2020, por exemplo, elegeram políticos experientes e afastaram, em grande parte, aqueles que eram chamados de “nova política”.

A nova dinâmica da política: Desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, o Brasil vivenciou a ascensão da extrema direita no debate político. Nesse contexto, as manifestações populares perderam o caráter “apartidário” que arrastava multidões em 2013 e passaram a ser vistas como instrumentos de disputa política entre grupos antagônicos. Ou seja, se antes a preocupação era não ter um lado, agora tornou-se mais importante deixar claro que você faz oposição ao único extremo no debate político, o de direita. Além disso, muitas pessoas acabaram com medo de participar da política devido aos sucessivos episódios de violência perpetrados por militantes de extrema direita.

A fragmentação dos movimentos sociais: As Jornadas de Junho de 2013 foram caracterizadas pela participação de diversos segmentos da sociedade civil, como estudantes, trabalhadores, feministas, ambientalistas, indígenas, negros, LGBTQIA+, etc. Esses grupos se articularam por meio das redes sociais e das mídias alternativas, sem a mediação dos partidos políticos ou das centrais sindicais. No entanto, após 2013, os movimentos sociais se fragmentaram em diferentes agendas e estratégias de atuação. Alguns optaram por se aproximar dos partidos de esquerda ou dos movimentos antifascistas; outros preferiram se distanciar da política institucional ou se aliar aos movimentos liberais ou conservadores; e outros ainda se desmobilizaram.

A descrença nas instituições: Outro fator que contribuiu para o surgimento das manifestações de 2013 foi a descrença nas instituições democráticas do país. Os protestos expressaram insatisfação com a classe política, os partidos tradicionais, o Congresso Nacional, o Judiciário e os meios de comunicação. Essa descrença se manteve nos anos seguintes, mas não gerou uma nova onda de mobilização popular. Pelo contrário, gerou um sentimento de apatia, resignação ou ceticismo em relação à possibilidade de mudança social por meio da participação política por parte da população. Por outro lado, devido às seguidas tentativas do ex-presidente Jair Bolsonaro de corroer as instituições, às sucessivas ameaças de golpe nos últimos 10 anos e à revelação de escândalos como o “Vaza Jato”, também criou-se um sentimento de necessidade de fortalecimento institucional.

Abordagem da imprensa: A mudança na postura da imprensa em relação à “nova política” e à Lava Jato se deu principalmente em função das mudanças no cenário político e social do país. Com o agravamento da crise sanitária provocada pela COVID-19, a deterioração da economia, o aumento da pobreza e da desigualdade, a erosão das instituições democráticas e o crescimento da oposição ao governo Bolsonaro, a imprensa passou a fazer uma cobertura mais crítica e menos complacente com o presidente e seus aliados. A imprensa também passou a dar mais atenção aos temas relacionados aos direitos humanos, à diversidade, à sustentabilidade e à participação social.

Economia: Além disso, se “corrupção” e questões mais “abstratas” ao cotidiano dos brasileiros pipocavam nas pesquisas de opinião daquele ano, atualmente isso não é mais uma prioridade para os brasileiros. Durante todo o ano de 2022, diversas pesquisas eleitorais mostraram que as questões econômicas e sociais assumiram a liderança das preocupações dos brasileiros. Se antes as pessoas estavam preocupadas com coisas como a PEC 37, nomeações do Ministério Público e afins, hoje é muito difícil que algo como a nomeação do advogado Cristiano Zanin ao STF arraste multidões.

Um exemplo disso é o próprio naufrágio do movimento chamado de “terceira via” e que tentava se valer das mesmas premissas de 2013 para obter destaque nas eleições presidenciais. Todos os postulantes do grupo amargaram posições abaixo de 5% de votos ou intenções de votos nas pesquisas.

Os últimos 10 anos de agitação política e os últimos 4 de Jair Bolsonaro também causaram um estado de “estafa” na população que se cansou da agitação política, esse, inclusive, foi um dos fatores que motivaram muitos eleitores a não votarem em Jair Bolsonaro, o desejo de um retorno à normalidade sem políticos estridentes ou agressivos. O próprio estados Unidos, que viveu um momento político semelhante ao nosso com Donald Trump também sofreu com essa estafa que terminou com a criação do movimento-meme “Make Politics Boring Again” (Faça a política chata novamente em tradução literal).

Portanto, podemos concluir que junho de 2013 foi um momento histórico singular, que dificilmente se repetirá agora em junho de 2023. As diferenças de conjuntura entre os dois períodos são significativas, e hoje até mesmo as instituições aprenderam a se blindar de tais aventuras.

2013 ficou no passado, mas a necessidade de analisarmos e estudarmos o movimento de forma cada vez mais séria e profunda é uma demanda atual e um compromisso de responsabilidade com o futuro.

Apoie o Cafezinho

Cleber Lourenço

Defensor intransigente da política, do Estado Democrático de Direito e Constituição. | Colunista n'O Cafézinho com passagens pelo Congresso em Foco, Brasil de Fato e Revista Fórum | Nas redes: @ocolunista_

Mais matérias deste colunista
Siga-nos no Siga-nos no Google News

Comentários

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site O CAFEZINHO. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Escrever comentário

Escreva seu comentário

Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!


Leia mais

Recentes

Recentes