Chamam de crise o que é, na verdade, coerência: Lula quer corrigir distorções e fazer os mais ricos pagarem sua parte
Enquanto o mundo parece ensaiar seu fim, Israel atacando Irã, Irã respondendo e a tensão escalando no Oriente Médio, com riscos globais, no Brasil a manchete é que Lula está encurralado. Esse budejo é mais velho do que a serra. Lula sempre esteve nesta condição. Quando não era preso, era atacado. Quando não era acusado, era sabotado. Quando não era boicotado, era chamado de messiânico. Quando não era o operário incômodo, era o presidente incômodo. Nunca foi fácil, nunca será.

E agora, a grande novidade: Lula está “em crise”, porque quer tributar os mais ricos e corrigir distorções absurdas num país que isenta bilionários enquanto diz que o problema é o aposentado. A imprensa chama de radicalismo fiscal, o Congresso, de irresponsabilidade, a elite, de populismo. A palavra que não usam, mas deviam, é coerência.
Na quinta-feira, 12 de junho, em Minas Gerais, Lula não só respondeu como escancarou:
“Estamos tentando corrigir esse país, e é muito difícil. Porque tudo o que a gente faz dá trabalho. O pessoal fala que não pode aumentar o salário mínimo, que aposentado não precisa de reajuste. Mas quando o PIB cresce, a gente tem que distribuir esse crescimento. E o crescimento vem do povo, não do andar de cima.”
Com a fala simples, direta e cheia de verdade, Lula basicamente retomou, do seu jeito, a máxima que assusta elites há séculos: se o trabalhador tudo produz, a ele tudo pertence. Ao explicar o que é o PIB sem citar um economista sequer, apenas dizendo que o crescimento vem da riqueza gerada pelo povo e deve voltar para o povo, ele fez mais do que muita thread pretensamente revolucionária no X. Foi mais potente e genuíno do que qualquer jovem comunista com câmera 4K e impulsionamento pago nas redes.
E que ninguém duvide, o presidente está antenado. Leu meu artigo sobre o evento do PL, aquele que denunciou a presença descarada das big techs na articulação política da extrema direita, e está se mobilizando. Me dou o direito de me gabar, sim. Porque, dia desses, fui apontada como parte de algo pior do que a extrema direita em um texto mal escrito endossado por um grande jornalista que passou da hora de discernir o que é crítica e o que é covardia. Apois!
A fala de Lula atravessa o tempo. Poderia ter sido dita em 2003, quando o país olhava torto pra quem vinha do chão de fábrica e ousava governar. Poderia ser em 2015, quando Dilma foi triturada por propor ajuste nos benefícios de elite. Poderia ter sido em 2018, quando Lula avisava do fundo da prisão que o golpe não era contra ele, mas contra o povo.
Agora, a história se repete: o governo propõe mexer no IOF e ajustar o Imposto de Renda para que quem ganha até cinco mil reais fique isento. E quem ganha acima de um milhão por ano? Que pague alguma coisa, ora. Parece óbvio. Mas a obviedade ofende. E o Congresso de maioria conservadora prefere gritar por corte de gastos, como se Bolsa Família e reajuste de mínimo fossem extravagâncias fiscais, enquanto mais de 800 bilhões de isenções beneficiam os mais ricos.
“O que a gente dá pros ricos é dez vezes o Bolsa Família”, lembrou Lula no mesmo discurso. “Tem uma fila desgraçada neste país que diz que pobre tem que nascer e morrer pobre. Que não pode sonhar. Que não pode estudar.”
No meio disso tudo, brotam pesquisas que parecem feitas para alimentar manchetes, e não para medir sentimentos reais. É o que chamamos de pesquisismo, um uso tático da sondagem de opinião como arma simbólica. E como bem debochou meu colega Mario Vitor Santos, esse ciclo tem nome: é o algoritmo do pessimismo. Ele roda sempre nos mesmos moldes, números que desanimam, análises que alarmam, manchetes que confirmam, até que a realidade se curve ao script da desilusão.
Tentam vender como “surpresa” algo que é a mais velha fórmula da política brasileira, emparedar Lula quando ele tenta mexer no andar de cima. E pra coroar o momento, Lula ainda cravou, sem medo de parecer feliz: uma declaração de amor à Janja em pleno palanque. Uma confissão tão sincera que quase poderia até gerar uma CPI da carência afetiva no Brasil, com solteiros exigindo direito de resposta ao presidente mais romântico da história do país, que ainda por cima prometeu que todo mundo iria namorar. Exijo ser relatora.
Lula não incomoda só porque governa. Incomoda porque insiste em repetir que o povo tem direito a sonhar. Porque resiste ao papel de administrador da miséria. Porque insiste em querer justiça, quando o script exigia apenas gestão.
Quem o empareda não é a novidade, é a repetição. A velha estratégia de sufocar o projeto mais ousado que o Brasil já viu, o de fazer com que o filho da empregada dispute, em igualdade, a vaga com o filho da patroa. A história se repete como farsa, mas Lula não muda o tom. Como disse em Minas: “Eu governo pra todos os brasileiros, mas tenho obrigação moral, ética e política de cuidar do povo que mais precisa.”
Esse é o impasse. A elite não aceita que ele continue dizendo isso em voz alta, mas ele não foi eleito para se calar. E enquanto o mundo arde em desespero, entre bombas no Oriente Médio e alertas nucleares, Lula insiste em falar de pão, salário, amor e igualdade. Que heresia!
Por Sara Goes
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