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Uma mãe para o golpismo verde-oliva

Nesta próxima segunda-feira (08) o Brasil completa um ano desde a tentativa fracassada de golpe patrocinada pelas forças armadas que sem as condições e apoios necessários para sustentar o golpe no dia seguinte, recuou. De lá para cá o que o Brasil fez de efetivo para fortalecer a sua democracia contra outros aventureiros e criminosos? […]

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Foto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do ministro da Defesa, José Mucio, e dos três comandantes das Forças Armadas Ricardo Stuckert/PR

Nesta próxima segunda-feira (08) o Brasil completa um ano desde a tentativa fracassada de golpe patrocinada pelas forças armadas que sem as condições e apoios necessários para sustentar o golpe no dia seguinte, recuou.

De lá para cá o que o Brasil fez de efetivo para fortalecer a sua democracia contra outros aventureiros e criminosos? Nada!

Antes de tudo é preciso que fique claro, que, partindo de autonomia institucional e entre os poderes, não cabe ao presidente Lula punir, prender ou julgar os golpistas. Lula não faz parte do sistema de justiça, aliás, ele tampouco é parte do poder judiciário. Ele é o chefe do executivo. Pode exercer uma ou outra influência? Sim mas não é muito diferente do que outros presidentes (que respeitem os limites institucionais do cargo) poderiam fazer.

Dito isto, é importante ressaltar que o processo de contenção e combate ao golpismo não se faz apenas na esfera jurídica mas também na esfera institucional e nesse aspecto, vale apontarmos que o presidente da República é Comandante Supremo das Forças Armadas, conforme estabelecido no art. 142 da Constituição Federal e responsável pela nomeação do Ministro de Estado da Defesa que exerce a direção superior das Forças Armadas. E é aí que começam os problemas.

No dia 8 de janeiro foi o general Júlio César Arruda, então comandante do exército, que tomou uma das atitudes mais graves e a maior afronta ao Estado Democrático de Direito, desde a redemocratização. Foi ele que ensaiou um confronto aberto contra as forças de segurança do Distrito Federal ao colocar uma fileira de sodados e blindados contra os agentes.

Deveria ter amanhecido no dia 9 de janeiro preso mas não foi. Sendo removido do cargo mais de 10 dias depois e por outro motivo: a insistência em querer colocar o tenente-coronel Mauro Cid para comandar as tropas do 1º BAC (Batalhão de Ações de Comandos), em Goiânia.

Dias antes o ministro da defesa, José Múcio, fazia uma defesa aguerrida dos agrupamentos de criminosos que se tornaram os acampamentos golpistas ao redor do país, afirmando que teria até mesmo parentes e amigos entre os frequentadores, um escárnio.

Dias depois, começaria um movimento no Congresso Nacional para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os atos golpistas, iniciativa que foi firmemente combatida pelo Palácio do Planalto o motivo? Não queriam melindrar os militares. E mesmo assim, a CPI ocorreu mesmo que à contragosto do governo.

A coisa era tão complicada que parlamentares da própria base governista, ao perceberem o movimento do governo, ameaçaram vazar toda e qualquer informação sigilosa sobre os militares que pudesse ser encontrada. Quando o tenente-coronel Mauro Cid foi convocado para a CPMI, Múcio, segundo parlamentares, pediu para que pegassem leve com o militar.

Aliás, Múcio ficava orbitando tanto o colegiado que chegou a ser taxado de cansativo por deputados e senadores.

Se não bastasse isso, ainda houve o lamentável episódio onde o governo “atropelou” o deputado da própria base, apenas para sufocar uma iniciativa de contenção da intromissão dos militares na política. o deputado Carlos Zarattini (PT), que trabalhava em um texto que buscava limitar a participação de militares na política e acabar com a GLO, ficou sabendo que foi abandonado pela imprensa. No lugar do seu texto, o governo apresentou a PEC do faz-de-conta que impõe algumas poucas restrições irrisórias aos militares, mas nada além disso.

E se não bastasse isso, o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) vai destinar mais de R$ 50 bilhões para as Forças Armadas, o valor seria apenas 3% de um projeto ainda muito maior que visa queimar mais de R$ 1 trilhão em recursos públicos exclusivamente com as forças armadas.

Um verdadeiro escárnio de um governo que se próprio chegar ao déficit 0 nas contas públicas mas que sem o menor comedimento destina caminhões de dinheiro para um setor onde o zelo e a probidade com a coisa pública são contos da carochinha.

Ainda na esfera institucional, o governo decidiu engavetar um projeto que acaba com pensão de filho de militar, tudo porque o assunto seria “delicado”.

Não é dificil intuir que se no campo previdenciário o governo recuou dessa maneira, a postura é muito semelhante em outras áreas. Até o momento não há qualquer sinalização na mudança da formação dos militares que seguem estimulando a doutrina do inimigo interno.

Boa parte do alto-comando de hoje já estava lá durante boa parte do período onde os militares decidiram tumultuar a política e também durante a publicação da hedionda nota de 11 de novembro de 2022, quando militares apoiaram de maneira explícita os acampamentos golpistas, alegando que pedir pelo cometimento de crimes seria algo algo vetado pelo direito à livre manifestação.

Aliás, o alto-comando permanece exatamente o mesmo de quando as forças armadas, de maneira criminosa ensaiaram um confronto com as forças de segurança pública do DF, ninguém foi punido por aqui.

Diante de tantos absurdos, mais um presente: militares farão parte da política de segurança sobre o ciberespaço instituída pelo presidente Lula, ou seja: a instituição que vê a sociedade brasileira como alvos/inimigos em potencial será responsável pela gestão e acesso aos dados de toda a população e governo. Um governo que até ontem estava com dificuldades de manter suas próprias armas dentro do quartel. Uma instituição cujo sistema de controle de armas e munições desenvolvida por eles próprios, permite fraudes das mais basilares para o desvio de material bélico.

Isso sem falar de que foram os militares que fizeram aquele vergonhoso relatório sobre as urnas eletrônicas e que precisaram recorrer ao trambiqueiro “hacker” de Araraquara, Walter Delgatti, para assuntos envolvendo sistemas e informática.

A receita do presidente segue o seu histórico, já que nas suas duas primeiras administrações, ele também encheu os militares de recursos e benesses, rompendo a correta estratégia de desidratação empregada por Fernando Henrique Cardoso. Isso não impediu que os militares entrassem numa verdadeira escaramuça contra a República nos últimos 10 anos.

Lula pode não compactuar com o ideário golpista de Jair Bolsonaro, inclusive, já repudiou isso diversas vezes publicamente, porém, no campo institucional o presidente apenas empurra os problemas para debaixo de um tapete e faz uma espécie de empréstimo para a estabilidade.

Resta saber quando o país precisará pagar a fatura dessa estratégia que certamente, se não mudada, obrigará o país a aturar o assanhamento verde-oliva por mais 10 ou 20 anos.

Lula trata aqueles que articularam a sua prisão e que tentaram demovê-lo do poder como uma mãe.

Da forma como estamos hoje, conta está bem compensatória para quem arquitetou, patrocinou e promoveu os atos golpistas. No caso dos militares só a punição direta e efetiva tem caráter disciplinar nas forças armadas. Se os Generais de hoje e de amanhã possuem pouco apresso pela democracia, pelos menos precisam ter medo de serem pegos numa mera tentativa, mesmo que para servirem de exemplo. Ou aquele militar que hoje é major vai daqui alguns anos se tornar oficial, um general, um tenente-coronel e aí ele vai fazer a conta de que vale o risco de uma simples tentativa.

Infelizmente ainda é muito comum, no Brasil, os militares se safarem de tudo.

Lula sempre teve uma visão muito imediatista da política, se no poder executivo as coisas sempre são pensadas no curto-prazo, o presidente olha para um prazo mais curto ainda. Por isso a análise de governo (e isso não é totalmente errado) se pauta por uma lógica pautada no hoje e não no amanhã, no futuro. É um poder Executivo, é voltado para o agora, para fazer as coisas acontecerem. A sociedade brasileira impôs isso. Vide o quão o presidente é cobrado enquanto pouco cobramos o legislativo de maneira mais contundente.

Então dentro dessa logica, se o governo governo olha para 2023 e vê que foi um ano melhor que o esperado e projeta um 2024 de razoável a bom. Assim não há estímulo concreto para mexer nos pilares, entre eles essa relação inercial de “paz” armada com os militares.

O governo certamente não está sozinho preso nessa lógica de apenas olhar para o hoje mas também não faz sua parte em olhar para o amanhã.

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Cleber Lourenço

Defensor intransigente da política, do Estado Democrático de Direito e Constituição. | Colunista n'O Cafézinho com passagens pelo Congresso em Foco, Brasil de Fato e Revista Fórum | Nas redes: @ocolunista_

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