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Exclusivo! Tio Sam quer usar Paraguai como laboratório de nova Lava Jato global

O Cafezinho teve acesso exclusivo a um documento sigiloso do governo americano, intitulado “Plano de Ação Integrado Interagências, no Paraguai“, de julho de 2023, que trata de um ambicioso plano do governo americano para promover uma nova onda de interferências políticas em todo o mundo, em particular em países do Sul Global.  São preparativos para […]

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O Cafezinho teve acesso exclusivo a um documento sigiloso do governo americano, intitulado “Plano de Ação Integrado Interagências, no Paraguai“, de julho de 2023, que trata de um ambicioso plano do governo americano para promover uma nova onda de interferências políticas em todo o mundo, em particular em países do Sul Global. 

São preparativos para uma nova Lava Jato, em escala internacional, usando as inúmeras agências e iniciativas “anti-corrupção” vinculadas à Casa Branca. 

Já na introdução do documento, cujo original em inglês disponibilizamos ao final do post (junto com uma versão traduzida para o português), os EUA deixam claro que se trata de uma versão para o Paraguai, mas dentro de uma estratégia maior, para o mundo inteiro. 

“Em agosto de 2022, o IPC (Comitê de Políticas Interagências) Anticorrupção, que reúne diversas agências federais, concordou em desenvolver planos de ação anticorrupção integrados, que colocariam em prática objetivos de curto prazo para nossas atividades anticorrupção em países identificados e os meios para alcançá-los. Este plano trata do Paraguai”.

Atenção para a expressão “em países identificados”.

O relatório, classificado como “sensível”, foi elaborado pelo Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, um dos órgãos mais poderosos do governo americano, e subordinado diretamente ao presidente da república.

O documento não esconde as razões de ordem geopolítica pelas quais o Paraguai foi escolhido como laboratório inicial do projeto, ao menos na América Latina:

O Paraguai é o único governo da América do Sul que reconhece Taiwan, e não a República Popular da China (RPC). Consequentemente, embora o Paraguai não enfrente atualmente a influência perniciosa das instituições econômicas da RPC, é provável que a RPC volte seus olhos para o Paraguai com vigor renovado após as eleições paraguaias, que foram realizadas em 30 de abril de 2023. A corrupção estratégica pode, portanto, ser uma ameaça emergente e importante para nossa posição mais ampla na América do Sul.”

A estratégia parece clara: através de uma série de interferências políticas diretas da Embaixada Americana no Paraguai, com apoio de inúmeras agências federais americanas, o governo americano pode deflagrar (ou deixar o governo sob ameaça constante disso) uma série de operações anticorrupção no país, e ao mesmo tempo levar adiante profundas mudanças legislativas, num prazo de 6 a 24 meses. 

O Tio Sam parece extremamente ansioso para tutelar o recém-empossado presidente do Paraguai, Santiago Peña, de 44 anos, que tomou posse em agosto deste ano. O documento, lembre-se, é de 27 de julho de 2023. 

E tutelar para que? Qual o objetivo? Como mencionamos anteriormente, o documento escolheu o Paraguai por ser o único país latino-americano que trata Taiwan como um país independente, ou seja, que mantém relações diplomáticas com Taiwan, e não com a República Popular da China. 

Os estrategistas da Casa Branca prevêem (isso está escrito no documento) que o novo presidente será alvo de pressões diplomáticas e comerciais chinesas para mudar essa política. Para “combater” isso, os EUA devem transformar em “corrupção” qualquer aproximação entre Assunção e Pequim. Leia de novo esse trecho:

“(…) embora o Paraguai não enfrente atualmente a influência perniciosa das instituições econômicas da RPC, é provável que a RPC volte seus olhos para o Paraguai com vigor renovado após as eleições paraguaias.”

O documento sugere que os métodos a serem empregados no Paraguai (e em outros “países identificados”) serão os mesmos usados na Lava Jato: cooptação de órgãos federais, como o poder judicial, o ministério público, e agências anticorrupção do governo. 

Diante disso, é possível inferir que a operação comandada por Sergio Moro e Deltan Dallagnol também pode ter sido resultado de um plano concebido nos porões da Casa Branca. 

Indícios dessa promiscuidade entre autoridades judiciais brasileiras e americanas não faltam. 

Algumas novidades, presentes nessa estratégia para o Paraguai, merecem destaque, como a criação, no ano passado, de um programa chamado Soluções Anticorrupção por meio de Tecnologias Emergentes (Anti-corruption Solutions through Emerging Technologies – ASET), financiado pelo Departamento de Estado. 

(Site do programa: https://www.anticorruptiontechsprint.org/).

O programa visa usar tecnologia (leia-se inteligência artificial e serviços modernos de informação) no combate à corrupção.

Nenhum desses programas ou estratégias do governo americano seriam um problema geopolítico, não estivessem voltados para combater a corrupção em governos de outros países, e através de ações agressivamente invasivas, como as descritas no documento. 

O relatório propõe datas, com prazos incrivelmente curtos (até 6 meses, em alguns casos), para que medidas legislativas sejam implementadas no Paraguai, sempre com interferência direta da Embaixada americana, através das relações políticas desta com os diversos órgãos federais do Paraguai, além da pressão exercida sobre a própria cúpula do governo. 

“Este plano de ação define objetivos específicos e tangíveis para nosso trabalho anticorrupção no Paraguai nos próximos 6-24 meses.”

A administração Joe Biden vem preparando as bases de uma grande operação global anticorrupção ao menos desde o final de 2021, quando a Casa Branca divulgou um documento sobre o assunto, intitulado “Estratégia dos Estados Unidos para combater a corrupção”. 

Baixe aqui: https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2021/12/United-States-Strategy-on-Countering-Corruption.pdf

Trata-se de um estudo que transpira um agressivo e messiânico imperialismo por todos os poros. 

Um trecho:

“Em paralelo, regimes autoritários e seus aliados têm recorrido ao suborno e a outros atos de corrupção para avançar suas metas estratégicas. Eles também exploram o sistema financeiro global para esconder ganhos ilícitos e influenciar eleições e políticas em países democráticos. Esse tipo de corrupção, especialmente quando envolve investimentos internacionais direcionados por estados autoritários, tem um efeito prejudicial sobre as instituições dos países em desenvolvimento. Essas práticas não só distorcem a concorrência nos mercados financeiros, mas também têm impactos duradouros e negativos nos padrões de governança e nos direitos humanos. O governo dos Estados Unidos continuará a investigar como a corrupção é usada como uma “arma”, para entender seus efeitos nos EUA, em outras democracias e em países ao redor do mundo, e para desenvolver estratégias para combater essa ameaça crescente.”

Esses documentos, tanto o da Casa Branca, de dezembro de 2021, quanto o referente ao Paraguai, de julho de 2023, sinalizam que uma das estratégias centrais do governo Biden será reforçar, com uso de tecnologias avançadas, o papel dos EUA como “xerife global anticorrupção”. 

Já existe uma literatura sobre isso. O controle sobre o dólar, ainda a moeda de troca mais usada no comércio global, confere ao governo americano uma série de instrumentos repressivos contra todo grupo privado ou estatal, ou mesmo contra governos estrangeiros, que, segundo eles, podem ameaçar os interesses norte-americanos. 

Grupos como Huawei, Alstom, Odebrecht, Petrobrás, sentiram a mão pesada dos órgãos federais dos EUA nos últimos anos. 

O novo documento para o Paraguai indica que os EUA apreciaram o gosto de sangue e irão continuar nessa linha. 

Cabe aos governos de qualquer parte do mundo, e especialmente do Sul Global (que devem ser o alvo principal), por sua vez, se defenderem em duas frentes: 1) aprovar legislações domésticas que protejam suas empresas, e 2) defender, juntos aos fóruns internacionais, que se imponha limites ao imperialismo judicial dos EUA. 

A diminuição do uso do dólar como moeda de troca internacional, substituindo-o pelo uso das próprias moedas locais, ou então pelo uso de moedas eletrônicas, de preferência com tecnologia blockchain, criadas especificamente para trocas comerciais, também pode ajudar muito a proteger o mundo contra os arroubos imperialistas do Tio Sam. 

Para baixar o documento original, referente aos planos para o Paraguai:

https://drive.google.com/file/d/1QpIT1wt1fGlu0taxkajwU7sNK657qNbU/view?usp=sharing

Versão em português (traduzida pelo Cafezinho):
https://drive.google.com/file/d/1GBlAxAWagCuZzU7jdRhH5k_MxdjMMcCP/view?usp=sharing

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Paulo

25/09/2023 - 23h30

Que os EUA se valham do discurso anticorrupção para tentar exercer pressão e, consequentemente, controle sobre os diversos governos no mundo (e não só no Brasil) constitui apenas uma nova abordagem para aquilo que as grandes potências, desde a antiguidade clássica, sempre fizeram: a exploração de contradições internas nos diferentes países/estados para dividir os autóctones e, consequentemente, assegurar o controle da classe política e dirigente. Muda o discurso, mas a intenção é sempre a mesma. Agora a escolha da vez tem a ver, me parece, com a penetração cada vez maior do governo chinês em assuntos internos sul-americanos – como de resto, no mundo. A corrupção é utilizada como método, pelos chineses – disfarçada de investimentos; mas, também, pelos próprios americanos, disfarçada de denúncia…


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